Com a esperança de que é possível sonhar de novo e olhos marejados quando falam dos que ficaram para trás, venezuelanos reconstroem suas vidas na Capital do Vinho. Até chegar a Pacaraima, cidade de Roraima que faz fronteira com a Venezuela, são histórias de famílias lutando para sobreviver em um país onde a economia está cada vez pior e coisas básicas, como alimentação e medicamentos, são escassas e se tornam quase um artigo de luxo.

A pequena Brianna Lucena, 3 anos, já entende quase tudo que se fala em português e até corrige os pais. O pai, Guillermo Antonio Lucena, 28 anos, completou seu primeiro aniversário em terras brasileiras. A família chegou em Bento em fevereiro. Junto com eles veio também a esposa, Benny Martinez, 28 anos, e a filha mais nova, Paula Lucena, de apenas 1 ano.

Antonio, como gosta de ser chamado, conta que chegou na rodoviária de Caracas às 5h de domingo para comprar as passagens. Ele esperou até as 16h, quando descobriu que não havia mais lugar. Então ele pagou diretamente para o motorista para poder embarcar.

Ele viajou no corredor do ônibus, em um trajeto que pode chegar a um dia. “Foi horrível. Minha filha maior estava doente nesse dia. Quando chegamos na fronteira já era noite e estava fechada”, lembra. Chegando a Pacaraima, foi encaminhado para Boa Vista, onde ficou em um abrigo.

Através de um programa da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, os mórmons, denominação que ele já fazia parte na Venezuela, a família foi acolhida em Bento Gonçalves. Depois de três aviões e um ônibus, eles chegaram aqui às 7h de um sábado. “No domingo, fui para a igreja e conheci um haitiano que trabalhava em uma construtora. Ele disse que poderia conseguir algo temporário para mim. Então consegui um emprego por três meses”, relata. Depois, ele conseguiu uma vaga de dois meses em posto de combustível.

Atualmente ele está participando da seleção em um frigorífico, onde a esposa trabalha. “Sabíamos que aqui estavam dando auxilio, mas não tínhamos ideia se teríamos emprego logo ou como seria”, diz.
Eles já fazem planos de voltar a estudar, ele cursava contabilidade e a esposa direito, e poder comprar a casa própria. As filhas estão gostando de morar aqui e já se adaptaram bem. Depois deles vieram familiares da esposa e também um irmão de Antonio.

O que ainda o deixa apreensivo é que os pais não pretendem deixa a Venezuela, já que os avós dele estão idosos. “Aqui tudo é muito bom. Quando conto para os amigos que estão lá, dizem que é preciso ver para crer. Eu estou vivendo”, finaliza.

Acolhidos pela igreja

Diversas igrejas estão acolhendo refugiados que eram parte da denominação religiosa. Os mórmons têm uma equipe em Boa Vista que atende quem chega lá buscando ajuda. Segundo o bispo Isidoro Cunha, que atua em Bento, quando eles se identificam como membros da igreja, a Polícia Federal já os encaminha para os missionários que lá estão. Então eles verificam onde há casa disponível para enviar os refugiados.

Em Bento já são 13 famílias e mais uma está chegando hoje. Até conseguirem se autossustentar, a igreja ajuda com tudo o que for necessário. O valor vem do Fundo do Jejum.
No primeiro final de semana do mês, todos os integrantes da igreja jejuam durante um dia. O valor que gastariam em refeições vai para um fundo, que é usado para ajudar outros membros da igreja que necessitam. “Eles chegam aqui já com CPF e Carteira de Trabalho. A gente orienta, faz currículos. A maioria já está trabalhando”, ressalta Cunha.

“Havia dias que comia e dias que passava fome”

 

 

 

 

 

De acordo com os relatos, o salário mensal na Venezuela é suficiente somente para uma pessoa se alimentar durante um dia. Moises Rafael Arcila Cedeno, 33 anos, veio para cá com a esposa, Yessenia de Arcila, 35 anos, e os filhos Rut, 8, Madelin, 6, e Moises Benjamin, 4.

O menor é o mais altivo. Cada clique da câmera fotográfica, é risada e diversão. O sorriso das irmãs reflete a alegria de quem encontrou espaço para viver a infância sem se preocupar se vão ter como se alimentar.

Moises é quem fica em casa com as crianças enquanto a esposa trabalha em um hotel. Há dois meses e meio na cidade, ele procura por emprego e já tem entrevistas marcadas. “O que queremos é ter estabilidade para nossa família, que nossos filhos possam ter uma boa educação”, afirma, dizendo que não pensa em retornar para a Venezuela.

O que mais o emociona é a situação pela qual passam as crianças no país. “Venezuela é um lugar que tem muitas crianças passando fome e morrendo por não ter remédios nem mesmo para febre e dor. A educação também não é acessível como era em anos anteriores. Os pequenos não têm como sobreviver. Tem dias que tu comes e dias que passa fome”, relata. Aqui, a adaptação não foi um problema. “Gostamos daqui. Graças ao programa da igreja, ao bispo que nos recebeu com muito amor e carinho. Isso nos fortaleceu muito aqui no Brasil”, ressalta Moises.

Sorriso de esperança

Com panelas no fogo e crianças brincando, assim Wilson Martinez, 35 anos, nos recebe. Ao ver o bispo, o sorriso se alarga e as meninas correm buscar cartinhas para entregar a ele. O pai ainda tem dificuldades com o português. Junto com a esposa, Maria Montenegro, 33 anos, e a pequena Rebecca, 2 anos, eles foram os últimos venezuelanos a chegarem na cidade, há cerca de um mês.

As meninas já estão na escola. Victoria é a que tem mais facilidade com a língua. Se a irmã não entende uma pergunta, ela explica. Alegres, as risadas das filhas contagiam, a casa.

Ele veio com a família após recomendação de sua irmã, que já estava morando na cidade. Dos sete irmãos, apenas dois ficaram no país de origem, mas também querem vir para cá em busca de um futuro melhor. “Conversava com quem morava aqui e via que estavam bem. Quando é uma irmã tua que está dizendo, aí tu vais com mais segurança”, afirma. As meninas, quando questionada sobre o que mais gostam, a resposta está na ponta da língua: “a capela”, como chamam a igreja.

Fotos: Elisa Kemmer