Além da formação técnica e de um bom currículo, soft skills são essenciais para quem buscar uma posição no mercado de trabalho

A alguns anos atrás, para conseguir uma boa vaga de emprego era preciso ter conhecimentos técnicos adquiridos por meio de uma graduação, cursos ou treinamentos, as chamadas hard skills. Esse é o caso de proficiência em inglês, excel avançado ou domínio de algum programa em específico, como Photoshop ou Javascript. Hoje em dia, o mercado se modificou, e junto dessas aptidões, ter determinadas habilidades interpessoais é um diferencial, as soft skills.

Com experiência de mais de 20 anos na área de Desenvolvimento Humano e Organizacional em empresas nacionais e multinacionais, Patricia Misturini, que é formada em Administração de Empresas e tem MBA em Gestão de Pessoas e Coaching, ressalta que a formação técnica inicia o processo de seleção. “Acontece que o fato de você ter conhecimento técnico não garante que será contratado para a vaga. O ponto onde se define o profissional a ser escolhido passa pela aderência do perfil dele com o Fit Cultural da empresa. Por isso muitas pessoas não entendem por que elas tinham todos os requisitos exigidos para vaga, mas não foram selecionadas. Isso tem a ver com comportamento. Não existe certo ou errado, mas aquele que é mais compatível com a organização”, ressalta.

Diante de um mercado competitivo, quem busca uma colocação no mercado precisa estar alinhado com as exigências dos empregadores. Dentre as maiores dificuldades encontradas pelas empresas, Patrícia destaca a falta de soft skills. “As pessoas se preocupam muito com o técnico, mas esquecem que o que vai validar e garantir o sucesso profissional está muito mais no comportamento do que no seu conhecimento”, enfatiza.

Já por parte dos candidatos, os maiores desafios são ultrapassar os limites tecnológicos. “A concorrência é maior, a inteligência artificial no processo de recrutamento veio para ficar e é importante para dar agilidade. Por outro lado, ela trabalha de forma racional, o que pode algumas vezes, por desclassificar bons profissionais. Além disso, as pessoas ainda têm dificuldade e não investem em conhecimento para ter um bom currículo de apresentação e entendimento dos métodos de recrutamento. Outro ponto é que as melhores vagas não estão divulgadas em sites e/ou redes sociais, então você precisa investir no seu network”, aconselha.

Mudanças a partir da covid-19

As já conhecidas soft skills ganharam força na pandemia e estão entre as mais valorizadas pelos recrutadores e líderes. “O mundo mudou e não adianta fugir isso. Empresas e profissionais tiveram que se ajustar a novos modelos de trabalho. Esta transformação é muito mais do que estar na empresa ou em home office. O mais profundo foi a mudança que ocorreu nas relações interpessoais, de forma geral”, aponta Patricia.

Quais competências são fundamentais?

Segundo a especialista, cada empresa tem, no seu Fit Cultural, a definição de suas soft skills, mas ela descreve as que considera essenciais em qualquer lugar.

1- Inteligência Emocional: que é a capacidade do ser humano de identificar e saber lidar com as emoções. Expressar emoções para o mundo exterior e saber construir relacionamentos positivos. Ela é composta por autoconhecimento, autocontrole, motivação, empatia e habilidades sociais.

2- Resiliência: O mundo corporativo não é um parque de diversões com ambientes “instagramáveis”. É para “gente grande”. Tem responsabilidade, metas, objetivos e, principalmente, resultado. É notório que as empresas vêm cada vez mais se preocupando com o ambiente, clima organizacional, gestão e tudo mais que envolva o bem estar físico e emocional. No entanto, mesmo as organizações certificadas com o selo “melhores empresas para se trabalhar” têm problemas. E se você não tiver resiliência, não fica em lugar nenhum.

3- Comunicação: aptidão que deve ser desenvolvida, e não apenas no meio profissional. É indispensável ter a capacidade de se fazer entender de maneira clara e eficaz, sempre levando em consideração seu público-alvo. Mas comunicar não é apenas expressar, como também saber ouvir atentamente e contextualizar o que é transmitido. Tenha em mente que dosar o que é dito e quanto é dito — ou escrito — além de sinal de inteligência pode interferir diretamente na sua produtividade.

Valores e princípios

Para Patrícia, além do conhecimento técnico e das habilidades interpessoais, o recrutador leva em consideração outros fatores. “Seus valores e princípios. Cada um tem uma história de vida e uma trajetória que foi percorrida e isso formou seu caráter e personalidade. Dentro de uma empresa, isso não pode ser negociável. Se você não comungar deles. não tem como dar certo nesta parceira de trabalho”, enfatiza.

Como se preparar para a entrevista de emprego?

Antes de participar de uma entrevista, a preparação é fundamental. Aliás, é nesta etapa que traços das soft skills do candidato serão observados. A profissional ressalta que é necessário se questionar. “A primeira pergunta a se fazer é: o que você está buscando? Como está desenhando sua carreira? Como dizem, ‘se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve’. A partir daí, você avalia se deve procurar informações da empresa. Os sites têm informações importantes, bem como, nas páginas de redes sociais”, indica.

Com relação à trajetória profissional, ela aponta que os recrutadores querem saber o que está além do que foi descrito no currículo. “Quais seus resultados obtidos nas empresas que trabalhou e nos cargos que exerceu? Quais os erros que cometeu e o que isso te ensinou? Como você se desenvolve e se atualiza? Porque você se interessou pela vaga?”, são alguns dos questionamentos, conforme explica Patrícia.

Outra dica importante é manter a calma. “Uma entrevista é um bate-papo, então, relaxe. Você está contando a sua história e ninguém melhor que você para fazer isso. Ouça a pergunta. Ouvir é diferente de escutar. Se não entender, peça mais detalhes e responda apenas o que for solicitado. Não seja prolixo, vá direto ao ponto, rodeios deixam enfadonha a reunião para ambas as partes”, orienta.

Falta mão de obra qualificada em Bento?

Para Patrícia, para suprir a demanda das empresas, é necessário investimento em capacitação profissional. “A cidade de Bento Gonçalves está se desenvolvendo acima na médica da região e cada vez mais vem se destacando no cenário nacional com uma cidade de crescimento e oportunidades. Para suportar este crescimento, as empresas precisam se adequar a necessidade e isso exige, não só investimento de capital, como principalmente, de mão de obra qualificada. Então, os moradores do município precisam também se qualificar e estarem prontas para este novo momento da cidade. A carreira é do profissional e não da empresa, então você precisa, sim, estudar e se desenvolver para estar pronto para abraçar as novas possibilidades. Enquanto as pessoas não se derem conta disso, continuaremos a ver profissionais de outros locais vindo ocupar espaços na cidade por falta de mão de obra especializada”, considera.

Impacto na performance das empresas

A psicóloga, professora e coordenadora do Curso de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Anni Breitenbach, acredita que o maior desafio por parte das empresas é encontrar profissionais que atendam alguns fatores. “As maiores dificuldades residem em conciliar três aspectos em uma contratação: preparo técnico, que costuma ser mais valorizado e que, dependendo das áreas, existem muitas dificuldades, uma vez que quando se fala dessa condição espera que o mesmo seja atrelado a experiências profissionais também. Além disso, maturidade e segurança emocional, que vem sendo um pilar difícil de conseguir, uma vez que as pessoas vivem e estão muito mais inseguras e ansiosas, nos tempos atuais. E por último, que os valores do candidato possam ir ao encontro dos da organização”, relata.

Para Anni, as competências técnicas são valorizadas e podem ser adquiridas com cursos e conhecimentos. “No entanto, hoje em dia, os comportamentos, a forma como lidar com estresse e performar bem são mais importantes, por vezes, que a técnica. Por exemplo, a pessoa pode ter boa técnica, receber uma crítica e desestruturar. Por isso, que, atualmente, valoriza-se muito essas habilidades para poder crescer, engajar as pessoas”, ressalta.

Segundo a coordenadora, as aptidões interpessoais impactam no desempenho das organizações. “As mesmas estão se dando conta que não basta ter somente um bom preparo técnico. As empresas precisam investir nessas habilidades. São os dois pilares importantes: técnicas e comportamentais. Quanto mais forte forem essas asas, mais longe poderemos voar”, evidencia.

Além disso, outro aspecto é essencial. “Comunicar seu valor. Você precisa passar o seu preparo. O entrevistador também pode não conseguir ter essa capacidade. Importante em perguntas clássicas como: fale um pouco sobre sua experiência profissional? Ser capaz de expor a respeito de cada experiência, poder falar sobre o que criou, o que desenvolveu, no que ajudou a vender ou produzir, mostrar a capacidade de realização. Fazer questionamentos para o entrevistador também são nuances sutis que podem fazer diferença. ‘Se eu trabalhasse aqui, o que seria importante?’ Além de boa aparência, de estudar e entender a organização”, sugere a psicóloga.