Todas as pessoas podem ter sonhos maravilhosos, dos quais não querem acordar, ou mesmo pesadelos, que demonstram os piores medos guardados no inconsciente de um ser humano. Seja de forma boa ou ruim, é impossível frear a imaginação durante o sono.

No entanto, não é necessário se apavorar pensando que os sonhos podem ser premonitórios. Segundo a psicanalista Jane Krüger, todos envolvem a vida presente, passada e até mesmo futura, apesar de os mesmos aparecerem de forma embaralhada e codificada. “Na clínica psicanalítica, após conhecermos a história do paciente e as demandas de sua vida presente, utilizamos os sonhos para acessar os medos e os desejos desconhecidos, pois esta, segundo Freud, é a linguagem do inconsciente”, explica.

Jane afirma que o pai da psicanálise acredita, em suas teorias, que temos três instâncias psíquicas. A primeira é o consciente, na qual se sabe o que está acontecendo no momento. “Por exemplo: estou numa sala muito quente, minha roupa não é fresca e estou com muito calor. Eu sinto, estou vendo e vivendo isso”, salienta a profissional.

A segunda é chamada pré-consciente. Nesta, fica todas as informações que já são conhecidas, porém, não estão no consciente. Contudo, fazendo um leve esforço, pode-se acessar o conteúdo. “Qual era a sua brincadeira favorita na infância? Pronto! Você não estava pensando nisso, mas ao lhe perguntar, rapidamente acessou a informação e imagens tuas brincando logo apareceram na sua mente”, exemplifica.

O inconsciente, no entanto, é um pouco diferente. Baseia-se naquilo que as pessoas não sabem ou não têm acesso de maneira tão facilitada. É ali que residem os medos mais profundos, além de desejos e fantasias reprimidas que não se deve permitir viver ou pensar. “Esses conteúdos vêm à tona, segundo Freud, por meio dos atos falhos e sonhos. Quando dormimos, os eles manifestam o que está no nosso inconsciente, de uma maneira bem camuflada, mas, se você parar para analisar, poderás compreender”, expõe.

Durmo, logo sonho

Todas as vezes que um ser humano dorme, ele sonha. Mesmo quando a lembrança do que ocorreu durante a noite seja vaga, ou que não haja sequer uma recordação das imagens e sons que imaginou durante as horas de descanso.

De acordo com Jane, sonho é uma atividade mental que costuma ocorrer cerca de duas horas depois do adormecimento. Esse é o período do sono chamado REM (Rapid Eyes Movement). “Entende-se como um estado comportamental diferente da condição de vigília e do sono profundo. É uma fase em que o cérebro está ativo e o corpo ativamente paralisado, para que a pessoa não saia por aí fazendo o que está sonhando. Ocorre o desligamento da musculatura corporal e aparecem os movimentos oculares rápidos. Se acordadas nesse período, 95% das pessoas dirão que estavam sonhando”, salienta.

Dias calmos, noites tranquilas

Para Jane Krüger, um dos fatores mais interessantes disso tudo é que, para o cérebro, não há diferença entre sonho e realidade. Essa é a explicação do porque as recordações das experiências que registradas dormindo parecem tão reais. “Se analisarmos as ondas cerebrais provocadas pelo sonho, veremos que as características são semelhantes às dos momentos de vigília.

Às vezes, porém, sua intensidade é tanta que para evitar uma reação que nos torne capazes de desferir um soco ou sair correndo, no exato instante em que começamos a sonhar, o tronco cerebral é desligado, com o intuito de impedir que os neurônios despertem estímulos motores”, reitera.

A psicanalista também afirma que os pesadelos são uma forma muito importante de descarga de emoções intensas. “Eles vão apontar medos, anseios ou eventos traumáticos que se tenha vivido e são uma maneira do psiquismo encontrar uma forma de dar conta e de elaborar tudo isso”, destaca.

Assim como os sonhos, os pesadelos também são benéficos para a saúde mental, apesar de parecerem ruins. Isto porque a investigação da razão inconsciente deles é utilizada para aprender a lidar com os medos e anseios. Porém, noites angustiantes também podem significar algo ruim. “O diagnóstico de transtorno de pesadelo é feito quando ele gera problemas contínuos para a realização dos afazeres diurnos ou graves desconfortos, assim como a impossibilidade de um bom descanso. Para isso, é muito importante a busca de um profissional especializado”, recomenda.

Terror noturno x sonambulismo

Segundo Jane, terror noturno é uma parassonia – distúrbio do sono – que, assim como o sonambulismo, é mais comum nos pequenos, mas pode acometer adultos. “Os episódios normalmente duram de alguns segundos até poucos minutos. A criança pode sentar na cama, gritar, abrir os olhos, correr pela casa, chorar e acordar não se lembrando do acontecido no outro dia”, explica.

Adultos com terror noturno, porém, têm mais tendência a serem agressivos durante os episódios do problema. “Ao contrário delas, podem se lembrar de pequenas partes do que aconteceu durante esses períodos. Todos esses sintomas acontecem nas primeiras horas do sono”, pondera.

O sonambulismo ocorre na fase três, a das ondas lentas, quando estamos em um estado intermediário entre o sono e a vigília. Durante a crise, o indivíduo fica confuso e faz algumas coisas comuns da rotina. “Quem convive com o sonâmbulo deve tomar alguns cuidados, como deixar portas e janelas sempre trancadas, tirar móveis do caminho, evitar objetos que possam quebrar. Também, não se deve tentar acordar a pessoa em crise, pois ela não está consciente e pode ter reações violentas”, recomenda.
Para ter noites de sono tranquilas, quem sofre com o problema precisa procurar ajuda de um profissional. “O tratamento é sempre voltado ao que provoca a crise, como sono e estresse. Os casos mais graves podem ser tratados com medicamentos”, conclui Jane.

Por que quase todos os sonhos são esquecidos?

Parafraseando a estudiosa Stephen Dowlind da British Broadcasting Corporation (BBC) Future, Jane afirma que para muitos, os sonhos são uma presença quase intangível. “Se tivermos sorte, conseguimos nos lembrar brevemente ao acordar; mesmo quem é capaz de recordar com riqueza de detalhes sonhos passados, pode despertar certos dias com quase nenhuma memória do que sonhou. O problema é que, quanto mais confusos são, mais difícil é para nós retê-los”, esclarece.

Entretanto, existe um componente químico crucial para garantir que as imagens dos sonhos sejam retidas: a noradrenalina. “Este é um hormônio que estimula o corpo e a mente a agirem – e seus níveis são naturalmente mais baixos durante o sono profundo. Psicanaliticamente falando, quanto mais estruturado for o superego (a voz da consciência) de uma pessoa, mais difícil fica acessar alguns conteúdo dos sonhos”, salienta.

Pesadelo para as mulheres

Estudos de um neurofisiologista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, apontam que os pesadelos são mais comuns em meninas, mulheres em idade adulta, seguida por idosas. Nos idosos do sexo masculino, sonhos ruins são menos prevalentes. “Não existem estudos a respeito dessa distribuição. Talvez haja alguma intercorrência da personalidade feminina ou de seu perfil hormonal. Crianças talvez tenham mais pesadelos, porque sua capacidade de absorver acontecimentos negativos é limitada pela falta de experiência e maleabilidade de comportamento”, pressupõe a profissional.