A professora aposentada Nelcy Ballista recém completou 94 anos de idade. Ela é uma das pessoas que fazem parte da estatística que aponta: a expectativa de vida em Bento Gonçalves e região é uma das mais altas do estado e está acima da média nacional

Vaidosa, sim! De bem com a vida, também. E eternamente jovial no auge dos seus 94 anos completados no último dia 29 de abril. Tanto que ela mesma afirma: “Não sou uma pessoa idosa. Sou apenas menos jovem!”. É como se autodefine a professora aposentada Nelcy Ballista, uma amante das artes plásticas – especialmente a pintura – que mora no centro de Bento Gonçalves em um espaçoso apartamento que divide com quadros, móveis confortáveis e uma vasta e rica decoração. Uma das três filhas, todas professoras, de um casal de descendentes italianos, Nelcy nunca casou, não tem filhos, e ao longo da vida, além da atividade profissional, dedicou-se aos cuidados e acompanhou o crescimento de sobrinhos e sobrinhas.

Com uma vitalidade de fazer inveja à boa parte das pessoas com bem menos idade, atualmente as limitações físicas se restringem a alguns movimentos por conta de uma cirurgia a que foi submetida na coluna cervical. Faz fisioterapia uma vez por semana, exercícios de pilates, dorme tarde e acorda cedo todos os dias. Nelcy só parou de dirigir o próprio carro há cerca de dois anos, o que não a impede de sair para almoçar em um restaurante, todos os dias, e de pelo menos uma vez por semana tomar chá com as amigas. “Por causa da quarentena, e porque as academias estiveram fechadas, faço alguns exercícios em casa. Nem todos, por causa da cirurgia na coluna. E ainda aproveito os dias para tomar um pouco de sol porque a vitamina D também é boa para o organismo”, ensina.

Sem uma receita para a longevidade

“Moro sozinha, aqui no meu quadrado (brinca, referindo-se ao apartamento), e graças a Deus estou muito bem. Ao contrário de muitas pessoas que, quando começam a envelhecer, começam a ficar deprimidas porque não querem ficar velhas”, comenta. Nelcy não tem uma receita específica para distribuir a quem quer alcançar a longevidade. No seu caso, fala que nunca fumou e nem consumiu bebidas alcoólicas, aprecia a culinária típica italiana com galetos e massas, e que procura se sentir bem com a vida, assimilando o que surge com o passar do tempo. “As pessoas, quando chegam à terceira idade, não podem se entregar. Embora este seja um período em que começam a aparecer muitos problemas, é preciso procurar se sentir bem ao máximo”, diz, com ar professoral.

Mesmo que a idade vá avançando, as pessoas têm que se sentir bem com a vida que tem, porque essa é uma realidade para todo mundo. Todos vão envelhecer um dia.

Eu nem penso em me entregar (para a idade), tanto que moro sozinha, e isso causa admiração nas pessoas. Mas estou bem, muito bem! Não necessito de companhia.

Sou, sim, uma pessoa vaidosa. Acho até que deveria ser um dos segredos para a longevidade. Eu gosto de me arrumar, de estar bem apresentável quando isso é preciso, e não tenho vergonha de dizer isso.

Nelcy Ballista, professora aposentada, 94 anos

A longeva professora aposentada garante que cumpre as tarefas domésticas sozinha, com a ressalva de que duas vezes por semana recebe a visita de uma diarista que lhe auxilia nas tarefas mais pesadas. Sobre a alimentação, em época de pandemia da Covid-19 que lhe afastou do restaurante que frequenta há mais de 10 anos, diz que faz a própria comida, quando não recebe mimos de uma sobrinha que faz questão de cozinhar para agradar a tia. “Estes dias mesmo fiz uma sopa que dividi em potes e guardei para não ter que ir para o fogão toda hora”, revela, explicando que as massas de sua preferência são capeletti e “cabelo de anjo”.

Como professora, Nelcy conta que iniciou a ensinar no colégio São Roque, teve breve passagem por Veranópolis, mas consolidou a carreira nos colégios estaduais Bento Gonçalves e Mestre Santa Bárbara, do qual chegou a ser vice-diretora. Nas artes plásticas fez pós-graduação em Folclore, com ênfase para a cultura italiana. “Nosso trabalho de conclusão foi sobre os capitéis”, revela, mostrando cheia de orgulho “O Livro do Capitel”, que mostra imagens e conta as histórias de 113 capitéis, ou capelas, construídas à beira de estradas da região.

Minha família toda é religiosa. Também sou religiosa, devota de Nossa Senhora do Caravaggio e do Divino Pai Eterno. Frequento sempre as missas aqui na (igreja) Santo Antônio. Agora, por causa do isolamento, acompanho as missas pelo rádio.

Receita para a longevidade?… Acho que é, principalmente, a gente se sentir bem com a vida. Temos que aceitar o que nos aparece com a idade e, claro, ter alguns cuidados. Ter uma vida saudável é importante.

Nelcy Ballista, professora aposentada, 94 anos

Por que nossa longevidade está maior?

Aspectos sócio-econômicos, questões culturais e a eficiência da rede de saúde pública, que está acima da média na Região da Serra, são alguns dos fatores apontados pelo secretário Diogo Segabinazzi Siqueira, da pasta da saúde na Prefeitura de Bento Gonçalves, que contribuem para o crescimento da expectativa de vida dos bento-gonçalvenses e dos moradores dos municípios da região do Corede-Serra. “A população faz uma cobrança forte para que os municípios ofertem serviços com qualidade, especialmente os relacionados à área da saúde. Isso ajuda e é parte do conjunto de situações que faz com que a média de vida, aqui, seja um pouco mais elevada do que no estado e do que a média do Brasil”, avalia.

Mais voltado à área em que atua, o secretário Siqueira dá ênfase aos aspectos relacionados à saúde para que a população tenha uma expectativa de vida de 79,40 anos. “Os serviços da saúde têm influência forte, como os cuidados prestados desde o nascimento da pessoa. A atenção básica que é muito eficiente, a rede secundária de serviços médicos que também tem muita eficácia, sem contar a questão hospitalar. A gente não vê por aqui aquelas filas intermináveis esperando por atendimento, não vê pacientes nos corredores dos hospitais aguardando pelos serviços médicos”, falou. Ele lembrou que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região está acima da média, sem citar números, e que isso influencia na eficiência do serviço público.

Até quase os 80 anos

Quem nasce em Bento Gonçalves ou em qualquer um dos outros 31 municípios da área do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) Serra tem a terceira maior expectativa de vida do Rio Grande do Sul, conforme levantamento realizado pelo Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria Estadual de Planejamento, Orçamento e Gestão. Os dados pesquisados no período 2010 e 2018 e divulgados agora pelo governo do estado indicam que a Serra Gaúcha tem uma expectativa média de vida de 79,40 anos, acima da média do Rio Grande do Sul, de 76,89 anos e do Brasil, de 75,46 anos. Em relação aos demais países do planeta, na Serra Gaúcha a expectativa de vida é cerca de sete anos maior. Os municípios do Corede-Serra só perdem para os das regiões Norte e Nordeste do estado, respectivamente com expectativa média de vida de 80,10 e 80,05 anos.

O crescimento do índice, no território gaúcho, no período de 2010 a 2018 foi de 1,3 ano, enquanto para Bento Gonçalves e região alcançou 1,7. Os maiores crescimentos anotados na pesquisa são nos municípios do Corede-Norte, que chegou a 2,56 anos, e Corede-Nordeste, de 2,38. O levantamento também aponta que desde que os registros começaram a ser feitos, o período de maior crescimento percentual (0,61%) e nominal (0,48 meses) foi o de 2012-2014 sobre 2011-2013. Já a evolução da expectativa de vida de Bento Gonçalves no último período (2016-2018) corresponde aos mesmos índices de 2015-2017, tanto percentual (0,24%) quanto nominal (0,19 mês).

População Idosa

Considerando o crescimento da população idosa – com mais de 60 anos – conforme o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) na faixa de 8,5%, e a estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 120.454 pessoas para o ano passado, Bento Gonçalves teria atualmente cerca de 15,2 mil pessoas. Neste universo, o total de mulheres acima dos 60 anos (cerca de 65%) é de quase 9,9 mil, contra pouco mais de 5,3 mil pessoas do sexo masculino, também com idades acima dos 60 anos.

Fotos: Silvestre Santos e Arquivo