Enquanto Bento Gonçalves celebra os 150 anos da chegada dos imigrantes italianos que moldaram sua identidade, a família de Vanessa Putrick Rodrigues trilhou um caminho inverso. Longe de fugir da fome ou da guerra, como seus antepassados, eles buscaram em solo italiano as raízes que, paradoxalmente, os mantêm profundamente conectados à Serra Gaúcha.
A mudança para a Itália em 2014 não estava nos planos iniciais de Vanessa e sua família. “Viemos para fazer a cidadania italiana por via administrativa”, conta Vanessa. O objetivo, depois de obter os documentos, era seguir para Dublin. No entanto, um imprevisto mudou os rumos dessa jornada. “Houve uma demora no processo de cidadania e a escola dos filhos na Itália ia iniciar. Decidimos ficar no país e a escolha se revelou excelente”, celebra Vanessa. “A Itália é linda e tem sol o ano inteiro”, relata.

Filhos, Isabelle Meinert e Isaac Meinert

Encantos e desafios da adaptação
O que começou como uma espera burocrática transformou-se em um novo capítulo, repleto de descobertas e adaptações. Para Vanessa, a vida na Itália superou as expectativas. A beleza natural do país e o clima ensolarado são apenas alguns dos atrativos que a família encontrou.
Viver na Itália, para Vanessa, tem sido também uma imersão nos contrastes culturais que moldam as relações interpessoais. Ela observa uma diferença marcante na forma como as amizades são construídas. “Os italianos do Norte, onde vivo atualmente, são pessoas mais reservadas”, explica. “Suas amizades são feitas na escola média e perduram por toda a vida.” Essa dinâmica difere bastante da que ela estava acostumada em Bento Gonçalves, onde “brasileiros são mais abertos e dão mais espaço para novas amizades”, compara.
Além disso, as diferenças entre Brasil e Itália, segundo Vanessa, não se revelam de imediato nos aspectos culturais mais óbvios. Para ela, o que mais impacta é a segurança e a beleza impecável das cidades. “As diferenças culturais você não vai notar logo que chega na Itália”, afirma. “O mais evidente é a segurança, a limpeza nas ruas, a beleza das cidades. Poder andar sozinha à noite, por exemplo”, completa. Essa percepção destaca um contraste significativo no cotidiano, onde a tranquilidade de transitar livremente pelas ruas e a preocupação com a manutenção dos espaços públicos se tornam um diferencial notável na experiência de viver na Itália. É um aspecto que, para Vanessa, contribui para a qualidade de vida e a sensação de bem-estar em seu novo lar.

Vanessa Putrick Rodrigues e seu marido, Joel Rodrigues

Sabores e tradições que cruzam o oceano
A experiência de Vanessa e sua família na Itália seria incompleta sem um mergulho em sua rica e inconfundível culinária. Mais do que simples pratos, a comida italiana é um elo que transcende gerações, conectando o presente em solo europeu com as memórias afetivas e os sabores herdados de seus antepassados em Bento Gonçalves.
Para Vanessa, a mesa italiana revela tanto semelhanças quanto diferenças com o que se pratica na Serra Gaúcha. A paixão pelos carboidratos, o apreço por ingredientes frescos e a centralidade da refeição como momento de união familiar são pontos em comum que a fazem sentir-se em casa. Contudo, ela percebe nuances significativas no preparo e na apresentação. “A Itália preza mais pela simplicidade, usando ingredientes de excelente qualidade. Já no Brasil, muitas vezes, colocamos uma quantidade muito grande de ingredientes no mesmo prato”, comenta Vanessa. É uma redescoberta de sabores que, ao mesmo tempo que remete ao passado, apresenta novas e deliciosas particularidades.
Apesar de viver no berço da cultura italiana, Vanessa, uma bento-gonçalvense que fez o caminho inverso da imigração, observa uma diferença notável nas tradições. Para ela, a cultura italiana dos antepassados que pulsa em Bento Gonçalves tem nuances distintas da vivenciada no dia a dia da Itália. “Acho que uma parte de Bento Gonçalves vive a cultura italiana dos antepassados, mas na Itália cada região tem sua cultura. Não vemos aqui as mesmas tradições que permanecem em Bento Gonçalves”, reflete. Segundo ela, o dia a dia entre os dois países também é diferente: enquanto os brasileiros vivem na correria, os italianos têm mais tempo de qualidade. “O italiano aproveita mais a vida, não tem aquela correria. Gostam de sentar nas praças para tomar um café e ter uma boa conversa. Não foi difícil me adaptar”, conta.
Ao fazer o caminho de volta para as terras de seus antepassados, Vanessa levou consigo um dos mais emblemáticos símbolos da cultura gaúcha: o chimarrão. A cuia e a bomba são, para ela, uma conexão diária com o Brasil, um ritual que transcende a bebida e representa um elo com suas raízes. No entanto, essa nova vida na Itália também trouxe consigo a saudade. Ela sente falta do autêntico churrasco gaúcho, da informalidade das amizades e das conversas descontraídas que marcam a sociabilidade brasileira. Curiosamente, um costume que se assemelha e conforta Vanessa na Itália é a forte tradição de reunir a família aos domingos e em dias festivos. Essa prática, tão arraigada tanto no Sul do Brasil quanto na cultura italiana, oferece um ponto de conexão e familiaridade, reforçando a ideia de que, apesar das diferenças, o calor humano e os laços familiares continuam sendo pilares em ambas as culturas.

Um futuro com qualidade de vida e laços familiares
Embora a conexão com as origens familiares italianas tenha sido um facilitador, a decisão de Vanessa de fincar raízes na Itália vai muito além da herança cultural. Para ela, o grande atrativo e a principal motivação para permanecer no país residem em aspectos mais tangíveis do cotidiano. “O fato de vir de uma família com antepassados italianos facilitou sim a minha adaptação na Itália, mas o que mais me motiva em morar aqui é pela qualidade de vida, escola e segurança para os meus filhos”, revela Vanessa. Essa perspectiva sublinha que, para sua família, a Itália representa não apenas um retorno ao passado, mas, sobretudo, a construção de um futuro com bem-estar e oportunidades para as novas gerações.
Mesmo com a distância e a nova rotina na Itália, os laços com o Brasil permanecem inquebráveis para Vanessa e sua família. Ela revela que, há cinco anos, não visita seu país de origem. No entanto, essa distância física é encurtada pela frequência com que seus familiares fazem o caminho inverso, viajando de Bento Gonçalves para visitá-la. Essa ponte constante mantém acesa a chama das relações e assegura que a saudade seja sempre amenizada pelos reencontros, reforçando a conexão inabalável entre a família e suas duas casas.