O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou, em maio, novas normas para a cirurgia bariátrica. A intervenção é usada como tratamento da obesidade e de doenças relacionadas. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM), entre 2020 e 2024, o Brasil realizou 291 mil cirurgias.
Quando a cirurgia é indicada
A cirurgia bariátrica é conhecida mundialmente pela sua eficácia no tratamento da obesidade. Segundo o Dr. Guilherme Sander, presidente da Sociedade Gaúcha de Gastroenterologia (SGG), o tratamento convencional, que envolve acompanhamento multidisciplinar (médico, nutricional, educador físico, dieta e atividade física), resulta em uma perda de peso. “Em média, as pessoas perdem 5% do peso; há pessoas que perdem mais, outras menos, mas a média é isso. Infelizmente, embora seja a solução ideal, ela não é suficiente para a maior parte dos casos”, explica Sander.

Para pacientes com obesidade grave, a cirurgia bariátrica se apresenta como a melhor opção. “Para pacientes com complicações graves da obesidade, a cirurgia acaba sendo a melhor opção, por ser bastante resolutiva. Em relação aos riscos, hoje em dia, as técnicas estão muito mais avançadas e os riscos são bem menores”, enfatiza o especialista.
Segundo o médico, é fundamental fazer a avaliação psicológica prévia à cirurgia. “Nós precisamos selecionar bem os pacientes para não agravar um quadro já estabelecido. Essa avaliação é feita anteriormente e depois, de acordo com a resposta de cada pessoa. Algumas precisarão de acompanhamento no pós-operatório; ele não é obrigatório, mas devemos estar sempre monitorando. Pode ser que seja necessário um acompanhamento psiquiátrico depois, tanto para tratamento de depressão quanto para outras condições”, menciona.
Novas opções menos invasivas
Dentre as novidades apresentadas pelo CFM, foi divulgada uma técnica menos invasiva que a cirurgia: a endo estrutura gástrica. “Ela é ideal para aqueles pacientes que estão com medo, com receio de fazer a cirurgia bariátrica ou que não têm uma indicação formal para um procedimento agressivo. Temos a opção endoscópica, em que o paciente perderá, em média, de 17% a 20% do seu peso, com uma técnica bem menos agressiva”, informa Sander.
Para aqueles que hesitam em se submeter à cirurgia, as opções endoscópicas surgem como uma alternativa promissora. “Os procedimentos endoscópicos são uma alternativa para essas pessoas com medo, especialmente para o grupo que optou por não fazer cirurgia, seja pelo risco ou pelas consequências a longo prazo de ter que fazer reposição vitamínica ou acompanhamento médico contínuo”, explica Sander.
Principais mudanças nas diretrizes
As diretrizes para a realização da cirurgia bariátrica no Brasil passaram por significativas alterações, visando ampliar o acesso ao procedimento para um número maior de pacientes que enfrentam a obesidade e suas comorbidades. As mudanças incluem a redução do Índice de Massa Corporal (IMC) mínimo e a flexibilização dos critérios de saúde associados.
Agora, indivíduos com IMC entre 30 e 35 podem ser elegíveis para a cirurgia bariátrica. Anteriormente, o procedimento era restrito a IMCs mais elevados, salvo exceções específicas. É importante lembrar que o IMC é calculado dividindo-se o peso em quilos pela altura ao quadrado. Um IMC entre 25 e 29,9 indica sobrepeso, enquanto acima de 30 é classificado como obesidade grau I.
Para que pacientes com IMC entre 30 e 35 sejam submetidos à cirurgia, é fundamental que apresentem algum quadro de saúde relacionado à obesidade. Nesse ponto, a nova resolução também trouxe avanços consideráveis. Antes, pacientes com diabetes só podiam se submeter à cirurgia se tivessem até 10 anos de diagnóstico da doença e idade entre 30 e 70 anos.
Com as novas regras, não há mais tempo mínimo de convivência com a doença ou limite de idade para o tratamento cirúrgico do diabetes. Além disso, o leque de doenças que qualificam o paciente para a bariátrica com IMC a partir de 30 foi ampliado. Podem agora ser considerados para a cirurgia pessoas que, além de diabetes tipo 2, apresentem:
- Doença cardiovascular grave;
- Apneia do sono grave, entre outras condições
- Doença renal crônica precoce;
- Doença gordurosa hepática;
- Refluxo gastroesofágico.
Essas mudanças representam um avanço significativo no tratamento da obesidade, permitindo que mais pacientes com comorbidades graves tenham acesso a uma intervenção que pode transformar sua qualidade de vida e saúde a longo prazo. “A obesidade é fator de risco para as principais causas de mortalidade que temos atualmente, como AVC, hipertensão e boa parte dos cânceres. Portanto, a educação para a saúde, para as pessoas saberem que a obesidade é uma doença e merece tratamento, assim como a hipertensão precisa ser tratada mesmo que o paciente não tenha complicações, porque sabemos que é questão de tempo, é fundamental. Uma obesidade a longo prazo vai aumentar o risco para diversas doenças e precisa ser tratada”, complementa Sander.
Novos critérios para adolescentes
No caso de adolescentes, com as novas regras, pacientes a partir dos 14 anos de idade podem fazer a cirurgia. Para isso, no entanto, eles precisam se enquadrar em casos graves de obesidade, com IMC acima de 40, que leve a complicações de saúde. Antes, a idade mínima era 16 anos.
Segundo Sander, para o adolescente nessa faixa etária realizar a cirurgia, é essencial apresentar algumas comorbidades. “Para adolescentes entre 14 e 16 anos, a cirurgia é permitida com o consentimento dos pais em casos muito graves de obesidade, com muitas complicações, considerando todo o problema psicológico e emocional da obesidade grave na adolescência, e junto ao risco de vida que alguns pacientes têm por estarem com obesidade mórbida gravíssima nessas condições extremas. A mudança da regra é que valem as mesmas indicações do paciente adulto, desde que haja o consentimento do paciente e dos pais. Portanto, agora, a partir dos 16 anos, as regras são as mesmas dos adultos, e de 14 a 16 anos, em casos extremos, o que antes era vedado”, explica o especialista.
Ele salienta também que os equipamentos são os mesmos tanto para cirurgias em adolescentes quanto em adultos. “O paciente já tem uma composição corpórea semelhante à do adulto e todos os equipamentos são os mesmos. Mesmo que ainda não tenha terminado a fase de crescimento, ele já está em uma faixa de peso e altura de um adulto pequeno, no mínimo. Assim, o equipamento para adolescentes e adultos é o mesmo”, compara Sander.
Cirurgia x medicamentos
De acordo com o Dr. Guilherme Sander, a cirurgia bariátrica desempenha um papel crucial no tratamento da obesidade. No entanto, ele observa uma crescente tendência de pessoas buscando medicamentos como solução. “A cirurgia bariátrica tem um papel importante no tratamento da obesidade mórbida e, agora com as novas regras do CFM, a partir de IMC acima de 30 em casos selecionados com complicações de obesidade. Ela é importante por dois motivos: primeiro, os pacientes em uso de medicamentos, atualmente em voga, têm um efeito enquanto o paciente está utilizando o medicamento”, esclarece.
Ele ressalta que, embora os medicamentos ofereçam resultados enquanto são utilizados, sua eficácia a longo prazo é questionável. “Nossa percepção é que a pessoa dificilmente conseguirá manter isso a longo prazo; acreditamos que a maior parte das pessoas, em algum momento, não continuará com o medicamento, e a chance de reganho de peso após a interrupção do medicamento é muito grande. Ou seja, medicamentos não são solução definitiva”, alerta.
Em países como Estados Unidos e Oriente Médio, onde os medicamentos chegaram antes, houve inicialmente uma redução na procura de cirurgias bariátricas, segundo o médico. “Depois de 12 a 24 meses, o número de procedimentos voltou a ser o que era antes, porque há aquela ideia inicial de que o medicamento é supereficaz, mas ele não é definitivo; o paciente acaba recuperando o peso. Além disso, as consequências de usar o hormônio pelo resto da vida ainda não foram estudadas”, completou.
Implementação das novas regras
Com as recentes mudanças nas diretrizes para a cirurgia bariátrica, o Dr. Sander manifesta a expectativa de que as novas indicações sejam rapidamente incorporadas e aceitas pelos planos de saúde. “Atualmente, a cobertura dos procedimentos endoscópicos bariátricos ainda é um desafio. Esperamos que, em breve, as indicações sejam ampliadas conforme a regra do CFM e que sejam aceitas pelos planos de saúde. Os procedimentos endoscópicos bariátricos ainda não são cobertos por plano de saúde, e esperamos que os planos se conscientizem de que as principais causas de custo associado à saúde estão relacionadas à obesidade. Investir no tratamento da obesidade é custo-efetivo. Portanto, depende ainda de uma conscientização dos planos para essa mudança e da custo-efetividade de se investir em tratamento da obesidade”, enfatiza o médico.
Mensagem final
Dr. Sander enfatiza a importância de reconhecer a obesidade como uma doença crônica, mesmo em seus estágios iniciais, e a necessidade de um tratamento proativo e adequado. “É fundamental estar consciente de que a obesidade é uma doença; uma obesidade leve a moderada trará consequências no futuro, assim como a hipertensão leve a moderada. Portanto, o paciente obeso deve ser sempre abordado sobre a intenção e a vontade de perder peso, sendo direcionado para o tratamento apropriado. Isso deve começar com dieta e atividade física, mas, se não houver resultado, não se deve perder tempo e sim direcionar para os tratamentos endoscópicos ou cirúrgicos aprovados pelo conselho”, conclui.