A variação do percentual tem como motivo uma combinação de fatores pelo lado da oferta e da demanda

Na última semana, o país foi impactado pela notícia de que a previsão do mercado financeiro para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país, subiu de 6,79% para 6,88% em 2021. A situação piora ainda mais quando se faz as contas dos últimos 12 meses: está acumulada em 8,99% e continua subindo.

A coordenadora do curso de Ciências Econômicas da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Jacqueline Corá, explica que a inflação é o crescimento contínuo e generalizado dos preços. Ela afirma também que, na prática, tem-se o aumento de grande parte do custo de produtos e serviços de forma contínua, causando um impacto na vida de todas as pessoas. “As famílias, a cada mês, diminuem sua capacidade de compra, uma vez que os salários não acompanham a inflação”, observa.

A economista ressalta que o fenômeno inflacionário é perverso e impacta mais as famílias de renda baixas, pois elas não encontram meios de se defender, o que aumenta a desigualdade social. “Veja que os itens que apresentam maiores aumentos de preços são justamente os essenciais e aqueles que comprometem a maior parte da renda das famílias: alimentos, energia elétrica, gás e transporte”, aponta.

Por que há variação na inflação?

Existem alguns motivos para que a inflação varie, com uma combinação de fatores pelo lado da oferta e demanda. “Primeiro, enfrentamos um choque de oferta. Isso quer dizer que estão faltando alguns produtos e a escassez gera aumento nos preços. Veja o caso da crise da energia elétrica – foi necessário usar as termelétricas que possuem custo maior e, portanto, gerou reajuste no preço da energia. Tem o caso dos fatores climáticos que afetam alguns tipos de produtos agrícolas e com isso sobe o preço dos alimentos. Outro fator a ser destacado é o custo elevado dos insumos e componentes importados devido ao dólar caro. Também há o petróleo, que afeta preços de inúmeros produtos, sem contar os básicos como gás de cozinha e gasolina”, destaca Jacqueline.

Além de tudo, é necessário considerar o efeito da pandemia. “As pessoas, ao ficarem em casa, mudaram seus hábitos e passaram a consumir mais bens de consumo e menos serviços. Só que a indústria não estava preparada para acompanhar o acréscimo na demanda de muitos produtos, o que gerou a escassez de insumos, matérias-primas e componentes diversos”, esclarece.

Outro efeito da Covid-19 diz respeito às políticas adotadas pelo governo, como o Auxílio Emergencial. “Colocou muito dinheiro no mercado e, a maior parte desse valor foi direcionado para o consumo, subsistência das famílias, aumentando a demanda. O benefício também adotou uma taxa de juros básica de 2% – mais baixa que a própria inflação da época e isso incentivou muito o consumo, pois deixar o dinheiro na poupança, por exemplo, não compensava. Ou seja, o governo adotou uma política fiscal e monetária expansionista e isso tem como risco o crescimento da inflação”, pondera a docente.

Apesar dos acúmulos, a meta de inflação de 2021 que deveria ser alcançada era de 3,75%. Para reduzir o percentual, o governo utiliza do composto de políticas monetária e fiscal. Jacqueline destaca que o Banco Central do Brasil (Bacen), por meio do Comitê de Política Monetária (COPOM), delibera sobre a taxa básica de juros. “Na semana passada, a Selic passou para 5,25%, e a expectativa é que no mês que vem passe para 6,25%, chegando ao final do ano entre 7,5% e 8%. Essa estratégia é utilizada para inibir o consumo e, por esse lado, evitar que os preços continuem subindo”, ressalta.

O governo pode atuar pelo lado fiscal, reduzindo os gastos públicos para diminuir a demanda do mercado. “Este ano, não vamos atingir a meta prevista, mas é preciso agir para não deixar que a inflação ganhe força com a incorporação do fator psicológico, ou de expectativa, ou seja, que se incorpore ao comportamento das famílias e empresas, criando um ciclo ainda mais difícil de ser alterado”, salienta.

A economista garante que a taxa de juros é um dos principais instrumentos da política monetária. “Se pensarmos que a inflação é uma doença, a taxa é utilizada como remédio. A grande questão é saber a dose certa. Por isso, o Banco Central altera gradativamente, observando o paciente (economia) para saber se está surtindo efeito ou não. Como estamos acompanhando, o Bacen vem aumentando a Selic e a inflação não está recuando, pelo contrário, ela persiste. Nesse caso, estão previstos novos aumentos”, analisa.

Com a taxa elevada, o estímulo à população é para poupar e não gastar. “O crédito fica bem mais caro. O consumidor se vê incentivado a guardar o dinheiro, poupar, fazer investimentos e não consumir, dando uma trégua na pressão da demanda sobre a oferta. Juros mais altos também estimulam os investidores externos a trazerem dólares para o país e isso contribui para reduzir a taxa de câmbio que, por sua vez, diminui o custo dos importados (matéria-primas, componentes, peças etc), ajudando a diminuir a inflação de custos”, exemplifica.

Os juros altos, entretanto, geram também efeitos negativos sobre o crescimento e emprego. “Isso ocorre justamente porque o custo do dinheiro mais caro faz as famílias consumirem menos. Custo do crédito, cheque especial, financiamentos, cartão crédito, tudo fica mais caro ao consumidor. Não dá para atrasar as contas, pois os juros ficam absurdos. É preciso, portanto, encontrar a ‘dose’ certa do remédio para evitar danos colaterais complicados como queda no PIB (Produto Interno Bruto) e aumento do desemprego”, pontua.

A Taxa Selic está subindo – o que muda?

Em 2020, a taxa básica de juros do Brasil chegou ao seu menor patamar: 2% ao ano. Em março, subiu para 2,75% e as previsões mostram que ela pode alcançar 8% até dezembro. Essa variação interfere de maneira significativa no cotidiano da população. “Fica muito ruim para quem precisa tomar dinheiro emprestado, pois o custo dele sobe demais. As empresas também reduzem os investimentos em novas máquinas e equipamentos”, afirma Jacqueline.
Não há apenas o viés negativo. “Por outro lado, quem tem dinheiro sobrando possui boas oportunidades no mercado financeiro para aplicar seus recursos e obter uma rentabilidade melhor do que estava no ano passado. Uma boa hora para realizar investimentos”, destaca.

No caso da inflação, quem se complica são os segmentos que possuem muita concorrência. “As empresas não conseguem repassar para o preço. O consumidor, quando percebe o aumento, troca para outro produto substituto. Agora, as que ofertam mercadorias e serviços diferenciados, essenciais e sem substitutos, conseguem repassar os aumentos de custos para os preços dos produtos. O consumidor acaba ficando sem opção de troca e precisará comprar mesmo com preço mais alto. Um exemplo são os alimentos”, sublinha.

Foto: Thamires Bispo