Construídos e preservados ao longo do tempo, os patrimônios históricos possuem uma forte ligação com a cultura e identidade de cada região. Em Bento Gonçalves, eles possuem elementos essenciais para entender como a cidade e a sociedade bento-gonçalvense se desenvolveu durante mais de 130 anos.

Segundo o Plano Diretor do município, além das edificações integrantes no atual Inventário, se reconhece como patrimônio histórico e cultural os conjuntos formados pelas sedes comunitárias e edificações com mais de 50 anos situados ao seu redor. Também são reconhecidas áreas de proteção a paisagens e outros locais identificados em mapa.

A museóloga Deise Formolo e a arquiteta Cristiane Bertoco, contam que a primeira pesquisa para o Inventário Municipal foi realizada entre 1994 e 1996, nesse estudo foram arrolados 385 itens, como casas, jazigos e outras edificações. Dentre eles, oito patrimônios já se encontram tombados:

Museu do Imigrante

Antiga Pharmácia Providência (2º Tabelionato Garcez)

Prefeitura Municipal de Bento Gonçalves

Banco Meridional (Banco Santander)

Banco Meridional

Igreja Metodista

Igreja Metodista

Antiga Secretaria de Finanças (Tabelionato Damo)

Igreja Matriz Santuário Diocesano de Santo Antônio

Casa Merlin (Casa da Memória Merlin), em restauro.

Casa Merlin

Casas Milan e Japur, ainda estão em processo de tombamento na Procuradoria Geral.

Atualizações

Recentemente, ocorreu a atualização dessa pesquisa, uma complementação conceitual e prática desse vasto registro, que foi elaborado através de um edital do Estado FAC/Patrimonial 2019 em pareceria entre o Museu do Imigrante, a Secretaria de Cultura de Bento Gonçalves e a Universidade de Caxias do Sul, com o curso de Arquitetura e Urbanismo e outras entidades, onde foram acrescentados outros patrimônios. “Porém, o diferencial é que as edificações foram tomadas como roteiros culturais e conjuntos, dessa forma, temos 27 novas fichas, mas que envolvem um vasto território dividido em oito eixos”, revelam.

Conforme Deise e Cristiane, as áreas são:
1) Bairro Centro: Conjunto da Igreja Metodista, Bairro Cidade Alta, Bairro São Roque: Complexo do Batalhão e Conjunto Igreja São Roque;
2) Área urbana – Distrito de Tuiuty: Comunidade Addolorata, Comunidade São Valentim;
3) Passo das Antas: Veríssimo de Matos, Km2 e Passo Velho;
4) 4ª Secção do rio das Antas: São Luiz das Antas e Jaboticaba;
5) Distrito de Faria Lemos: 3ª Secção do Rio das Antas;
6) Morro da Eulália: Linha Eulália Alta e Linha Eulália Baixa;
7) Vale dos Vinhedos: 8, 15 e 40 da Graciema;
8) Distrito de São Pedro: Comunidade São Miguel, Comunidade Santo Antônio.

A escala temporal dos bens inventariados engloba o final do século XIX até os anos 1970, como a Ruína Casa Rossetti, a Cozinha Vaccaro, a Estrebaria Razia, a Casa Cantelli, entre vários outros apresentados no projeto de educação patrimonial, “Laços Patrimoniais”. Além disso, as casas mais antigas possuem características do período primitivo da arquitetura da imigração italiana, datado na segunda década da imigração, aproximadamente em 1885. “Apresentam dimensões modestas, pedras irregulares naturais, janelas em madeira rachada com tampões, sem pregos, nem dobradiças. Os materiais e técnicas construtivas dessa época dependiam totalmente da disponibilidade no terreno e da autoconstrução. Anteriormente, na primeira década da imigração, as construções eram provisórias, como choupanas e palhoças, por isso não temos informação de algum exemplar preservado”, observam.

As edificações contam história, mesmo quando os primeiros protagonistas não estão mais vivos, ao mesmo tempo que reavivam memórias e afetos dos descendentes, vizinhos e passantes. “Quando preservadas em sua autenticidade e integridade, documentam os modos de vida das pessoas e comunidades ao longo do tempo, registrando o seu passado, presente e reflexões para o futuro”, comentam.

De acordo com Deise e Cristiane, entende-se a importância de se preservar essas construções rurais e urbanas provenientes de uma arquitetura de linguagem própria, a maioria vernacular, de base artesanal e de simplicidade notável, como uma ação para recuperação da memória construída de um povo, ao permitir e estabelecer um sentimento de pertencimento da população para com o seu local. “Ao conhecer sua história, as pessoas tornam-se agentes de cidadania, contribuindo de forma consciente para uma sociedade mais justa”, declaram.

Além das influências europeias do processo imigratório, outras identidades foram essenciais para o desenvolvimento da região de Bento Gonçalves, ligadas aos povos indígenas e às populações afrodescendentes, em especial às ligadas ao patrimônio ferroviário e industrial. “Seus descendentes foram e ainda são, entre tantos, os responsáveis pela colocação de cada trilho e tijolo, pela manutenção das linhas e pelo trabalho pesado. A simplicidade de suas construções torna sua arquitetura invisível, não tendo por esse motivo reconhecido o seu valor cultural e simbólico, o qual necessita ser valorizado”, reconhecem.

A partir disso, a averiguação de novos patrimônios deu destaque para os aspectos simbólicos, sociais e históricos relacionados à implantação da malha ferroviária no município, responsável por parte considerável do movimento patrimonial ligado às diversidades culturais na cidade. Além disso, abordou-se o patrimônio originado a partir da vinda de imigrantes poloneses, tanto em edificações isoladas como em conjuntos e roteiros culturais. “Assim, além de aplicar uma visão diferenciada do processo de desenvolvimento do município de Bento Gonçalves, alinha-se ao de imigrações europeias na região sob a ótica do trabalho, mas também aos grupos sociais menos enaltecidos na construção de seu território, cujos conhecimentos constituem fontes insubstituíveis na valorização e preservação do patrimônio’, acrescentam.

O diagnóstico de bens culturais edificados do município identificou conjuntos que merecem ser incluídos no Inventário, por seu valor histórico, arquitetônico, evocativo e social para a cidade. Destes, destacam-se as Vilas Ferroviárias, pontes, viadutos e túneis situados ao longo do Ramal Ferroviário Bento Gonçalves – Jaboticaba, bem como as demais infraestruturas construídas pelo 1º Batalhão Ferroviário no município, dentro do itinerário do Tronco Principal Sul. “Essas construções são indicadas no Plano Diretor para preservação através de APPACs e Áreas de preservação do Patrimônio Histórico e Social, representando, além de sua arquitetura moderna e um importante marco na cultura da região, a diversidade trazida por outros grupos sociais e etnias para o município”, completam.

Cemitério de vagões na Vila Ferroviária Jaboticaba

A historiadora Sabrina de Lima Greselle, ressalta que a inclusão das vilas ferroviárias foi algo muito importante dentro da atualização do inventário. “A ação foi realizada a partir da criação do projeto e livro ‘Laços Patrimoniais’. São regiões que nem sempre tiveram um olhar mais atento do município, por mais que estejam presentes em toda a cidade, e que são uma parte ‘mais esquecida’ da história. Com o projeto, estão sendo discutidas novamente”, comunica.

Outra inclusão na lista de patrimônios culturais foi o complexo do batalhão. “A presença dele foi muito importante para o desenvolvimento da cidade, o próprio bairro São Roque urbanizou-se e separou-se de Tuiuti por conta de algumas influências dele”, enfatiza Sabrina.

Referente a esses patrimônios que logo serão registrados, as especialistas informam que o trabalho se inicia com a pesquisa entregue no início desse ano, com as fichas elaboradas através do projeto. A lista e outras informações podem ser conferidas na plataforma digital do Museu do Imigrante (https://www.museudoimigrante.org.br/). “Buscamos contribuir para isso com publicações na plataforma do Museu e em nossas redes sociais. Além do livro e fichas do projeto ‘Laços Patrimoniais’, frequentemente publicamos mapas, vídeos, fotografias, entre outros, dos estudos e eventos realizados”, finaliza.

O livro que engloba o projeto

Lançado no dia 17 de março, o livro “Laços Patrimoniais: Construindo um Inventário Colaborativo para Bento Gonçalves”, consiste em elaborar a atualização do inventário dos bens edificados do município, em parceria com as comunidades da região.

Assim como o projeto, a obra literária foi realizada pelo grupo de pesquisa que conta como integrantes, a Equipe Museu do Imigrante: Angela Maria Marini, Cristiane Bertoco, Deise Formolo e Sabrina de Lima Greselle; Cristiane e Deise, juntamente come Ivani Pelicer na equipe principal; o historiador Igor Nichetti; o fotógrafo Wagner Meneguzzi e revisão ortográfica por conta de Janete Nodari.
Além dos professores do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul: Profa. Doutoranda Margit Arnold Fensterseifer, Profa. Mestra Pauline Fonini Felin e Prof. Mestre Matheus Gomes Chemello. Os estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Caxias do Sul: Cindia Cristina Torres Müller, Laura Gaddo Dal Mas e Carina De Cesaro, orientadas pela Professora Arquiteta Margit Arnold Fensterseifer, no primeiro semestre de 2020. Em 2021, deu-se continuidade aos estágios com os acadêmicos Aline Tessaro, Rudiane Zacaria, Giovani Piovesana e Viviane Gheno, com os professores Arquitetos Pauline Fonini Felin e Matheus Gomes Chemello, que estão estudando os conjuntos do Bairro São Roque.

De acordo com a museóloga Deise Formolo, ela e os outros autores querem atingir o máximo possível de públicos. “Desde sempre queríamos formatar um planejamento de comunicação que pudesse abranger o maior número possível de acesso. Por isso, a necessidade de disponibilizar em mídias digitais e físicas em braile, pois queremos que a história dos patrimônios edificados seja compartilhada por todos. Ela fala a todos nós”, anuncia.

Atividades no Museu do Imigrante

A Secretaria de Cultura, através do Museu do Imigrante preparou diversas atividades para celebrar o Dia Nacional do Patrimônio Cultural, celebrado em 17 de agosto. Serão voltadas ao acesso e comunicação dos acervos da instituição.

Dia 20

A partir das 13h30min, haverá uma atividade online no canal de Youtube da instituição. O “Acervos em movimento” está integrado no Programa de Acervos do Museu do Imigrante com o objetivo de comunicar, disponibilizar e democratizar o acesso às informações históricas das diferentes coleções da instituição. A primeira atividade consiste na divulgação do audiovisual da última edição do Café com Memória com o tema “Histórias e Memórias de Tuiuty”. 
Também acontecerá o “Museu de portas aberta”, que visa ampliar o acesso da comunidade ao Museu do Imigrante através de visita estendida até às 22h.

Dia 21

A segunda atividade diz respeito à digitalização e disponibilização de uma parte da coleção da Igreja Metodista de Bento Gonçalves, especialmente, os registros de nascimentos, óbitos e casamentos ocorridos na região. Os documentos serão publicados, no dia 21, a partir das 13h30min, na plataforma digital Tainacan do museu.

O “Roteiro virtual cultural” dará continuidade ao Programa Laços Patrimoniais, no qual é focado na educação patrimonial e teve como objetivo atualizar o inventário do município produzido em 1994. A equipe da instituição disponibilizará mais um roteiro virtual cultural, agora, sobre o distrito de Tuiuty. A ideia é proporcionar uma visita virtual ao distrito por meio de um mapeamento realizado através do Google Maps, com a identificação de algumas edificações históricas e seus valores culturais. O visitante poderá deixar comentários e incluir fotos, criando um espaço de trocas e diálogo com a comunidade.  O link será comunicado nas redes sociais da instituição, no dia 21 de agosto, a partir das 09h.

Fotos: Wagner Meneguzzi e Divulgação