O Farrapos Rugby Clube comemora 10 anos de existência em novembro de 2017. Referência em todo o estado e também no Brasil, o clube agora volta a atuar em competições com seu time feminino.

Ao contrário do time principal masculino do Farrapos, as meninas atuam no rúgbi sevens. Esta é a modalidade olímpica, com menos tempo no cronômetro e com sete jogadoras para cada lado – ao contrário do Union, que possui 15.

O rúgbi, entre todos os esportes, é um dos que mais exige estudos táticos e demais conhecimentos dos seus praticantes. É claro, também existe muito contato. O senso comum apela para este segundo fator e esquece de todo o resto que o esporte pode proporcionar.

De acordo com a manager do time feminino, Isamara Buhl, a falta do conhecimento sobre o esporte pode causar reações que não condizem com a realidade. “Nós estamos preocupados é com o desenvolvimento humano, para além do rúgbi. Todo mundo que está aqui vem para praticar o esporte, aprender o respeito e a disciplina que ele ensina. É muito mais do que contato físico”, explica.

Surgimento do time

Criada em 2008, a equipe feminina do Farrapos deu seus primeiros passos sendo formada por pessoas ligadas aos jogadores da equipe masculina. E assim seguiu até 2013, quando não conseguiu ter equipe formada. Pelos dois anos seguintes, os treinos aconteciam com as equipes formadas por homens. 

Foi em 2015 que a situação mudou. O jogador do time masculino, Diego Silva, o Bigode, passou a treinar a equipe feminina. Hoje, as mulheres de alvi-verde formam um plantel mais vasto. “Estamos com cerca de 20 jogadoras. A idade das meninas variam de 15 a 35 anos”, afirma Isamara. 

Ainda segundo a manager, para que se conseguisse aumentar o número de jogadoras nos treinos do Farrapos, a divulgação nas redes sociais foi muito importante. “Passamos a convidar as amigas, colegas e conhecidas. Também chamamos as meninas que participavam do projeto de rúgbi nas escolas. Assim, crescemos em número, nos organizamos, e passamos a treinar com ainda mais atenção e afinco”, relata. As atletas agora retomam uma situação até a pouco tempo adormecida: a participação em torneios.

Competições estaduais

Depois do retorno de treinos focados apenas para o feminino, surgem ao poucos as participações em competições a nível estadual. Ainda em 2016, as jogadoras do Farrapos Rugby atuaram no Campeonato Open Soul Rugby e também no Torneio Guasca. As competições, apesar de acontecerem após o despertar do time, trouxeram bons resultados.

Em 2017, um grande desafio: participar do Circuito Gaúcho Feminino de Rugby 7’s (CGR 7’s). A primeira etapa da competição aconteceu justamente em solo bento-gonçalvense. O Estádio da Montanha foi sede da etapa que reuniu sete equipes de rúgbi sevens. A etapa foi vencida pelo Charrua, que havia sido campeão no ano passado ao vencer três das cinco etapas.

A sequência nas etapas do CGR 7’s depende de diversos fatores. Para além da vontade de representar o Farrapos nos campos de rúgbi do estado, a situação financeira e estrutural é determinante para a atuação nas outras etapas.

Na busca por apoio

A vontade das atletas é de poder colocar em prática tudo aquilo que aprendem nos treinamentos. De acordo com a capitã da equipe, Tainara Nardin, qualquer clube precisa competir para alcançar evolução – e com o elenco feminino do Farrapos não é diferente. “O time é jovem e está em ascensão. O que esperamos é poder aprender a cada jogo”, afirma. Ainda segundo a jogadora, “competir com os melhores times do estado possibilita grandes aprendizados”.

A participação nas competições neste ano pode esbarrar na falta de um patrocínio. Além da taxa de inscrição no valor de R$550 em cada etapa, o Farrapos precisa, a partir de uma exigência da Federação Gaúcha de Rugby, uniformes padrões. “As equipes precisam de camisetas, calções e meias iguais. O nosso fardamento hoje está castigado e precisamos de novos”, explica Tainara. Além disso há os gastos com deslocamento.

A equipe feminina do Farrapos Rugby busca por patrocinadores. O apoio ao esporte feminino, sempre colocado à margem dos interesses, vai ser importante para que estas atletas sigam representando Bento Gonçalves.

 

Mulheres atletas recebem menos e tem menos mídia

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro bateram recorde de mulheres participantes em uma edição. Uma das novidades para o grande evento esportivo em 2016 foi a inclusão do rúgbi. Na modalidade, o Brasil tinha grande esperança de resultados justamente com a equipe feminina – as Yaras -, que tinha à época, mais qualidade e reconhecimento que os homens. Entretanto, essa situação do rúgbi brasileiro é uma exceção.

De acordo com dados obtidos em uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE) de 2017, 46,1% das cerca 61 milhões de pessoas que praticam esportes no país são mulheres. Em contraste com o número próximo entre homens e mulheres em atividades físicas (apenas 8% de diferença), quando se amplia o debate para o meio profissional, os números ficam extremamente desproporcionais.

As cifras de dinheiro que envolvem o esporte masculino são absurdamente maiores. Segundo o levantamento da revista Forbes em 2017, Cristiano Ronaldo, jogador de futebol, o esportista mais bem pago do mundo, ganhará neste ano U$93 milhões. A primeira mulher a aparecer na lista está na 51ª posição. Serena Williams, a maior tenista de todos os tempos, receberá U$27 milhões em 2017 – a nível de comparação entre esportes, Roger Federer receberá ao final do ano U$64 milhões. Os vencimentos e a visibilidade midiática são muito maiores para os homens.

Segundo dados de uma pesquisa da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, os três termos mais utilizados para se referir às mulheres na internet são: idade, casada e grávida. O público ainda não relaciona as mulheres aos esportes. Esse processo deve demorar ainda para se consolidar.

Rúgbi: um pontofora da curva

Com a chegada do rúgbi às Olimpiadas, surgiu também uma alternativa à realidade dos esportes majoritariamente dominados por homens – sobretudo nos desportos coletivos. As Yaras eram a grande esperança do rúgbi brasileiro. Mesmo sem conseguir subir ao pódio, as guerreiras brasileiras alcançaram a nona colocação, duas acima dos homens (os Tupis), que ficaram com a 11ª.

Mesmo com a seleção feminina de rúgbi atuando nas regras dos sevens, nas quais o contato é menos frequente, o senso comum volta a ecoar discursos rasos. É usual o “não é esporte para mulher”. Por isso, o rúgbi surge como uma forma de ruptura dessas discursos arcaicos e ultrapassados.

Para a manager da equipe Feminina do Farrapos Rugby Clube, os comentários sobre o esporte ser apenas para homem são fruto de desconhecimento. “As pessoas não conhecem o rúgbi, elas não tem o entendimento do que treinamos no campo, treina na academia e por isso há preconceito. A maior mensagem que a gente pode passar é que é uma atividade para mulher sim! Todo esporte é para homem e também para mulher. O que importa é se você gosta e se está disposto a praticar”, explana.

O processo de mudança deste e de outros paradigmas é constante. Aos poucos as mulheres surgem e endossam o coro defendido por Isamara e tantas outras atletas que enfrentam adversários, cansaço e o preconceito.