No início desta semana, comemorou-se o Dia Nacional do Imigrante Italiano. A história faz parte dos bento-gonçalvenses, que carregam no cotidiano traços da cultura vinda da Itália

Para homenagear os primeiros italianos que desembarcaram no Brasil nos anos 1870, na última segunda-feira, 21, comemorou-se o Dia Nacional do Imigrante Italiano. A data foi criada pela Lei Federal 11.687 no ano de 2008.

A escritora bento-gonçalvense, Eliana Sebben, está escrevendo um livro sobre imigração italiana que já está com 400 páginas, onde conta toda a história do período em poesia, desde que saíram da Itália até os dias de hoje. “Isso vai ficar muito para as escolas, porque tem coisas que as crianças não imaginam que aconteceram, o que passou, o que os colonos fizeram quando chegaram aqui, as tradições”, salienta.

Sobre a história dos imigrantes, Eliana destaca que eles foram expulsos do seu local de origem pela fome, desemprego que assolava o país e chegaram na Serra Gaúcha querendo trabalhar e empreender, uma cultura que perdura até hoje. “Os italianos não deixaram para trás apenas as raízes deles, mas a identidade. Perderam um pouco da individualidade conquistada na Itália e passaram a ser apenas um número a mais no meio daquela multidão que iniciava uma viagem sem volta. Sabiam que não voltariam mais, mas tinham uma visão do que era e não foi nada do que aconteceu”, sublinha.

A escritora conta que os italianos que vieram colonizar o Rio Grande do Sul procediam da região de Padova, Verona, Vicenza e Monte Veneza e as famílias acabavam ficando meses hospedadas na região do porto de Genova antes de embarcar para a América. “Depois, já a bordo de um navio, eram acomodados na terceira classe, com instalações de má qualidade. Muitos até ficavam ao relento, pelo excesso de gente na mesma embarcação e ao longo dessa viagem”, menciona.

Os navios, segundo ela, onde ficavam por um mês ou mais, viraram focos de doenças contagiosas que afetaram e mataram muitos passageiros. “Centenas morreram durante a viagem e tiveram seus corpos jogados no mar, alguns ainda agonizavam. No Brasil, o desembarque era no Rio de Janeiro, daí seguiam para Santos os imigrantes que optavam por ficar em São Paulo e, assim, a viagem prosseguia para o Rio Grande do Sul com escala em Paranaguá e Florianópolis, até a cidade de Rio Grande, por meio de Pelotas. Os que desbravariam a Serra Gaúcha ingressaram na Lagoa dos Patos e chegavam até Porto Alegre, onde desembarcavam”, narra.

Na Capital, a poeta descreve que depois de aguardar um tempo em hospedarias, os imigrantes eram colocados em pequenas embarcações que navegavam no Rio Caí em direção às colônias. A viagem era muito demorada devido ao posto de destino, colonos que iriam ocupar as colônias de Conde D’Eu (Garibaldi) e Dona Izabel (Bento Gonçalves) paravam em um porto de Monte Negro. “Depois de tudo isso, começava uma nova jornada de três dias na mata. Faziam a pé, de mulas, com cavalos e transportando todas as caixas e os bens deles. Depois, para chegar em Conde D’Eu, tinha um caminho mais curto, mas se quisessem ir até a Dona Izabel, os imigrantes precisavam prosseguir a jornada na mesma picada, mais de 14 quilômetros para frente”, historia.

Quando chegavam em Bento, os italianos ainda precisavam esperar até que o governo os encaminhassem até seus lotes, processo que poderia durar meses. “Após, vinha todo aquele trabalho de chegar nas colônias deles para começar a limpar, queimar, para fazer as roças, a pequena casa deles, que era da própria madeira das matas. Eles se alimentavam do fruto da natureza, e iam construindo a casinha deles e fazendo a rocinha e assim prosseguiam”, descreve Eliana.

O caminho da família Toniolo

Bento Gonçalves é um dos berços da imigração e carrega as histórias de um povo que chegou em busca de uma vida melhor. É o caso da família de Lourdes Toniolo, de 90 anos, bisneta de Bortolo Toniolo, que vieram da Itália para a Linha Eulália.

Na antiga e histórica casa construída pelas mãos dos antepassados, dona Lourdes nasceu, foi criada e retornou ao lar. “Já andei às voltas, casei e morei perto da Aurora. De lá, fui embora para Cotiporã e voltamos para Bento. Depois fui para Lajes e de lá fui para Manaus, fiquei 23 anos e agora estou aqui. Disseram que a mãe não estava bem, então cheguei em uma segunda-feira e ela morreu na terça”, rememora.

As irmãs Rosali e Lourdes Toniolo na casa onde nasceram e foram criadas, na Linha Eulália

A irmã mais nova, Rosali Toniolo, ao ajudar dona Lourdes a lembrar dos momentos vividos no local, conta também que o bisavô junto à sua família veio para o Rio Grande do Sul de navio, porque onde moravam anteriormente não tinham condições. “Pegaram a ‘filharada’ e vieram na sorte. Aqui tinham prometido terra. Nós chamávamos o bisavô de ‘Bortolão’, porque eles não sabiam botar outros nomes. Aí vieram os filhos e colocaram o nome do nosso avô de Bortolo”, conta.

Aos nove anos, o nono de Lourdes e Rosali chegou na Capital do Vinho, na época, era o mais velho dos irmãos. No Barracão, as famílias ficaram esperando os lotes de terra em um pavilhão que parecia uma grande barraca, o que segundo as entrevistadas, deu o nome ao bairro. “Eles se instalaram em uma casa que nós estamos restaurando, se criaram ali, foram se casando”, afirma Rosali. Um dos filhos mais novos de Bortolo era Joaquim Toniolo, pai de Lourdes, que nasceu em 1904.

Depois de constituir família, o avô Bortolo, em dias de sol, trabalhava na roça para manter os animais. Na época eles possuíam porcos, galinhas e vacas. “Nos dias de chuva eles tinham que fazer a ferramenta, não tinha ninguém que vendia e as mulheres faziam comida”, sublinha Rosali.

Na foto histórica de família em frente à casa na Linha Eulália, o avô Bortolo, a avó e os filhos

Segundo Lourdes, muita gente morava na casa em que ela e sua cuidadora vivem atualmente, e grande parte trabalhava na roça. Para ajudar no trabalho que levava o sustento à família, ela e a irmã mais velha iam a pé levar comida, todos os dias, até os parreirais em que a família trabalhava, na Linha Paulina. “A gente levava até sopa, eu tinha uns 10 anos. A mãe acompanhava nós até ali em cima na curva, e depois a gente ia embora”, lembra.

Além disso, no meio do caminho, alguns obstáculos as alcançavam. “Já revirei a sopa quando chegou lá embaixo para almoçar e quebramos os pratos. Um pedaço de madeira se atravessou no meio das minhas pernas e fui com a panela daqui até lá no fundo, joguei fora toda a comida. E, depois, para almoçar? Porque era sopa, depois polenta, queijo, pão e vinho”, conta. Nesse período, ela já aprendeu a tirar leite e fazer queijo. O mesmo alimento que Lourdes levava para a roça passou a ser preparado também por ela.

Nos andares inferiores da residência, os materiais confeccionados e usados para o trabalho são guardados até hoje pela família

Ademais, das plantações de milho e trigo se moía a farinha para preparar os alimentos. Lourdes ia a cavalo até o moinho, atravessando o atual Parque Gasper, que na época era apenas o caminho que ela fazia pela natureza. “A mãe dizia para eu ir e se o dono dissesse que a farinha ficava pronta até as 15h, esperar. Se ele dizia que não dava, vinha para casa e ia buscar depois, no outro dia. Era mato, tinha até macacos”, relata.

Escritora e descendente de italianos

O bisavô de Eliana Sebben veio da Itália, viúvo, com quatro filhos. “Eles se instalaram em Pinto Bandeira. Ele casou novamente e teve treze filhos, incluindo meu avô. Todos ficaram na região, alguns foram para Muçum, outros para Anta Gorda”, conta.

O avô da escritora casou em Bento mas foi morar em outra cidade. “Minha avó era do 8 da Graciema, eles se conheceram aqui, mas meu vô comprou uma terra em Anta Gorda, aí foram morar lá. Ele era agricultor, trabalhava com parreiras. Depois, apareceu um senhor de Guaporé que trabalhava com ouro e ofereceu para o meu vô se queria trabalhar com joias, e ele aceitou. Então ia para lá aprender e depois, em Anta Gorda, começou a fazer alianças de todas as pessoas que casavam naquela localidade”, cita.

O pai da Eliana, anta-gordense, conheceu a esposa em Santa Tereza e ali casaram. Depois de comprar um pedaço de terra no distrito de São Pedro, veio para Bento Gonçalves, onde a poeta nasceu. “No primeiro ano veio uma geada fortíssima, junto com neve e meu pai perdeu toda safra. No segundo ano aconteceu a mesma coisa, e ele desanimou. Eu já havia nascido e ele resolveu trabalhar de fotografo”, afirma.

Depois de ter passado toda a infância da escritora, seu pai resolveu comprar um terreno na cidade. “Ele continuava trabalhando nas colônias, batendo fotografias e fazendo retratos a óleo, uma pintura com moldura grossa com as famílias. Assim ele começou a passar toda Serra Gaúcha vendendo esses quadros e se aposentou como fotógrafo. Ele era analfabeto, mas muito inteligente, então acho que a gente herdou um pouco disso”, realça.

Cultura italiana deve permanecer

Com quase 150 anos de história no Brasil, os costumes dos italianos são percebidos por meio do sotaque, da arquitetura e do trabalho aqui realizado. Eliana conta que tem cidades que ainda carregam fortes traços da cultura. “Acho que nós, aqui, perdemos muito. O que nos mantém um pouco, que nos lembra a imigração italiana é os Caminhos de Pedra, porque se você sair na região tem algumas casas, mas não tem mais aquelas tradições”, analisa.

Ademais, Eliana pensa que na região deveria ter aulas de língua italiana. “Essas crianças que estão vindo aí não conhecem nada. A história do meu livro veio exatamente quando minha filha perguntou de onde vinha o leite. Nós que temos uma descendência muito forte, guerreira. Claro, todo mundo pensa no inglês, espanhol, mas a língua italiana nós deveríamos ter nas escolas e cursos”, acredita.

Ela também sustenta que os bento-gonçalvenses devem muito aos imigrantes. “Aprendemos tudo com eles, essa garra, principalmente da mulher agricultora, ela é fortíssima, vai para a roça, lava a roupa, cuida dos filhos. Isso é lindíssimo, a gente herdou muitas coisas boas deles. O homem também, empreendedor, isso tudo faz sentido”, conclui.

Em Pinto Bandeira, a construção de uma família

O empresário Juarez Piva conta que seu bisavô veio da Itália e chegou em 1873 no Brasil, quando se instalou em Pinto Bandeira e construiu a família Piva. “A imigração italiana trouxe uma batalha, um sentimento de sacrifício, mas muita fé e trabalho, que ajudou no desenvolvimento da nossa região, estado e país”, destaca.

Segundo Piva, em Bento, leva-se muito em consideração a parte da cultura e do conhecimento italiano. Ele ainda afirma que isso pode ser visto na limpeza da cidade e na necessidade de produzir e se desenvolver. “É uma tendência italiana, de crescer e fazer, então se vê quantos empreendedores, quantas indústrias nós temos, o comércio, os serviços. É do DNA ser um protagonista, ter criatividade e inteligência de fazer as coisas. Isso se repercute, você vê na história de Roma o que foi feito”, evidencia.

Além disso, o empreendedor cita o plantio da uva, o desenvolvimento das vinícolas e a capacidade de se articular e de se comprometer. “De certa forma a parte social também, porque eles sempre se encontravam nos finais de semana para um jogo de carta, de bocha e brincadeiras. Isso contaminou toda a sociedade, no interior todo o lugar tem uma capela que ali se reúnem tanto para diversão quanto para a parte religiosa. A história contada é sempre envolvendo a ajuda do outro, do vizinho, conhecido. Qualquer problema, tragédia, e até colheita se resolvia, se fazia em conjunto, entre família e amigos. O cooperativismo saiu da necessidade da sobrevivência aqui no Brasil“, esclarece.

Sobre a fama do italiano em se empenhar para economizar, Piva destaca que é uma verdade e uma apreensão. “Minha avó contava que o prazer dela era servir uma mesa cheia de comida para quem fosse visitá-la. Foi tanta fome que passaram que a maior alegria era ver a riqueza em cima da mesa. Eles tinham uma preocupação com o dia do amanhã, pensavam nos filhos, nos netos. Era o jeito deles sobreviver, isso é o ‘pão-duro’, é não gastar tudo hoje pensando no amanhã. Se tornou uma cultura realmente econômica, por tanta necessidade que se viveu no passado”, valoriza.

O desenvolvimento das regiões, segundo o empresário, do italiano, alemão, polonês, foi a sua vocação de que não tinha tempo ruim. Ele ainda afirma que os imigrantes tiveram sensibilidade, coragem, determinação e muita força de vontade em desenvolver a nação em que foram recepcionados. “Talvez até não foram recebidos muito bem, mas não interessou isso. Foi um aprendizado em que todos nós temos muito que desenvolver, que não são as dificuldades, mas a persistência de cada um e sua credibilidade de crescimento, e os italianos e os imigrantes que vieram para cá fizeram isso muito bem”, finaliza.

Fotos: Thamires Bispo