Adultos que precisam cuidar das crianças e de pessoas mais velhas sofrem com a pressão de atender diversas responsabilidades, trazendo uma sobrecarga emocional

Cuidar de filhos dependentes e, simultaneamente, de pais idosos está se tornando uma realidade cada vez mais comum para muitos brasileiros. Conhecida como “geração sanduíche”, esse grupo enfrenta um duplo desafio: equilibrar as demandas de duas gerações em momentos diferentes da vida. O fenômeno, como explica a psicóloga Joice dos Santos Bonetti, é alimentado por mudanças demográficas e sociais, como o aumento da expectativa de vida, a redução da taxa de natalidade e a crescente participação feminina no mercado de trabalho. “A geração sanduíche é composta em grande parte pelas mulheres. Autores afirmam que essa posição central na família gera sobrecarga, sobretudo para as mulheres que ocupam múltiplos papéis na sociedade. Já em relação aos homens, não se observa essas mesmas exigências nas famílias, por exemplo, se analisarmos pela perspectiva de que o homem seguiria trabalhando fora no papel do ‘provedor’”, salienta.

Uma geração sob pressão

O termo geração sanduíche reflete o papel central dessas pessoas na estrutura familiar. “Elas precisam se dividir entre o cuidado com os filhos e os pais, acumulando responsabilidades que frequentemente levam à sobrecarga física e emocional”, destaca Joice.

Ela ressalta os principais desafios emocionais da geração. “A possibilidade de isolamento social em que o sujeito fica com a vida social comprometida, muitas vezes impossibilitado de trabalhar fora, ou então fica restrito do trabalho para casa e vice-versa. Em função dessa rotina maçante onde precisa se dividir com os cuidados com a casa, a relação com cônjuge, a vida profissional, e, transitando nos papéis de forma intensa e desafiadora, isso, faz com que o sujeito desenvolva, além do cansaço físico e mental, o estresse e doenças como a depressão, pois, é comum abdicarem de objetivos e sonhos da sua vida em função de se tornarem cuidadores”, afirma a psicóloga.

O peso de atender a múltiplas demandas leva ao esgotamento. “Há um sentimento de culpa ou insuficiência por não poder atender plenamente às necessidades de todos, o que pode gerar o transtorno de ansiedade. Pelo fato do estresse e sobrecarga física e emocional, a comunicação pode ficar prejudicada e vir o desgaste nas relações” explica Joice.

Adaptar rotinas promove bem-estar na convivência entre gerações, transformando desafios em aprendizados intergeracionais

Desafios ao lidar com as diferenças

Conflitos geracionais também podem surgir. Diferenças de valores entre pais idosos, filhos e netos podem dificultar a convivência. “Adultos nascidos em décadas distintas tendem a pensar e agir de maneiras diferentes. Isso, pode causar desentendimentos, caso não seja falado com as crianças e principalmente com os adolescentes, já que é uma fase onde surgem muitos questionamentos”, pondera.

Segundo a psicóloga, é fundamental manter espaços de diálogo para minimizar desentendimentos e fortalecer os vínculos familiares. “No consultório percebo por parte dos pais certa frustração pelo fato de seus filhos não darem tanta atenção aos avós, e, por parte da criança e/ou adolescente se sentirem incompreendidos pelos pais. Ressalto a importância dos pais priorizarem espaços de diálogo e escuta com os filhos, para que os mesmos possam falar sobre suas percepções, dúvidas e até mesmo sentimentos de ambivalência”, comenta.

Joice aborda que a compreensão e certas demonstrações de afeto dos netos com os avós envolvem diversos fatores. “Como a qualidade desse vínculo, a maturidade desse filho e por último, os filhos seguem nosso modelo, como nós costumamos agir com a família, na resolução de problemas e situações em geral. Isso pode contribuir para um melhor convívio nas relações dentro e fora de casa”, frisa a especialista.

Ela pontua que os filhos não podem ser deixados de lado em detrimento dos pais. “O esperado é que pais não deixem em segundo plano seus filhos. O ideal é que um filho até se tornar adulto, seja assistido pelos pais. É preciso direcionamento até que voem com suas próprias asas. Processo este que poderá ficar comprometido se os pais estiverem excessivamente submergidos cuidando dos próprios pais”, afirma.

Sobre esse assunto, ela reforça que, seja na infância ou na adolescência, os filhos demandam acompanhamento e atenção. “Do olhar que nutri afetivamente e não somente do sustento que os pais provêm, o afeto é essencial para o desenvolvimento saudável dos nossos filhos. E se os pais que são cuidadores não possuírem clareza e uma boa rede de apoio familiar, esse vínculo pode ficar comprometido”, evidencia.

Quando o trabalho entra em jogo

Para muitos integrantes da geração sanduíche, a carreira é um dos primeiros aspectos a sofrer impacto. Horários inflexíveis e a falta de apoio dificultam o equilíbrio entre trabalho e cuidado familiar. Luciane Fellini Celso, pedagoga e mãe, compartilha sua vivência. “Precisei há um ano mudar de emprego, pois tinha muita pressão no trabalho e não conseguia conciliar tudo, emocionalmente falando. O que percebo que dificulta, é o fato de não ter uma liberdade de horário, por não ser autônoma ou ter uma atividade mais flexível em horários. Essa semana mesmo meu pai esteve hospitalizado e pude ir somente à noite vê-lo ou ficar como acompanhante”, afirma.

Joice corrobora sobre a questão do trabalho, relembrando casos no seu consultório. “Os relatos são de que não é nada fácil equilibrar a vida pessoal e profissional diante da tarefa de cuidar de filhos em idade escolar e ao mesmo tempo dar suporte aos pais na velhice. É provável que haja desinvestimentos na área profissional, como horas reduzidas, habilidades não desenvolvidas e oportunidades perdidas, pela falta de tempo e exaustão”, pondera.

Outra dificuldade enfrentada por essa geração é a financeira, como lembra Joice. “A questão financeira pode se tornar uma dor de cabeça, pois, em alguns casos não teve planejamento por parte do adulto maduro, que se depara com as limitações derivadas do envelhecimento, o que pode tornar as coisas mais difíceis para todos”, pondera.

Saber conciliar o tempo de cuidado com os filhos e os pais é crucial para manter a saúde mental

Relatos pela própria geração

Luciane, que tem os pais já com certa idade, compartilha que felizmente seus pais ainda são muito independentes e relativamente saudáveis. “Os auxilio mais com resoluções de alguns problemas ou situações rotineiras voltadas às questões de manutenção da casa ou algo que envolva tecnologia. Sendo assim, é mais tranquilo manter tudo organizado devido a independência dos meus pais”, conta.
Ela fala que a principal dificuldade é ser filha única, já que acaba tendo que resolver os problemas familiares sozinha. “Durante a semana procuro dar mais atenção a rotina do meu filho devido às tarefas escolares, no turno da noite. Já no final de semana atendo as necessidades dos meus pais e intercalo com atividades de lazer em família”, frisa Luciane.

Segundo ela, a vida social é impactada também, porém ela procura manter alguns vínculos para ter um equilíbrio emocional melhor.

Por fim ela fala sobre suas inquietações para o futuro. “Minha preocupação maior é com o futuro, quando meus pais estiverem realmente debilitados, uma vez que sou filha única, então realmente não vejo como conciliar carreira profissional e os cuidados, que com certeza eles irão precisar”, reitera.

Outra integrante da geração sanduíche, que não quis se identificar, compartilha sua experiência como mãe de uma criança de 11 anos e filha de um casal de 90 e 84 anos, ambos em tratamento médico. “Para equilibrar os cuidados, sentei e conversei com meu filho, onde ele entendeu muito bem a situação e me ajuda nos dias com maior dificuldade, me dá carinho e apoio. Me tornei mãe dos meus pais. É difícil e desafiador, porque eu gostaria de só ser só filha. Sinto bastante carência, porque tenho que ser forte a maior parte das vezes e demonstrar que está tudo bem e que vão poder se apoiar em mim no que precisar”, salienta.

Ela afirma que não consegue dedicar um tempo para si mesma. “Isso me frustra, porque acabo sempre deixando para um segundo plano. O apoio vem de mim mesma e acaba afetando um pouco meu lado profissional, porque exige um tempo maior para os familiares”, assume.

Estratégias para aliviar a sobrecarga

O autocuidado é essencial para evitar o esgotamento. Joice enfatiza a importância de buscar apoio emocional, seja na família ou na psicoterapia. “É importante obter um suporte para dividir essa carga, fortalecendo o sujeito, buscando um equilíbrio entre as diversas demandas na vida e encontrar maneiras de tornar essa vivência, dentro do possível, menos traumática e mais saudável, adaptando melhorias de acordo com a realidade da pessoa que enfrenta essa situação. É recomendado que essas pessoas possam não se cobrar tanto e entender que nem tudo vai estar ao seu alcance”, enfatiza.

Para Luciane, encontrar momentos para si mesma ajuda a aliviar a pressão. “Procuro, dentro do possível, reservar um momento do dia voltado para mim, seja em uma rotina de autocuidado ou até mesmo em algo que eu goste de fazer, isso ajuda a aliviar a pressão”, diz.

Aplicativos de organização também podem ajudar, mas, como alerta Joice, a saúde mental deve ser prioridade para que qualquer ferramenta seja eficaz.

Aprendizados intergeracionais

Apesar dos desafios, a convivência entre gerações também oferece aprendizados valiosos. “Aprendemos com a sabedoria dos nossos pais e com a ingenuidade dos nossos filhos, que mesmo em situações difíceis mantêm a alegria e a tranquilidade”, reflete Luciane.

Segundo Joice, planejar o futuro, buscar apoio e reconhecer as próprias limitações são passos importantes para transformar a experiência da geração sanduíche em algo menos desgastante. “Imaginamos que o envelhecimento é um destino, e para isso, é preciso planejamento, então, devemos buscar referências desse ‘lugar’, conversamos com quem já foi, o que a pessoa nos indica fazer que deu certo, bem como, o que não é recomendado. Ou seja, conversar e até a convivência com quem já viveu 20 ou 30 anos a mais que a gente pode ajudar a nos prepararmos, inclusive, para o nosso próprio envelhecimento, nos precavermos e nos organizarmos melhor para um possível ‘lá na frente’”, indica.