O Ministério da Saúde aprovou, no mês passado, o uso da membrana amniótica como curativo biológico em hospitais públicos de todo o Brasil. A decisão, tomada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS), prevê a ampliação do acesso e a redução dos custos para o Sistema Único de Saúde (SUS).
A membrana amniótica, coletada da placenta após partos cesarianos com autorização da mãe, é considerada uma alternativa segura e mais acessível em relação aos curativos tradicionais utilizados em grandes queimaduras. O objetivo da proposta é ter uma alternativa acessível e segura aos curativos convencionais, além de reabastecer os bancos de tecidos de pele humana, que hoje suprem apenas 40% da demanda por pele no Brasil. De acordo com a Sociedade Brasileira de Queimaduras, 1 milhão de pessoas sofrem queimaduras a cada ano.
O que é a membrana amniótica?
De acordo com Eduardo Chem, Cirurgião Plástico e Diretor do Banco de Tecidos do Hospital Santa Casa de Porto Alegre e membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, a membrana amniótica é parte da placenta, onde o feto fica envolvido. “A membrana é a parte mais interna da membrana fetal, aquilo que cobre o feto e a placenta. Ela nutre e protege o feto”, salienta Chem.
No Brasil, os bancos de tecidos têm escassez de pele; com isso, foi necessário utilizar outras medidas para suprir a demanda. “Os bancos de tecidos no Brasil têm escassez de pele. Não conseguimos ter pele suficiente para tratar todos os queimados. A membrana é um substituto cutâneo muito rico em propriedades semelhantes à pele, que ajudam a cobrir determinadas feridas de queimaduras”, explica o diretor.

Como é recolhida?
Nas consultas pré-natais, a gestante será informada sobre a possibilidade da doação da membrana. Para isso, no entanto, é necessário que haja alguns cuidados. “As gestantes serão informadas dessa possibilidade durante as consultas pré-natais, a partir do 5º, 6º mês, quando são orientadas de que, após o nascimento, a placenta é descartada e a membrana pode ser usada para salvar muitas vidas. Se ela aceitar, é feita toda a sorologia para doadores, para ver se não existe nenhuma doença infectocontagiosa. A captação só ocorrerá em partos cesarianos”, salienta. “A membrana, após o parto e a saída da placenta, é retirada, separada da placenta e levada para os bancos de tecidos para ser processada e limpa. Assim, podemos estocar nos bancos e doar via Central Nacional de Transplantes, via SUS, para os centros de queimados”, explica.
Quem pode doar
Ao contrário do que muitos pensam, para doar a membrana amniótica é preciso seguir algumas diretrizes, explicadas pelo médico:
- Ter mais de 18 anos
- Não pode ter tido nenhuma doença infectocontagiosa
- Apenas para partos cesarianos
Além desses critérios, Chem explica que está sendo elaborada uma série de normas para a regulamentação da doação.
Onde já é utilizada?
A membrana amniótica já é utilizada em outros países para tratamentos como queimaduras, cirurgias oftalmológicas e neurocirurgias, além de malformações urogenitais e mediastinites, entre outros, segundo a Sociedade Brasileira de Queimaduras.
Na tragédia da Boate Kiss, em fevereiro de 2013, o Brasil recebeu membranas de outros países. No entanto, de acordo com o médico, a maioria das vítimas não sofreu queimaduras. “Durante a tragédia da Boate Kiss, recebemos de outros países membrana e pele. Os queimados da Boate Kiss tinham queimaduras inalatórias. Eles aspiraram o ar naquela espuma queimada e lesionaram a via aérea. Dos 680 queimados, apenas cinco receberam pele e foram transplantados. O restante do tecido pele e membrana foi estocado e utilizado posteriormente”, detalha Chem.
Expectativas
Essa nova abordagem representa um passo significativo para otimizar os cuidados, direcionando o foco também para lesões que, embora exijam atenção especializada, não se enquadravam nos critérios de prioridade dos casos mais severos. “A expectativa é que possamos atender queimados não tão graves quanto os que atendemos com a pele. Com ela, atendemos apenas queimaduras de terceiro grau, com mais de 25% de superfície corporal lesada. Com a membrana, vamos usar queimaduras de terceiro grau menores e queimaduras de segundo grau, que são queimaduras mais superficiais”, explica.
Ademais, a membrana possivelmente será destinada a outras finalidades. “Além disso, será usada em muitas outras especialidades, como na ginecologia para tratar a endometriose. Será usada também em queimaduras oftalmológicas, lesões químicas oculares, úlceras varicosas, pacientes diabéticos, entre outras especialidades”, salienta o médico.
Quando será usada
De acordo com o médico, a membrana já está liberada pela Anvisa e sendo protocolada. “Deve sair no Diário Oficial entre este mês e o próximo. A partir de agora, estamos fazendo todo um trabalho com a equipe de obstetrícia e com os bancos de tecidos para que isso possa ocorrer”, enfatiza.
A expectativa de Chem é que o uso da membrana seja iniciado ainda neste ano. “Acredito que até setembro, isso já deve estar em funcionamento”, fala otimista.
Adaptações
O Banco de Tecidos do Hospital Santa Casa é o primeiro do Brasil e, de acordo com o Diretor, nesta segunda-feira, 23, completará 20 anos de funcionamento. “Ele é o primeiro banco do país. Existem mais três bancos: São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba. É um banco muito grande, com um grande laboratório de microbiologia onde fazemos todos os testes, e temos várias salas com freezers. Adaptações ao banco não serão necessárias, pois isso foi muito estudado. O que será realizado é o deslocamento de nossos profissionais até as maternidades, primeiramente as da Santa Casa para fazer a captação desse tecido e, posteriormente, se necessário, captações em outros hospitais também”, conclui o médico.