Como não gosto de fofoca de redes sociais, comprei o livro cuja polêmica envolve o seu nome nos últimos dias, devido à escolha para estar na lista de leituras obrigatórias da UFRGS deste ano – O avesso da pele é o nome. Me propus a lê-lo antes de opinar acerca da escolha.

O que temo, apesar disso, é que a maioria não opte em fazer o mesmo, preferem o julgamento cego, envolvendo política, sem, ao menos, abrir o prefácio e checar.

Você deve estar se perguntando o que achei do livro nessas horas. Pois bem, sem rodeios, achei normal. Isso mesmo!

Um livro brasileiro como outros que já li, cuja faixa etária recomendada é de 15 anos, que explora a vida cotidiana na sua verdadeira face.

O ganhador do prêmio Jabuti em 2021 retrata a questão da violência policial contra negros, um tema bastante recorrente e necessário em um país de maioria negra e com forte racismo estrutural ainda presente.

No entanto, a censura foi além. O pedido da retirada dessa obra de escolas demonstra o falso conhecimento sobre o papel da literatura. Pra mim, leitora e professora de Linguagens de formação, a obra se assemelha a outras, como as de Machado e Monteiro Lobato, por exemplo. Ler clássicos deixou de ser o papel da escola e passou a virar crime.

Censurar uma obra pelos termos “pesados” que ela tem nos remete à época da ditadura. Acho engraçado pedir o recolhimento de livros assim em escolas ao passo que ler Cinquenta Tons de Cinza era incentivo anos atrás.

Contraditório em época de uso desenfreado de redes sociais por crianças sem nenhuma checagem de conteúdo com acesso à pornografia, conteúdos antiquados para a idade, adultização infantil, incentivo ao consumismo desenfreado e por aí vai.

Cômico, se não fosse trágico. A geração que busca, cada vez mais, a dopamina à volonté e só quer viver de prazer, seja nas compras on-line, nas leituras eróticas, no feed alheio, nos jogos, cigarros eletrônicos, álcool, ilícitos, remédios, no Tik Tok.

Trágico pela inversão de valores em que se vive. Cômico, porque como o nome do livro diz, é o “avesso”. Não é só sobre a cor da pele, é pelo que somos e pelo modo como vivemos.

Poderiam ser escolhidas outras obras para compor as leituras obrigatórias da UFRGS? Certamente. Mas há uma idade recomendada. O livro não é sobre pornografia, é um retrato social, a vida como ela é, sem rodeios, mas com seus problemas sociais de violência e ódio (o que leva uma sociedade ao racismo).
Bruna Surfistinha, Eu, Christiane F., 13 anos, drogada e prostituída, Dom Casmurro, O quatrilho e tantos outros sempre estiveram disponíveis nas prateleiras com idade recomendada e os lê quem quer. Como os filmes nas locadoras antigamente. Estavam aí, disponíveis para retirar.

O que dói e ofende hoje é que um livro que expõe a realidade traz mais prejuízos do que o uso de telas, letras de funk pesadas e outros gêneros, e é isso que me preocupa.

Como há o livre-arbítrio, cada um que arque com suas escolhas. Eu vou continuar preferindo ler e isso não me incita a nada, apenas me mostra que ignorante não é aquele que não sabe ler, mas o que poderia ler e não o faz, preferindo acreditar em um recorte do que ouve por aí. Triste época!