Todos os dias, famílias que passam por dificuldade financeira vão até o local para ganhar hortaliças que são cultivadas no espaço

“A senhora quer um pé de chicória? Quer levar também um pé de alface? Sempre que precisar, volte aqui”. Com essas palavras, Clóvis Chaves Prates, responsável por coordenar o Centro de Artes e Esportes Unificados, mais conhecido como Praça CEU, no bairro Ouro Verde, recebe moradores carentes, que chegam até o local em busca de hortaliças. Os alimentos são plantados, cuidados e colhidos diretamente da Horta Comunitária, espaço que, em breve, vai completar um ano.

Todos os dias, inúmeras pessoas procuram o local para receber algum tipo de alimento que possa complementar a refeição, seja do almoço ou da janta. Mensalmente, mais de 100 famílias são beneficiadas com o projeto. Multiplicando esse número pelos dozes primeiros meses do trabalho, estima-se que mais de mil pessoas já tenham provado o sabor das hortaliças, cultivadas com tanto amor pelas mãos dos colaboradores.

Desde a inauguração, a demanda de novos usuários se mantém crescente. A cada novo dia aparecem novos rostos, em busca do mesmo objetivo: comida. “Acreditamos que esse aumento se deve a necessidade das pessoas e por perceberem que o projeto deu certo, que foi feito para elas, de forma gratuita, conseguindo pôr na mesa uma variedade a mais na hora da refeição”, afirma Prates.

Esse crescimento também é atribuído às dificuldades financeiras que a população enfrenta como consequência da pandemia do coronavírus. “O poder aquisitivo de algumas famílias diminuiu, fazendo com que busquem por programas sociais que possam ajudar nesse momento, onde o preço dos alimentos consome grande parte do salário que recebem”, avalia.

Heide considera um alívio poder contar com as hortaliças da Horta Comunitária

A aposentada Marli Ferreira Borges, 64 anos, moradora do bairro Zatt, é um exemplo de nova beneficiária. Na manhã de terça-feira, 15, chegou ao local, pela primeira vez, com essas palavras: “queria uma salada”. Circulando pelo espaço, ficou admirada com a beleza das hortaliças. “Estou conhecendo agora, achei a horta muito linda, maravilhosa. Agradeço às pessoas que têm disposição de fazer esse trabalho”, elogia.

A moradora do Residencial Novo Futuro, Deise Roberto, 37 anos, também é beneficiada com os alimentos da horta. Mãe de cinco filhos e à espera do sexto, precisa fazer malabarismo com a renda para manter a família. Atualmente, trabalha como cuidadora de crianças para adquirir o sustento. “O orçamento é apertado, mas o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) ajuda muito, a horta também. Toda hora estamos aqui. Gosto bastante dos alimentos, são bem naturais”, elogia.

Embora já esteja aposentada, Heide Merllo, 73 anos, continua trabalhando. Diariamente sai às ruas da cidade para arrecadar latinhas e garrafas pets, a fim de ter um dinheiro a mais no final do dia. Com a alta no preço dos alimentos, poder contar com a horta comunitária é um alívio para ela. “Faz dois meses que venho pegar salada e tem me ajudado bastante, porque não preciso mais comprar. Acho a coisa mais linda isso aqui. O pessoal é muito legal”, garante.

Sobre a horta

Ao assumir a coordenação do local em janeiro de 2021, Prates descobriu que a maioria das praças CEU do Brasil contam com uma Horta Comunitária. Foi assim que teve a ideia de implantar uma em Bento Gonçalves. “Conversei com a equipe e todos gostaram, foi então que procurei o secretário da Pasta, Evandro Soares, e expus a vontade de todos em criar este espaço dentro da Praça, o mesmo nos deu carta branca para começarmos a colocar em prática e fazer todas as melhorias possíveis. Foi assim que o projeto começou”, orgulha-se.

Para ganhar vida, diversas mãos voluntárias se uniram à causa. “Precisávamos de máquinas para mexer com a terra e fazer os canteiros, foi então que contamos com a parceria da Empresa Alves Terraplanagem que se dispôs a fazer o serviço de forma gratuita. Com os canteiros prontos, precisávamos dar o próximo passo para fazer o cercamento, foi quando um outro vizinho nos procurou oferecendo paletes. Assim nossa Horta ganhava corpo e ia se transformando a cada dia”, lembra.

Quando chegou o momento de colocar a mão na terra e começar a plantar, não foi diferente: a solidariedade continuou. Uma casa agrícola da cidade começou a doar as mudas que sobravam da semana. “Dessa forma o projeto começou a crescer, o verde se fez presente nos canteiros e outros parceiros começaram a chegar. Através de uma matéria que saiu no Jornal Semanário, uma senhora do bairro Imigrante nos chamou e fez uma grande doação de sementes. Hoje, temos duas casas agrícolas que nos doam mudinhas e outras que usuários também trazem para replantar. Temos outros parceiros que fazem doação de adubo para que as hortaliças cresçam mais rápido e assim possamos atender um número maior de usuários”, comemora.

O investimento mais recente foi a aquisição de sombrite (acessório indicado para jardins, com a finalidade de diminuir a entrada de luz solar, mas mantendo a passagem de ar e umidade), liberada pela Secretaria de Cultura. “Para cobrimos os canteiros e proteger as hortaliças da grande estiagem que enfrentamos nos últimos dias”, afirma.

Curiosidades

A Horta conta com sete canteiros de vinte metros cada, onde uma grande variedade de hortaliças são cultivadas, entre elas: repolho, alface, chicória, almeirão, pimentão, beterraba, e temperos diversos.

Inicialmente, a ideia era estabelecer dias para realizar a colheita. Entretanto, devido a necessidade e alta procura, foi necessário fazer diferente. “Entendemos que não podíamos estipular dias, pois acreditamos que todos que nos procuram é porque estão necessitando e assim são atendidos sempre que nos procurarem”, conta o coordenador.

As famílias beneficiadas são as que procuram livremente, além daquelas que são encaminhadas pelo CRAS e que possuem o Cadastro Único. Quando a produção de hortaliças aumenta, algumas entidades também são atendidas. “Distribuímos para o Abrigo Municipal e Serviços de Fortalecimento de Vínculos Balão Mágico. Se tiver hortaliças prontas e qualquer entidade nos procurar, teremos o maior prazer em poder ajudar e distribuir”, assegura.

Trabalho em equipe

A Horta Comunitária é de responsabilidade da equipe da Praça CEU. Para que o trabalho tenha dado tão certo nesse primeiro ano de vida, a união da equipe fez toda diferença. Uma das colaboradoras é a Solange Frozza, 54 anos, que acompanhou todo processo do projeto. Para ela, o sentimento é de felicidade. “Esse serviço foi enviado por Deus. Me sinto realizada vendo as pessoas pedindo salada. Agora a gente não tem muitas variedades por causa da seca, mas o que temos, entregamos de coração. As famílias ficam muito felizes e isso é gratificante”, afirma.

Solange e Ederson são colaboradores da Praça CEU e trabalham todos os dias na Horta

Ederson Vieira de Oliveira, 41 anos, também integrante da equipe, se sente realizado em ver que a ideia deu certo. “Inclusive, deveria existir em mais bairros, porque a cidade é grande e precisa de projetos sociais, todo mundo necessita ter uma salada natural, sem agrotóxicos. Aqui vem pela força da natureza e está caminhando cada dia mais”, analisa.

Para o coordenador, a expectativa para os próximos meses é continuar com o projeto e fazer com que as pessoas entendam a importância de ter um espaço para cultivar e atender o maior número de pessoas que precisam, além de conquistar outros parceiros que possam estender a mão e oferecer insumos para o cultivo da terra. “O sentimento é de gratidão por ver onde o projeto conseguiu chegar no seu primeiro ano, trazendo tantas alegrias, feito por muitas mãos, onde todos os dias nossa equipe contempla a beleza de ver as hortaliças crescendo”, finaliza Prates.