Os gêmeos nasceram durante o período pandêmico, mas só foram conhecer a identidade dos pais bem mais tarde, quando as máscaras caíram. Coisa nada fácil, diga-se de passagem. O menino, batizado de Lock Down, e a menina, de Maria Cloroquina, integram, portanto, a geração “baby boom” da pandemia, embora os céticos garantam que não passam de danos colaterais da Covi19. 

Mesmo tendo compartilhado o útero por nove meses, e a casa desde que nasceram, os garotos não se dão bem. Clô – ou Quina para os íntimos – é uma menina sempre de Bluetooth ligado, que não mede as senhas e manda todo mundo pro Span. Já Lockinho, um guri miúdo e inepto, fica na retaguarda dedilhando tecnologia feito zumbi. E para aumentar o conflito, os primos Ozo (Luís Ozônio) e Vidi (Clara Covidiane) formam uma dupla nada dinâmica, que faz parte do círculo familiar de inativos crônicos controlados por algoritmos.  E tem os vizinhos que, embora não sendo peixes, caem na rede com a maior facilidade. Com a Internet dos outros, é claro!  Evidência inequívoca de que o mundo pós-pandemia ficou mais centrado (na automação) e mais sentado do que nunca.     

Essa turminha começou há pouco a vida escolar. Os gêmeos entraram na Classe “F”. Seus coleguinhas – Feikenélson, Feikenílson, Feiquinílton, Feikenewton, Feikenélia, Feikenúria, Feiquiníria, Feiquinara… – assim como eles, são esquisitinhos. Graças à força do hábito que se consolidou em 2020 e 2021, certa distância na sala de aula é mantida e, no uniforme, consta um par de máscaras para uso eventual. Quanto à professora, segue o protocolo de não mostrar os dentes, embora uma pequena contração dos olhos sugira breves sorrisos.

O ensino vai bem, obrigada. Quase todos os “Feikes” da turma, que mal conseguiam tirar o bumbum da cadeira e os olhos da telinha, começam a mostrar algum progresso – até enxergam as cores do mundo real e ensaiam movimentos nunca antes sonhados. Já Cloroquina está aprendendo a pular corda, e Lock Down finalmente escalou a goiabeira da escola e ainda apanhou uma fruta. Difícil foi ele entender que o bichinho da goiaba não se tratava de um Pokémon dos jurássicos anos noventa, nem era a minhoca de armadura robótica chamada Jim de um game da mesma época.

Bom, ambos tiveram algumas quedas em pleno voo… Mas quem é que nunca levou um tombo na vida, não é verdade?