Em Bento Gonçalves, a EMEFE Caminhos do Aprender, auxilia no aprendizado de alunos com surdez, promovendo encontros e atividades que prezam por uma integração que enriqueça a vida dos estudantes

Neste domingo, 23 de abril, é comemorado o “Dia Nacional de Educação de Surdos”, uma data muito especial criada para celebrar as lutas e conquistas da escolarização de estudantes surdos e a integração no ensino regular. Na segunda-feira, 24, o Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais também é lembrado pela comunidade.
No Brasil, os surdos começaram a ter acesso à educação durante o Império, no governo de Dom Pedro II, com o advento da primeira escola de educação de meninos surdos, em 26 de setembro de 1857, na antiga capital do país, o Rio de Janeiro. Com a fundação do Imperial Instituto de Surdos-Mudos (posteriormente renomeado Instituto Nacional de Educação dos Surdos – INES), se iniciou o processo de educação formal deles no Brasil, que passaram a ter uma escola especializada para sua educação.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2021, 5% da população brasileira é composta por pessoas que são surdas, ou seja, esta porcentagem corresponde a mais de 10 milhões de cidadãos, dos quais 2,7 milhões possuem surdez profunda, portanto, não escutam absolutamente nada.

Um espaço de aprendizado

Em Bento Gonçalves, a EMEFE Caminhos do Aprender é destaque na educação de qualidade para crianças surdas. Atualmente, a escola atende cinco alunos com essa condição, no turno da manhã, sendo que três estudam no 4° ano e dois estão no 7° ano do Ensino Fundamental, além de 15 estudantes autistas. “Na escola há cinco professores, sendo que uma das educadoras também é surda, e um intérprete, que atendem especificamente os alunos surdos por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), possibilitando a comunicação através de gestos, expressões faciais e corporais”, conta a diretora Fabiane Gasparetto.
No final da década de 1970, baseada em conceitos sociológicos, filosóficos e políticos surgiu a “Proposta Bilíngue de Educação do Surdo“. Por conta disso, a EMEFE Caminhos do Aprender constitui-se num importante espaço para a comunidade surda de Bento Gonçalves, pois adota, em seu regimento escolar e, principalmente, em sua proposta pedagógica, uma segunda língua como meio de desenvolvimento de competências. “Além do uso da língua materna, o aprendizado é complementado com outra. Acreditamos que o bilinguismo favorece o desenvolvimento cognitivo e a ampliação do vocabulário da criança surda, pois a aquisição da Libras vai permitir que acesse os conceitos da sua comunidade, e passe a utilizá-los como seus, formando uma maneira de pensar, de agir e de ver o mundo. Assim sendo, em 2022, a equipe do NID/SMED de Bento Gonçalves, em parceria com o IFRS- BG, ofertou um curso para todos os profissionais e alunos da escola, para que saibam se comunicar com os alunos através desta linguagem”, destaca a diretora.
A EMEFE Caminhos do Aprender caracteriza-se como uma escola bilíngue e é fundamental para a educação dos surdos, pois é nesse espaço que eles se sentem totalmente incluídos. “Além do conhecimento formal, acreditamos que os alunos também precisam interagir com a comunidade em geral, como aconteceu durante a Trezena de Santo Antônio e na abertura do V Festival de Balonismo de Bento Gonçalves. Também ao conhecer surdos de outras regiões como aconteceu em 2022, quando os alunos participaram da Surdolímpiadas, em Caxias do Sul, quando eles entraram em campo com a bandeira da França, durante a abertura do jogo de voleibol masculino entre França e Itália e na participação da V Mostra Cultural Surda, em Canoas/RS”, lista.
Ademais, em 2022, por conta de uma parceria com o Instituto Brasil Solidário, professores e alunos da escola participaram da tradução online das cartas do jogo Piquenique, atividade que contêm aprendizado lúdico e significativo sobre Educação Financeira. “Está disponível para todos os surdos do Brasil, no site Vamos Jogar e Aprender”, indica.
Na próxima terça-feira, 25 de abril, os alunos com surdez da EMEFE Caminhos do Aprender apresentarão o Hino Nacional Brasileiro em Libras, durante o encontro que o Instituto Brasil Solidário (IBS) realizará sobre Educação Financeira. Na ocasião, haverá a proposta de diversas atividades ligadas às habilidades previstas na BNCC e possibilidades para as escolas das redes municipais e estaduais do Sul do Brasil. O evento tem a parceria da SMED-BG e participação da revista Nova Escola”, convida.
Ainda para este ano, no mês de setembro, que é conhecido como Setembro Azul, um período muito importante no calendário, que celebra os grandes feitos da comunidade surda até os dias de hoje, haverá atividades especiais no educandário. “Programamos momentos de intercâmbio com pessoas de outras regiões para que essa integração enriqueça as experiências de vida dos nossos alunos”, anuncia.

Uma escola bilíngue

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é considerada uma língua oficial do Brasil, desde 24 de abril de 2002, (através da Lei nº 10.436), mesma data em que se comemora o Dia Nacional da Língua Brasileira de Sinais. Ela é muito utilizada na comunicação com pessoas surdas, sendo, portanto, uma importante ferramenta de inclusão social.
Conforme a diretora, a língua é considerada de suma importância para a comunidade surda e, em geral, toda a população, pois acaba por ter a função de eliminar as barreiras do silêncio que limitam a comunicação, de maneira que ocorra a inclusão social. “Ao contrário do que muitos pensam, a Libras não é somente mímica, pois é composta por um alfabeto, além de uma estrutura linguística e gramatical própria, possibilitando articulações complexas como qualquer outra língua. É importante ressaltar que ela não é universal, pois cada país possui sua própria Língua de Sinais, bem como dialetos e regionalismos, que são as diferenças de linguagem que mudam de acordo com a cultura de cada região”, informa.
Dessa forma, para a equipe de profissionais da EMEFE Caminhos do Aprender há o entendimento que na educação de crianças surdas é essencial ter um ensino bilíngue, primeiro a Libras e, em segundo, a Língua Portuguesa. “A defesa do bilinguismo passa pela compreensão da capacidade representativa de Libras para as pessoas com perda auditiva, uma vez que significa uma forma de comunicação que funciona como pré-requisito para outras aprendizagens”, finaliza.

Visão da professora

A professora dos anos iniciais da EMEFE Caminhos do Aprender, Andreia Abreu Leal, conta que o interesse em dar aulas para alunos surdos começou há alguns anos, quando cursou a disciplina de Libras na faculdade de Pedagogia com um professor com surdez. “A experiência foi fantástica, pois desejava me comunicar com ele e para isso, fui em busca de especialização nesta língua. A docência é fascinante, e a bilíngue também exige capacitação contínua. O contato com as pessoas surdas é imprescindível para a fluência”, salienta.
Segundo Andreia, o papel do educador para inclusão de alunos surdos é fundamental. “Numa escola bilíngue como a nossa, todos os processos são inclusivos e todos os professores são importantíssimos. Assim como a direção e funcionários, bem como toda a comunidade escolar, que fortalecem e auxiliam na identidade dos estudantes”, frisa.
Além disso, alguns desafios são observados durante as aulas. “Temos algumas dificuldades que são comuns nas crianças surdas, como a comunicação entre a família (precisam aprender Libras para se comunicar com seus filhos), para que o ensino ofertado na escola continue em casa também, favorecendo a autonomia destas crianças e adolescente. A alfabetização
é realizada primeiro
na língua materna, desde a mais tenra idade e aqui também ofertamos a alfabetização na segunda língua, a Portuguesa, que é iniciada já no primeiro ano do Ensino Fundamental, mesmo quando o aluno surdo tem outras comorbidades, devido aos aspectos cognitivos que influenciam nas aprendizagens”, pontua Andreia.

Cada dia é uma luta

A auxiliar de serviço social e servidora pública aposentada, Eliege Fronchetti Damassini, é mãe do adolescente de 17 anos, André Damassini. Ela conta que o diagnóstico de surdez do filho foi descoberto, aos poucos, no primeiro ano de vida. “Meu filho é gêmeo, foi o segundo a nascer. Teve falta de oxigênio na hora do parto, então para ele tudo foi mais demorado. Ficou internado na UTI 33 dias, teve infecção hospitalar e a medicação deixou ele surdo”, conta.
Então, começou a busca por ajuda e, com o tempo, os pais ficaram sabendo que ele não ouviria nem com o aparelho. “Desde os três anos é atendido no Hospital das Clínicas em Porto Alegre. Lá tivemos a ajuda de uma fonoaudióloga e ele começou a frequentar a Associação dos Surdos de Bento Gonçalves (ASBG), onde toda a nossa família aprendeu Libras”, recorda.
De acordo com a mãe, André sempre foi uma criança que frequentava a creche, porém, com dificuldades. “Da primeira série até a terceira ele estudou em escola normal, sempre com monitora. Mas não sabiam Libras, então ficava difícil a comunicação”, diz. Além disso, ela ressalta que a interação é sempre mais complicada para quem tem surdez. “As outras pessoas não sabem se comunicar com ele e a sociedade não está preparada para isso”, completa.
A educação do rapaz também foi prejudicada pela falta de inclusão, mas atualmente ele está um local que prioriza seu desenvolvimento escolar. “Hoje, o aprendizado dele está bom porque na escola tem professores que sabem Libras. Mas ele já frequentou uma que ninguém sabia a língua de sinais, então, ia mais para passear do que para aprender”, conta.
Eliege sempre foi uma mãe que lutou para que Bento Gonçalves tivesse uma escola voltada para surdos. “Para as crianças aprenderem Libras e serem educadas por professores que saibam se comunicar com eles. Desde o começo, cobrava isso do serviço público. No momento, a acessibilidade pública ainda não é a ideal, mas está melhor do que foi um dia”, destaca.
Quanto à inclusão, a mãe lamenta que em escolas não especializadas, alunos surdos não tenham a estrutura ideal. “Imagina meu filho 17 anos, que não é alfabetizado, em uma sala com adolescentes da mesma idade que sabem ler e escrever. Mesmo que tenha uma pessoa do lado que interpreta o que a professora vai falar, isso não é estar incluso naquele ambiente. Porque ele está em outro nível de aprendizado, primeiro tem que aprender Libras, depois o português e com o tempo, as outras matérias”, ressalta.
Para ela, a comunidade surda precisa de mais apoio da prefeitura, algo já feito pela Associação dos Surdos de Bento Gonçalves. “O André não estaria no nível de aprendizado atual sem a ASBG e a Escola Caminhos do Aprender, porque é nestes locais onde ele se comunica em Libras, aprende as palavras e a conviver na sociedade. É com um passo de cada vez que conquistamos algo, mas com o auxilio do poder público tudo poderia ser mais acessível, principalmente na educação”, conclui.

Em busca de mais oportunidades

O jovem Pedro Henrique Mazurkevicz, de 14 anos, foi diagnosticado aos dois anos e meio, momento em que a mãe Fabiane Rosa Garcia, percebeu que ele estava demorando para falar. “Meu filho tem surdez profunda e severa. Durante sua gestação, peguei um vírus chamado citomegalovírus, que atingiu a audição dele. No momento em que soube, levei um choque e meu mundo parecia que ia desabar. Mas como toda mãe, fui à luta e comecei a levá-lo na Associação dos Surdos de Bento Gonçalves, onde tinha aulas de Libras, fonoaudióloga e psicóloga”, lembra.
Em 2014, Pedro começou a frequentar a EEEF General Bento Gonçalves da Silva, mas de acordo com Fabiane, não tinha professor de Libras e nem sala especial para alunos surdos. “Então, ele estudou incluso, junto com ouvintes. Porém, duas vezes por semana tinha uma intérprete na sala de aula. Não ter profissionais formados em Libras dificulta o aprendizado, se tornando mais tardio. Às vezes um sinal feito de forma errada, já é motivo para uma explicação fora de contexto”, lamenta.
Dois anos depois, o menino iniciou o ensino na escola Caminhos do Aprender, evoluindo seus estudos. “Lá ele tem um intérprete. O Pedro é um menino que se socializa com todo mundo, gosta dos amigos, dos professores, apesar de ter poucos profissionais nessa área. Pedro aprende fácil os conteúdos, adora saber coisas novas e diferentes”, diz.
Para Fabiane, os surdos deveriam ser vistos e ouvidos como qualquer ser humano. Ela ressalta que as coisas estão evoluindo, porém, as dificuldades para eles aumentam cada vez mais. “A sociedade precisa deixar de visualiza-los como especiais, pois eles têm as mesmas condições que qualquer cidadão e a surdez não interfere em nada na capacidade deles. Eles deveriam ter mais oportunidades de empregos e cursos, com intérpretes, para que possam se especializar nas áreas que mais gostam”, sugere.

Fotos: Cláudia Debona e Arquivo Pessoal