Habitado, em sua maioria, por moradores antigos, o lugar tem suas bases nas pessoas que permanecem no distrito porque realmente gostam do local

O distrito de Faria Lemos, interior de Bento Gonçalves, de acordo com o pároco Daniel D’Agnoluzzo Zatti, é um lugarejo onde a cultura cristã está enraizada nos moradores, favorecendo o espírito de ajuda entre as famílias. “Isso é um ponto muito importante a ser destacado em qualquer análise que possa ser feita sobre a região”, afirma. Outra característica que o padre destaca é que os moradores têm forte devoção, fazendo com que as famílias ainda frequentem muito as missas, inclusive os mais novos. “A gente consegue perceber que mesmo sem alguma motivação específica para os jovens, eles participam naturalmente. Isso é algo muito bonito”, elogia.

Na Paróquia Nossa Senhora do Rosário (foto acima), missas são celebradas duas vezes por semana

O religioso acrescenta que seria injusto não mencionar que existe, na localidade, uma parcela de pessoas que não participam da vida comunitária, embora sejam poucos. “Alguns jovens preferem não estar na comunidade, mas são a minoria. Porém, já são frutos do nosso tempo, que vão permeando essa cultura”, analisa. Ainda assim, ressalta que é “um local onde Deus está muito presente e continuará nos próximos anos. Isso pode ser dito com toda segurança, porque os jovens sabem da importância de Deus nas suas vidas. Sabemos que o futuro dessa comunidade é louvar o nosso Deus”, salienta o padre.

Faria Lemos tem sua base nos moradores antigos, principalmente, e o padre Zatt aponta que são pessoas que permanecem no local porque realmente gostam. “É muito próximo da cidade e ao mesmo tempo é tranquilo. Portanto, consegue congregar as duas dimensões, a do mundo urbano e também de sossego, em que todo mundo se conhece e partilha da própria história”, conclui.

Dedicação à vida comunitária

Uma das famílias engajadas com a comunidade tem um trio de irmãs: Carina, Mirele e Milena. Para elas, o trabalho comunitário é gratificante e, por isso, são envolvidas em diversas atividades há muitos anos. Carina Poloni Buffon, 36, é responsável pelos batizados da igreja. “Sempre fui envolvida. Cuido dessa parte desde os 15 anos. A gente gosta de fazer esse serviço”, assegura.

Enquanto isso sua irmã gêmea, Mirele, trabalha atualmente como catequista e ainda ajuda na organização de festas.

Carina, Mirele e Milena: as três irmãs de Farias Lemos envolvidas com ações comunitárias na área da religiosidade

Milena Poloni Pergher, 42 anos, além de catequista, passou por várias outras atividades. “Sempre ajudei nas festas, trabalhando de garçonete nos almoços, com as minhas irmãs. Já fui do Grupo de Jovens, da Pastoral da Juventude e já fiz parte da Liturgia”, ressalta.

A professora aposentada, Janete Maria Petroli Buffon também participa da comunidade. Há quatro anos é coordenadora de catequese e diz que é um ótimo trabalho. “Temos, no distrito, 17 catequistas. Ano passado foi à distância, conseguimos nos adaptar, fomos amparadas pelo padre Daniel”, afirma. Janete acrescenta, ainda, que a vivencia comunitária faz bem às pessoas. “No momento em que começamos a participar, a gente vai sentindo cada vez mais o quanto é gratificante. Gosto dessa dedicação para com as pessoas”, afirma.

Janete é coordenadora da catequese há quatro anos

Crescimento é motivo de preocupação

Por gostar tanto de Faria Lemos, Milena Pergher afirma que “não trocaria por nenhum outro lugar”. A união é um dos motivos que fazem ela ter tanto apreço pelo distrito. “Se alguém precisa, a maioria ajuda de uma forma ou de outra. Quando caiu o parreiral de um amigo, por exemplo, o pessoal se reuniu e ajudou. Isso é legal”, elogia. Embora a maioria dos moradores se conheçam, a chegada de novos habitantes ao distrito está começando a transformar a realidade que as antigas famílias estão acostumadas. “Percebo que tem pessoas novas vindo morar aqui, que não conhecemos, e a gente se pergunta, quem será aquela pessoa? ”, conta.

Milena acredita que a pandemia da Covid-19 foi um dos impulsos para o distrito ganhar novos moradores. “O pessoal da cidade está procurando muito o interior, até por causa do coronavírus. Eles veem como um lugar mais tranquilo, e realmente é”, relata. Carina Buffon, tem a mesma percepção. “Aqui na loja, o pessoal pergunta onde tem terra ou terreno para comprar. É perto de Bento e, às vezes, é mais rápido sair daqui e ir ao centro, do que de um bairro, dependendo do trânsito”, compara.

O vice-presidente da Associação dos Moradores de Faria Lemos, Vanildo Enderle, admite ter receio da expansão. Será que com essa demanda a identidade do local vai permanecer intacta? Essa é a pergunta que ele faz. “Já estamos sendo invadidos pelas pequenas áreas rurais, estão começando a aparecer os condomínios e as pessoas da cidade estão vindo para cá. Eu não sei se isso não vai mudar demais a característica daqui”, alerta. Por enquanto, Enderle garante que Faria Lemos permanece sendo o distrito mais autêntico da região, mas se preocupa com as possíveis modificações. “Tenho esse receio, de perdermos nossa identidade. De uma área predominantemente agrícola, pode virar um lugar mais ou menos urbanizado”, acrescenta.

Vanildo Enderle teme que a expansão do distrito altere a identidade do local

Asfalto entre Faria Lemos e Vale dos Vinhedos

O distrito também está crescendo sob o ponto de vista do turismo com a Rota Cantinas Históricas de Faria Lemos, onde se concentram empreendimentos do ramo de vinícolas. É o caso da Vinícola Dal Pizzol, criada em 1974 pelos irmãos Antônio (recentemente falecido) e Rinaldo Dal Pizzol. O enólogo chefe, Dirceu Scottá, diz que um dos diferenciais do roteiro é que, embora seja um dos menores em número de empresas, é grande em atrativo visual. “Talvez seja onde o turista mais encontre vinhedos. Como se tem o alto de um vale, a vista é muito ampla”, afirma.

Sobre o que ainda pode melhorar no turismo da região, Scottá afirma que a ligação asfáltica entre Faria Lemos e Vale dos Vinhedos é uma necessidade. “Diria que é uma das principais obras e que daria um salto enorme no turismo. Tem projeto, até já iniciou em algum momento, mas parou”, aponta. E reforça que a obra, se concretizada, vai aumentar o fluxo de visitantes. “Quando tiver estrada asfaltada muita gente vai deixar de ir para a Europa para transitar por aqui. É um caminho que passa em meio aos vinhedos, no interior realmente”, reforça.

Enólogo Dirceu Scotta, da Dal Pizzol, afirma que “turista não circula por onde não tem asfalto”

No mesmo roteiro está a Vinícola Estrelas do Brasil, fundada em 2005 pelo sócio-gerente, Irineo Dall’ Agnol, e pelo uruguaio Alejandro Alberto Cardozo Rapetti. Inicialmente, o empreendimento nasceu para ser um hobby, mas hoje se transformou em um negócio. Na visão de Dall’ Agnol, o que falta para alavancar o turismo em Faria Lemos é infraestrutura. “Temos a ERS-431 asfaltada há vários anos, mas os acessos secundários não. Além disso, a manutenção demora e às vezes é feita a cada seis meses. Isso é ruim porque o turista vem de carro e quer condições melhores”, afirma.

Visão do vale encanta turistas que visitam Faria Lemos

O empresário reforça que é necessária mais atenção do poder público, principalmente para atrair empreendimentos à região. “Não adianta ficar asfaltando só os bairros, porque não é lá que os turistas vão. Tem que olhar mais para o interior e manter as regras rígidas”, opina. Para o futuro, a vinícola tem projetos que prometem atrair mais turistas, como uma pousada. “Vamos ter 21 refúgios, subterrâneos, de 100 metros quadrados, contemplando toda vista do Vale Aurora, para o público que deseja descansar”, antecipa.

Empresário Irineo Dall’ Agnol, com a esposa Mônica Cristofoli e o filho Pedro Antônio

Para saber

Safra 2021

O empresário Irineo Dall’ Agnol afirma que a expectativa para a safra desse ano é muito boa. “Até teve um refrão que os colegas da área usaram ano passado, que era ‘a safra das safras’, esse ano não sei o que vão inventar, se vai ser a safra da safra da safra”, brinca.

Em comparação com a safra de 2020, Dall’ Agnol afirma que a deste ano vai ser superior. “No ano passado tivemos calor excessivo, por isso degradou um pouco os ácidos e a uva ficou um pouco afetada em PH e acidez”, diz.

Mas destaca que “nesse ano tivemos menos calor e mais frio à noite. Então a uva está mais estruturada e a qualidade está muito sadia, sem problemas de podridão e com concentração alta de açúcar”, explica.

Crédito fotos: Suellen Krieger e Daniel Anderson