Adolescentes afirmam que tema carece de maior atenção . Foto: Reprodução

O tema ideologia de gênero nas escolas segue gerando polêmica em todo o país. Mesmo o assunto ganhando poucos apoiadores no Congresso Nacional e retirado do Plano Nacional de Educação (PNE), após forte pressão popular e de seguimentos religiosos, o debate permanece em rodas de conversas entre alunos e, muitas vezes, acaba se prolongando para dentro das salas de aulas. Especialistas e jovens garantem que é necessário falar sobre o tema, afinal, é uma realidade da sociedade atual e precisa ser amplamente debatido na comunidade escolar e, inclusive, pela família.

Nas escolas, a pauta ainda é tratado com receio e timidez. alunos da Escola Estadual de Ensino Médio Mestre Santa Bárbara afirmam que o tema ainda causa desconforto, tanto para quem passa pela situação, quanto para quem quer falar sobre o assunto. Os estudantes acreditam que a ideologia de gênero deve ser trabalhada de maneira mais ampla, afinal, segundo eles, é uma realidade. “Sempre que debatemos sobre o assunto, ficamos num campo muito superficial que não é aprofundado. Acho que falta por parte dos governos e dos professores, um preparo maior, afinal, isso é uma realidade da nossa sociedade e não podemos deixar de falar sobre isso. A ideologia de gênero não fica somente no que é homem ou mulher, ela está envolvida com os LGBTIs, credo, condição social, entre outros”, afirma J.G., 17, aluno do terceiro ano do ensino médio. “Sabemos que também existe a possibilidade de algum aluno ser homossexual e possa sentir-se oprimido quando o assunto for colocado em pauta, mas é preciso abrir a mente das pessoas. Somos todos iguais”, enfatiza a aluna F.M, 17 anos.

Matéria excluída do PNE 2014-2024, a questão de gênero causou grande discussão em 2014, quando o projeto tramitava no Congresso Nacional e estabelecia diretrizes e metas da educação para os próximos 10 anos. Bancadas religiosas justificaram que introduzir a expressão “ideologia de gênero” estaria deturpando os conceitos de homem e mulher, afetando o modelo tradicional de família. No entanto, grupos favoráveis afirmaram que a liberdade de gênero é fundamental para a luta de direitos entre homens e mulheres e para o respeito à condição humana.
Além da ideologia de gênero, o projeto do PNE também abordaria os temas sobre o fim da desigualdade racial, regional e de orientação sexual. Atualmente, consta no plano um objetivo genérico de erradicação de todas as formas de discriminação, obrigando os estados e municípios inserir suas metas.

Segundo a estudante J.Z., 16, ainda há certo medo em debater o assunto, principalmente pela questão da violência. Ela salienta que no educandário o convívio é tranquilo, mas brincadeiras em tons pejorativos ainda existem. “Sempre há um que outro aluno que faz alguma piadinha preconceituosa, mas no geral, o pessoal se respeita aqui. Cada um com a sua escolha. A gente sabe que em outras escolas não é bem assim”, pontua.

Conforme a secretaria municipal de Educação, o assunto não é tratado separadamente nas escolas municipais. De acordo com a titular da pasta, Iraci Luchese Vasques, o assunto é visto como uma diversidade e que é debatido para assegurar que o educandário seja um espaço para todos. “Contamos com o Núcleo de Inclusão e Diversidade (NID), que tem, entre os objetivos, assessorar e orientar os profissionais da educação, nos diversos casos de diversidade, tanto ideologia de gênero, como etnias, raças, inclusão de alunos com deficiências, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades ou super dotação. Acreditamos que todos os alunos têm características diferentes, talentos e interesses únicos e precisam ter seu espaço garantido”, afirma.

Em nota, a 16ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), explica que as questões de gênero e diversidade são discutidas, além de oferecer suporte às escolas para elaborar projetos voltados aos assuntos. “As escolas desenvolvem estes temas dentro do Projeto Político Pedagógico, permeando as áreas de conhecimento, de acordo com o nível e faixa etária dos alunos. Cabe ressaltar o trabalho que o componente curricular de ensino religioso, com sua nova dimensão de não privilegiar um único credo, aborda nas aulas as questões de gênero, especialmente nos temas da ética, respeito e da diversidade”, afirma o coordenador Leonir Razador.

Estudo aponta forte preconceito

Uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, mostrou que 32% dos homossexuais entrevistados dizem ter sofrido algum tipo de preconceito dentro da sala de aula e também que os educadores ainda não sabem reagir apropriadamente diante das agressões, que podem ser físicas ou verbais, no ambiente escolar. Os dados divulgados pelos pesquisadores caminham ao lado dos números apresentados pelo Ministério da Educação (MEC), que ouviu mais de oito mil estudantes com idades entre 15 e 29 anos, em 2013, em todo o país, apontando que 20% dos alunos não querem colegas de classe homo ou transexual.

Psicóloga acredita que o assunto deva ser tratado e inserido na sociedade com maior naturalidade. Foto: Reprodução

Segundo a psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Tuani Bertamoni, o aluno, seja criança ou adolescente que passa por qualquer tipo de preconceito pode ter inúmeros problemas, inclusive na constituição da sua personalidade. “Crescendo com estímulos e palavras negativas, o aluno pode passar a ter uma visão distorcida de si, podendo achar que é inferior as outras pessoas, ou incapaz de realizar algo. Essa visão distorcida se adquirida ao longo do tempo pode vir a ocasionar problemas na vida adulta como por exemplo: arrumar emprego, nas tomadas de decisões, e também nos relacionamentos sociais e amorosos”, explica.

Tuani afirma que a criança que possui alguma questão relacionada ao seu gênero, já nasce assim. “Não tem como tratar, modificar, ou até mesmo influenciar quem é heterossexual a se tornar homossexual, ou transgênero. Acredito que conversar sobre essa ideologia nas escolas abre espaço para acabarmos com o preconceito, pois muitas pessoas sofrem por ter isso e não saber como se aceitar, e também por conta do preconceito ou pelas pessoas divulgarem absurdos de como isso pode ser tratado ou resolvido”, enfatiza.