Em um mundo onde o desperdício de alimentos é uma preocupação crescente para o meio ambiente e para o bolso, saber armazenar seus alimentos adequadamente tornou-se mais do que uma simples tarefa doméstica: é uma habilidade essencial. Desde a crocância da alface fresca até a suculência da carne recém-comprada, a forma como guardamos o que comemos impacta diretamente no frescor, sabor e, crucialmente, na nossa saúde. Você sabia que um pequeno erro na prateleira da despensa ou no canto da geladeira pode acelerar o apodrecimento, proliferar bactérias indesejadas e, no fim das contas, fazer com que você jogue comida fora?

Higienização adequada
Michele Marchese Reginatto, nutricionista pós-graduada em Nutrição Estética Funcional e Fitoterapia, explica que alguns alimentos exigem lavagem antes do consumo. Os principais são:

  • Frutas, verduras e legumes crus: especialmente aqueles que serão consumidos com casca (como maçã, uva, tomate cereja, morango, pepino, folhas em geral, etc);
  • Verduras folhosas (alface, rúcula, couve, espinafre): exigem separação folha a folha, lavagem em água corrente e posterior imersão em solução sanitizante;
  • Tubérculos com casca (como batata, cenoura, inhame, beterraba): mesmo quando forem cozidos, devem ser lavados previamente para evitar a contaminação cruzada ao serem manipulados.
    Essa prática é respaldada pelo Guia Alimentar para a População Brasileira do Ministério da Saúde (2014), que recomenda a higienização correta para reduzir o risco de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs). “Além disso, na Nutrição Funcional, reforçamos a importância dessa etapa para preservar o equilíbrio intestinal e imunológico, reduzindo a exposição a microrganismos patógenos, toxinas e resíduos químicos que podem desregular o sistema imune, aumentar processos inflamatórios e interferir na absorção de nutrientes”, explica Michele.
    A nutricionista alerta que muitas pessoas acreditam que lavar frutas com cascas grossas, como melancia e abacaxi, é desnecessário. “Esse é um mito muito comum e perigoso. Mesmo frutas com casca grossa precisam ser lavadas antes de serem cortadas. Essa etapa é essencial para prevenir contaminações. Ao cortar a fruta com uma faca, você pode arrastar para o interior dela microrganismos presentes na superfície da casca. Isso inclui bactérias, fungos, parasitas e resíduos químicos”, enfatiza.

Michele Marchese Reginatto, nutricionista pós-graduada em Nutrição Estética Funcional e Fitoterapia

Diferença na higienização entre alimentos crus e cozidos
No universo da culinária, a higiene é a base para refeições seguras e deliciosas. No entanto, muitas vezes, não percebemos que a forma como lidamos com os alimentos varia drasticamente dependendo do seu estado: cru ou cozido.
Michele explica que os alimentos têm diferentes formas de higienização:
Alimentos crus: (como frutas, verduras, legumes e hortaliças que serão consumidos sem cozimento) devem obrigatoriamente passar por duas etapas: lavagem em água corrente e sanitização com solução apropriada. Essa etapa é indispensável para a eliminação de microrganismos patógenos (como Salmonella e E. coli) e resíduos. Na nutrição funcional, esse cuidado é ainda mais valorizado, pois busca-se um ambiente intestinal saudável, sem gatilhos inflamatórios ou imunológicos;
Alimentos cozidos: não necessitam de sanitização química, mas devem ser lavados em água corrente antes do preparo, especialmente os que têm contato com terra (como cenoura, batata, abóbora, mandioca). Isso porque o processo de cocção, quando feito corretamente (temperatura mínima de 74 °C no centro do alimento), já garante a eliminação dos microrganismos.
A higienização adequada é um cuidado simples, porém eficaz na prevenção de infecções intestinais e desequilíbrios funcionais do organismo. “A diferença está no uso da solução sanitizante: é obrigatória para os crus e dispensável nos que serão cozidos, desde que a lavagem inicial seja feita com atenção”, descreve Michele.
O hábito de lavar carnes antes do consumo é comum entre os brasileiros. No entanto, estudos científicos e diretrizes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde e de agências internacionais como o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA apontam que a lavagem de carnes cruas não elimina bactérias como Salmonella ou Campylobacter. Pelo contrário, essas bactérias podem se espalhar com facilidade através dos respingos da água contaminada. “Não se lava carne, frango ou peixe cru. A segurança vem do cozimento correto e da manipulação cuidadosa, e não da lavagem com água, que só espalha o risco”, reforça Michele.

Como lavar hortaliças adequadamente
A lavagem adequada de folhas é um passo crucial na cozinha, e a nutricionista Michele reforça a importância desse cuidado. “No caso das hortaliças folhosas, como alface, couve, rúcula e espinafre, a higienização é essencial tanto pela alta carga de agrotóxicos quanto pelo risco microbiológico”, explica. Isso significa que não é apenas sobre tirar a terra; é sobre proteger sua saúde de resíduos químicos e bactérias que podem estar presentes nesses alimentos frescos e nutritivos.
As etapas recomendadas são:

  • Etapa 1: remoção de folhas danificadas.
  • Etapa 2: lavagem folha a folha em água corrente.
  • Etapa 3: sanitização química:
    Prepare uma solução com hipoclorito de sódio (2% a 2,5%) ou produto sanitizante próprio para alimentos. A proporção indicada pelo Ministério da Saúde é: uma colher de sopa (10 mL) de hipoclorito para um litro de água potável.
  • Deixe as folhas imersas por 15 minutos.
  • Etapa 4: Enxágue com água potável.
  • Etapa 5: Secagem:
    Deixe escorrer ou seque com papel toalha ou centrífuga de folhas. Isso evita a proliferação de fungos se forem armazenadas, aconselha Michele.
    Ao usar água sanitária para higienizar alimentos, é fundamental checar o rótulo. Apenas produtos que indicam claramente em sua embalagem que podem ser usados para esse fim são seguros. Isso garante que a concentração de cloro é adequada e que o produto não contém outras substâncias nocivas.
    Para uma higienização segura e eficaz com água sanitária, a nutricionista destaca pontos cruciais. Primeiramente, o produto deve conter apenas hipoclorito de sódio (2% a 2,5%) como princípio ativo e, obrigatoriamente, a embalagem precisa informar que pode ser utilizada para higienização de alimentos. A diluição correta é de uma colher de sopa (10 mL) para cada litro de água potável; em ambientes comerciais, a concentração recomendada é de 200 ppm de cloro ativo. Após preparar a solução, os alimentos devem ficar em imersão total por 15 minutos. Por fim, é fundamental enxaguar bem em água potável corrente para remover completamente o excesso de cloro e garantir a segurança do consumo.
    Erros comuns na lavagem de frutas e hortaliças, segundo Michele:
  • Usar apenas água corrente e achar que já está limpo;
  • Não separar folhas e lavar “em bloco”;
  • Não respeitar o tempo de imersão no sanitizante;
  • Usar água sanitária com perfume ou sabão;
  • Não enxaguar bem após a sanitização;
  • Lavar carnes ou ovos na pia junto com vegetais;
  • Usar vinagre como método único de sanitização;
    Além da lavagem, outro ponto importante para o armazenamento é a secagem dos alimentos. “Após a higienização, se o alimento é guardado úmido ou mal acondicionado, ele se torna um ambiente ideal para a proliferação de fungos e bactérias especialmente em folhas e frutas com casca fina”, explica a especialista.

Os riscos de não higienizar alimentos corretamente
A lavagem inadequada ou a não lavagem dos alimentos pode acarretar riscos à saúde. “Não lavar corretamente alimentos crus, como frutas, verduras e hortaliças, pode trazer riscos importantes à saúde, como contaminações por bactérias (Salmonella, E. coli, Listeria), parasitas (Giardia, Toxoplasma), além da ingestão de resíduos de agrotóxicos e metais pesados. Esses contaminantes podem causar desde sintomas gastrointestinais agudos (diarreia, cólicas, febre) até quadros mais silenciosos, como disbiose, inflamações crônicas e sobrecarga hepática, especialmente em pessoas com imunidade baixa ou desequilíbrios intestinais”, declara Michele.

Higienização reduz o desperdício
Além dos riscos citados, a higienização dos alimentos é outro fator importante, pois prolonga a durabilidade deles. “Uma higienização adequada não só protege a saúde, mas também prolonga a durabilidade dos alimentos e reduz significativamente o desperdício, principalmente de folhas, frutas e legumes mais sensíveis. Quando os alimentos são lavados, sanitizados corretamente, bem secos e armazenados de forma adequada, eles estragam muito menos, o que evita perdas por mofo, escurecimento ou textura murcha”, aconselha Michele.
De acordo com a Anvisa e o Ministério da Saúde, o prazo máximo recomendado para um alimento pronto permanecer fora da refrigeração é de apenas 2 horas. Esse limite é crucial porque, após esse período, a temperatura ambiente (que geralmente varia entre 15 °C e 35 °C) cria um ambiente ideal para a rápida multiplicação de bactérias patogênicas. É importante ressaltar que, mesmo que o alimento não apresente sinais visíveis de deterioração, o risco de contaminação já é elevado.

Recipientes adequados para armazenamento
A nutricionista explica que a melhor forma de armazenamento são os recipientes que não liberam substâncias tóxicas, preservam a qualidade nutricional e mantêm a segurança do alimento. “Os mais recomendados são os de vidro com tampa hermética, pois são atóxicos, resistentes, não transferem cheiro ou sabor, e podem ir da geladeira ao forno ou micro-ondas com segurança”, afirma Michele. Além deles, há recomendações de recipientes de plástico BPA free, desde que próprios para alimentos e respeitando as instruções de uso (sem aquecer caso não sejam resistentes ao calor). “Evite potes antigos, com riscos ou que soltam tinta, assim como recipientes de alumínio em contato direto com alimentos ácidos, pois podem liberar metais pesados”, aconselha.
O armazenamento entre alimentos líquidos e sólidos também tem variações, explica a especialista:
• Líquidos: como sopas, caldos e molhos, precisam de recipientes bem vedados e resistentes à pressão. Isso porque eles expandem quando aquecidos ou congelados. É crucial armazená-los apenas quando já estiverem em temperatura ambiente (depois de esfriarem naturalmente). Ignorar isso pode causar condensação interna, um ambiente perfeito para a proliferação de microrganismos. Ao congelar, lembre-se de deixar um espaço no pote para a expansão do líquido;

  • Sólidos: como carnes e massas, se beneficiam de serem porcionados em recipientes achatados ou fracionados. Essa prática facilita tanto o resfriamento quanto o reaquecimento, garantindo que a temperatura seja uniforme. Eles devem ser armazenados sempre secos, bem fechados e, se possível, em potes de vidro ou BPA free.
    Para ambos os tipos de alimentos, a regra é clara: identifique com a data de preparo e siga o prazo de três dias na geladeira ou até três meses no freezer. Essa é a melhor forma de preservar a qualidade e reduzir o risco de contaminação.
    A prática de congelar marmitas virou uma verdadeira febre, principalmente para quem busca otimizar o tempo e economizar sem abrir mão de uma alimentação saudável. Essa técnica, que consiste em preparar refeições em maior quantidade e porcioná-las para congelamento, oferece uma solução inteligente para a correria do dia a dia, garantindo refeições caseiras, nutritivas e prontas para o consumo em poucos minutos. Mas atenção: um armazenamento inadequado pode trazer perigos à saúde. “Se o processo for feito de forma incorreta, como congelar alimentos ainda quentes, recongelar após descongelamento ou usar recipientes inadequados, podem surgir riscos à saúde, como proliferação de bactérias (Clostridium perfringens), perda de nutrientes e contaminação cruzada”, alerta a nutricionista Michele. Por isso, ela orienta: “Esfrie naturalmente antes de congelar, use potes próprios (vidro ou BPA free), etiquete com a data e descongele apenas uma vez, de preferência na geladeira. O congelamento é uma técnica funcional quando há cuidado com o processo, e não só com o alimento em si”, explica.
    Os erros mais comuns ao guardar sobras segundo a nutricionista, podem parecer simples, mas comprometem a segurança alimentar e aumentam o risco de inflamações e contaminações. Um dos deslizes mais frequentes é armazenar alimentos ainda quentes na geladeira. Essa atitude eleva a temperatura interna do refrigerador, favorecendo o crescimento de bactérias tanto na sobra quanto nos demais alimentos já guardados.
    Outros erros incluem:
  • Usar potes de plástico inadequados: recipientes que não são próprios para alimentos podem liberar toxinas, como o BPA;
  • Deixar o alimento descoberto ou mal vedado: isso aumenta o risco de contaminação cruzada e faz com que o alimento perca umidade e frescor;
  • Demorar mais de 2 horas para refrigerar: esse tempo prolongado favorece a rápida multiplicação de microrganismos prejudiciais à saúde;
  • Não etiquetar ou controlar o tempo de armazenamento: a falta de identificação de data e validade pode levar ao consumo de preparações vencidas, sem que você perceba.
    “Sobras só são úteis quando são seguras”, conclui Michele. A forma como armazenamos o que sobrou define se estamos preservando nutrientes ou cultivando riscos à saúde intestinal.

Dicas da Nutri

Não espere sinais visíveis para cuidar da segurança do alimento. Muitas vezes o que causa desconforto intestinal, baixa imunidade ou inflamações recorrentes vem de pequenas falhas na rotina. Por isso, sempre oriento meus pacientes a seguirem esses cuidados básicos:

Refrigere o alimento até duas horas após o preparo — nada de deixar esfriar na panela por muito tempo;

Armazene sempre em potes limpos, com tampa e próprios para alimentos — de preferência vidro ou plástico BPA free;

Evite recongelar o que já foi descongelado;

Use etiquetas com datas para lembrar quando foi preparado;

Aqueça bem antes de consumir novamente, principalmente arroz, carnes e molhos;

E claro: observe cheiro, textura e o tempo guardado — se passou de três dias na geladeira, é mais seguro descartar;

Esses cuidados simples fazem uma enorme diferença na prevenção de contaminações invisíveis e inflamações silenciosas, que muitas vezes são confundidas com intolerâncias ou má digestão. Segurança alimentar é saúde funcional na base.