O alerta de agravamento da situação em Bento Gonçalves foi dado novamente pela infectologista do Hospital Tacchini, Nicole Golin, na tarde de terça-feira, 31 de março, durante a live realizada página da casa de saúde no Facebook. Segundo a médica, o aumento acelerado de atendimentos no pronto socorro nas últimas horas começa a preocupar os profissionais de saúde. Durante a participação, Nicole pediu que a comunidade volte ao isolamento e se una nas ações para que no futuro, a comunidade não tenha que “contar corpos”.
A preocupação do corpo clínico refletiu nas fortes falas da infectologista no final da tarde de ontem. Ela apresentou o crescimento no número de internações e a busca pelo pronto-socorro entre a segunda, 30 e a terça-feira, 31 de março. De acordo com os dados, a segunda-feira registrou o maior número de internações no hospital dos últimos 15 dias: foram 26 baixas e 75 atendimentos no pronto-socorro da casa de saúde, efeitos provocados, segundo ela, pelo retorno da grande movimentação de pessoas na cidade. “Os nossos números estão cada dia piores e isso é reflexo do aumento da circulação de pessoas pelas ruas da cidade. Isso só corrobora com aquilo que a gente vem falando. A nossa curva já começou e ela vem tomando velocidade e vai pior bastante nos próximos dias, principalmente se o retorno ao trabalho na segunda-feira for em grande escala”, alerta.
Conforme a médica, 14 pacientes seguem internados com suspeita do novo coronavírus. Desses, seis (cinco homens e uma mulher) estão na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), todos em ventilação mecânica, com comprometimento pulmonar e com idades entre 42 a 84 anos. Na enfermaria são oito pacientes internados (sete homens e uma mulher), com idades que variam de 25 a 88 anos. “Começa a cair por terra a ideia lúdica de que só idosos irão adoecer, agravar ou precisar de uma internação hospitalar. Todo mundo está sob risco e, infelizmente é isso que a maioria da população não está conseguindo entender”, critica.
“Abril será um mês dramático. É essa a expectativa”, afirma a médica
De acordo com a infectologista, a tendência para este mês é de que a curva, como é chamada pelos médicos, comece a crescer com o surgimento de casos mais graves e em grandes quantidades, o que poderá acarretar no sobrecarregamento do sistema público de saúde. Para que isso não ocorra ou, conforme a médica, se retarde por mais tempo, os setores da economia da cidade precisam seguir orientações para o retorno ao trabalho. “Sem regras e sem limites, o sistema de saúde não vai conseguir aguentar”, garante. “A gente continua discutindo sobre o que abre e o que não abre, quando deveríamos estar preocupados em combater o vírus, juntos”, desabafa.
Outro ponto abordado pela médica será a maneira como deverá ocorrer o retorno às atividades da cidade. Para ela e a equipe técnica do hospital, não é possível uma retomada de todos os setores ao mesmo tempo. É preciso, segundo a infectologista, um cronograma e com ele, novos hábitos que deverão ser adotados. “Se for definido que são as indústrias que voltarão primeiro, esses empreendimentos tem que ter regras para o seu retorno. Acabou o refeitório em grande quantidade, não poderá haver buffet, todo mundo se servindo junto. São várias coisas que precisarão ser alinhadas”.
“Não dá para pegar van com 10 ou 12 pessoas. Não é momento de voltar academia, salão de beleza, bar, boate. Vai ter gente que não vai gostar de escutar isso, mas, nada do que possam me dizer hoje, vai ser mais pesado do que escutar pessoas falando que eles terão que proibir as famílias de ficar perto dos seus entes queridos, quando eles morrem e que eles não podem ter velório, independente de crença religiosa, pelo risco que o vírus está trazendo para todo mundo. As nossas vidas nunca mais serão as mesmas após o dia 6 de abril”, afirma.
Vai ter gente que não vai gostar de escutar isso, mas, nada do que possam me dizer hoje, vai ser mais pesado do que escutar pessoas falando que eles terão que proibir as famílias de ficar perto dos seus entes queridos, quando eles morrem e que eles não podem ter velório
Cenário da capital Paulista pode se repetir em Bento Gonçalves
O tom da entrevista foi revelando a preocupação da médica, quanto aos efeitos devastadores que a epidemia pode causar na cidade, caso a situação saia do controle. A profissional apontou possíveis cenários que a cidade deverá enfrentar, caso as medidas de proteção não sejam efetivamente executadas.
Entre as situações está a proibição de velórios e participação em sepultamentos, uma situação nunca vista na região. “A gente nunca viveu isso. Vai contra todas as nossas culturas e crenças religiosas. Algo extremamente delicado, difícil. A perspectiva é que isso vai acabar chegando aqui e é extremamente lamentável. É algo que a gente não gostaria de chegar, mas ao que tudo indica, nós vamos”, diz.
A médica faz um desabafo e pede que a sociedade faça a sua parte permanecendo em isolamento social por mais tempo. “Se os exemplos de São Paulo não servirem de alerta, então, talvez, a gente tenha que passar pelo que está para acontecer”, enfatiza. “Você não ter o direito de estar ao lado de um familiar teu quando ele for morrer, isso é uma catástrofe social. Eu não acho que tenha algo mais pesado do que isso”, revela.
O discurso desta terça-feira, foi considerado forte e necessário pela infectologista, afinal, o aumento junto ao pronto atendimento do hospital Tacchini acende a luz amarela para o corpo clínico. Junto da grande procura, há outro fator preocupante: a gravidade dos casos. De acordo com a médica, o último paciente que foi internado em um leito da UTI precisou receber auxílio de ventilação mecânica na tarde de hoje. “A gente vê pacientes jovens entrando. Colocamos um no tratamento intensivo, apenas por um excesso de cuidado e hoje a tarde ele foi para uma intubação por ventilação mecânica”, revela. “A gente vai ter que ver gente morrendo, aqui, pra entender o que está acontecendo” questiona.
“A gente vai ter que ver gente morrendo, aqui, pra entender o que está acontecendo” questiona.
Material para novos testes ainda não chegou e hospital espera resultados de 23 exames
Se por um lado, os registros de casos suspeitos aumentam diariamente, por outro, a demora no recebimento de resultados, aliada a falta de materiais para a coleta de exames em grande escala, dificulta no traçado de um plano de ação na cidade. Conforme a médica, há 23 exames que foram encaminhados ao Laboratório Central de Saúde Pública do Rio Grande do Sul (Lacen) e que ainda aguardam resultados. Fora isso, o Ministério da Saúde ainda não disponibilizou material para uma testagem ampla, o que prejudica a efetiva decisão de liberar ou não o cumprimento do isolamento social. “A gente ainda não tem teste para disponibilizar e sem testagem ampla, o não isolamento social adequado e respeitado, vai nos levar pro nível de São Paulo de uma forma muito mais rápida do que a gente está esperando”, garante.
Nicole também critica a decisão de realizar, neste momento, o bloqueio vertical, que visa separar apenas os grupos considerados de risco pela pandemia. “É uma ideia temerária e tem tudo para dar errado. Quem está defendendo isso, está tentando proteger uma maioria, mas todos os demais estão sob risco. Isolar só os idosos é uma proteção para eles. Mas só essa não terá sucesso”, aponta.
Cloroquina passa a ser usada no tratamento
Indagada sobre a utilização da cloroquina e azitromicina, medicamentos que apresentaram efeitos positivos em casos de covid-19, infectologista confirma a utilização e pontua qye a dosagem e decisão em utilizar a medicação varia, de acordo com a complexidade dos casos. “Tudo é muito individual, cada caso é analisado por uma equipe de especialistas, e nós definimos pelo uso ou não, de acordo com o risco-benefício”, explica.
“Se não houver conscientização, vamos ter que nos preocupar onde iremos armazenar os corpos”
No final da transmissão, a médica alertou a comunidade sobre as mortes que poderão surgir, provocadas pelo coronavírus. Ela diz que o aumento de casos graves segue ganhando velocidade e que se continuar nesse ritmo, o número de óbitos poderá ser maior do que a capacidade que as empresas funerárias possuem de momento na cidade para guardar os corpos. “Vamos ter que começar a nos preocupar onde iremos armazenar esses corpos e pensar se as funerárias terão condições de absorver isso. Está ficando bem pesado e é só o início. Ou nos ajudamos agora na parte emocional, de saúde e econômica, ou vai nos sobrar apenas contar corpos”, finaliza.
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