É possível dizer que o ano da pandemia foi difícil para todos. Porém, quanto maior o desafio, maior é o aprendizado. Profissionais da saúde mental acreditam que é possível se reinventar e construir um 2021 de qualidade

Quando 2020 começou, era difícil imaginar o que iria acontecer. Os planos para o ano passado precisaram ser alterados, sem aviso prévio. A Covid-19, até então desconhecida pela população e até mesmo para os médicos, assustou e, primeiramente, levou todos para dentro de casa. De repente, era necessário o uso de máscaras e álcool em gel constantemente. Ocorreram perdas incalculáveis nos negócios, mas os maiores danos foram para aqueles que perderam familiares e pessoas próximas para a doença.

Diante de tantos problemas, é possível dizer que o ano da pandemia foi difícil para todos. Porém, quanto maior o desafio, mais amplo é o aprendizado. O psiquiatra Rodrigo Tramontini afirma que as lições de 2020 foram muitas. “Devem ser encontradas de maneira pragmática – isto é, despida de reflexões filosóficas e metafísicas. Como a sociedade enfrentou a pandemia? Onde erramos e onde acertamos? O que fizeram ou deixaram de fazer nosso líderes e governantes?”, indaga.

O profissional confia na melhora dos pacientes a partir da análise objetiva dos seus problemas e no fortalecimento de suas qualidades. “No momento, acredito que devemos fazer o mesmo na esfera da coletividade. Reflexões morais, psicanalíticas e existenciais podem esperar”, pensa.

Efeitos positivos ou negativos?

A psicóloga Janice Mezacasa Cavalini acredita que o período de pandemia fez com que as pessoas olhassem mais para si, fisicamente e psiquicamente. “Os autocuidados que precisamos aprender a tomar depois disso tudo fez com que as pessoas saíssem do ‘modo automático’ de viver”, pensa.

Para as mais de 100 famílias que perderam entes queridos para o coronavírus, foi ainda mais difícil. “Nos obrigamos a pensar mais na morte e tentar elaborar lutos rapidamente. Cada pessoa faz isso de uma maneira e, por isso, é difícil dizer se são efeitos positivos ou negativos”, explica.

No período de quarentena, quando apenas estabelecimentos que prestavam serviços essenciais continuaram de portas abertas, foi preciso aprender a conviver no ambiente familiar de maneira mais intensa. “A convivência extrema também fez com que as pessoas repensassem relações e relacionamentos, trazendo também resultados positivos e negativos a todos”, frisa.

Consequências da pandemia

Segundo Tramontini, mudanças repentinas, como a que vivenciamos, trazem cenários imprevisíveis e geram insegurança. “Consequentemente, provocam reações físicas e mentais de alerta, que até podem ser úteis em situações temporárias e isoladas de perigo. Porém, quando essa realidade se prolonga e é alimentada por preocupações excessivas ou por outros problemas, entramos em um estado crônico de estresse que pode desencadear ou exacerbar transtornos de ansiedade e de humor, por exemplo. Na tentativa de lidar com esse sofrimento, muitas pessoas também abusam de álcool e de outras drogas, o que certamente não funciona e acaba agravando o quadro”, salienta.

Janice aponta que foi possível perceber que o nível de ansiedade das pessoas aumentou. “Além de sintomas depressivos e de estresse pós-traumático. A busca por ajuda com um profissional da área da saúde é essencial nesses casos, para que os sintomas não se agravem ainda mais”, recomenda.

Para crianças e adolescentes a mudança foi drástica, principalmente na questão dos estudos. “Eles têm uma capacidade de resiliência maior que os adultos então, para muitos, foi mais fácil a adaptação ao novo sistema de ensino. Vejo que ainda está sendo mais difícil para as instituições modificarem a maneira de ensinar, do que para os estudantes”, ressalta.

Experiências negativas, atitudes positivas

Tramontini ressalta que, apesar de tudo, tem como transformar as experiências negativas de 2020 em atitudes positivas para 2021. “Para isso, precisamos aceitar e entender essas experiências negativas e encontrar explicações e soluções baseadas evidências. Negar ou politizar os problemas apenas os aumentam e os prologam, gerando conflitos que nos afastam dos muitos objetivos que temos em comum e que aumentam nossa sensação de impotência e solidão”, constata.

Atitudes para um 2021 de esperança

O médico ainda finaliza parafraseando o escritor Isaac Asimov. “É uma pena que, na vida de hoje, a ciência ganhe conhecimento mais rapidamente do que a sociedade ganha sabedoria. Se não adquirirmos essa sabedoria – construída, em grande parte, por meio do diálogo – corremos o risco de repetirmos os mesmos erros no futuro, mesmo com todo tipo de vacina à disposição”, afirma.

Já Janice acredita que com as coisas negativas, sempre vem algo positivo junto. “Vejo que em 2020 nos reinventamos em todos os sentidos, tanto na vida profissional, quanto na pessoal. Muitas pessoas se redescobriram e isso é essencial para que se possa continuar enfrentando todos os desafios que virão, pois eles continuam em 2021 e em todos os anos que virão”, destaca.

Bons hábitos

esde higinienização ao frequentar espaços coletivos ou ao chegar em casa, até o cuidado com os idosos. Hábitos que anteriormente não eram praticados, hoje, se tornaram naturais por conta da pandemia e devem continuar.

Higienização
Limpar as mãos com água e sabão ou álcool em gel evita a contaminação pelo coronavírus, mas também por outros vírus, bactérias e fungos. O Ministério da Saúde alerta que a frequência de doenças como conjuntivite, gripe, entre outras, podem diminuir com a higienização adequada.

Cuidar dos idosos
Depois de certa idade, o risco de desenvolver a forma mais grave de doenças aumenta. Não é necessário deixá-los totalmente isolados e solitários, mas, ter mais cuidado ao aproximar-se deles. Não visitar idosos enquanto estiver doente é a atitude mais adequada.

Proximidade da família
Com o home office e as crianças estudando em casa, não ter tempo para a família não foi mais um problema tão recorrente. Manter na rotina os momentos na companhia familiar, mesmo depois que a pandemia acabar, também é essencial.

Redução do consumo
Durante os dias dentro de casa, tornou-se mais fácil perceber que é possível viver consumindo menos. Reduzir a quantidade de compras para economizar diante de um cenário econômico incerto, bem como incentivar o trabalho de pequenas empresas e valorizar entregadores, são hábitos que devem ser mantidos pós-pandemia.

Autocuidado
Cuidar da imunidade nunca foi tão importante.Manter as preocauções evita, além do coronavírus, outros problemas de saúde.

Momentos difíceis pedem empatia

A estudante Anelise Chiarentin afirma que, sem dúvidas, a lição mais importante do ano passado foi a empatia. “Todos deveriam ter colocado em prática. De um dia para o outro, tive que cuidar não apenas de mim e da minha família, da nossa saúde, mas me preocupar com os outros também. E espero que a empatia continue fazendo parte da minha realidade a partir de agora”, observa.

A estudante Anelise com os pais, Jucimar e Edson Chiarentin

Resiliência também foi um aprendizado para a jovem. “Uma coisa que 2020 me ensinou foi que, para literalmente tudo, a gente dá um jeito. Se eu consegui passar pelo último ano, com certeza posso passar por 2021 também, pondo em prática tudo o que o ano da pandemia me ensinou”, prevê.

Sobre o que quer para os próximos meses, Anelise só pensa em uma coisa. “Só espero saúde. Que as coisas voltem ao normal no tempo certo e que este seja o ano do recomeço”, conclui.

O que as pessoas dizem em Bento


A empregada doméstica Michele Becker afirma que foi um ano difícil para alguns e para outros, bom. “Independente do que aconteceu, algumas pessoas tiveram outras linhas de visão, até para emprego, inclusive eu. Mas digo assim, que o dinheiro não é nada. Então a gente começou a valorizar mais a quem está do lado, ficar mais próximos. Todo mundo aprendeu alguma coisa, de alguma maneira”, garante.

A vendedora Fabiana Silva percebeu que é necessário valorizar mais as pessoas. “A gente vê, nessas horas, que ninguém é mais do que ninguém. Fazer coisas boas e ajudar hoje, porque a gente nunca sabe o que vai acontecer amanhã”, frisa.

Já a auxiliar de cozinha, Maria Ivone, acredita que a consideração para com as outras pessoas foi o principal aprendizado. “A gente aprendeu a respeitar os outros, porque se você não respeita, não é respeitado também”, relata.

A auxiliar de limpeza Margarete da Rosa diz que passou a ter mais confiança. “Temos que confiar mais em Deus, com essa doença e outras coisas acontecendo. Nos unirmos mais ao amor, querer bem as pessoas, porque sem isso não adianta. Se a gente não se une e não ficar de bem com a vida, não tem como vencer”, frisa.

A aposentada Alice Rostirola aprendeu tantas coisas em 2020, que achou difícil até mesmo explicar em palavras. Porém, ela tem certeza de algo. “Vamos ter que aprender mais ainda neste ano. Precisamos nos aproximar mais de Deus, se não ficamos a deus-dará”, alega.