Às 19h30min de sábado, dia 16, a Rua Coberta vai receber um evento diferente do que a população está acostumada a ver nas apresentações culturais que acontecem na cidade. Os participantes garantem que será um ritual cheio de cores, música e alegria. Celebrando o Mês da Consciência Negra, o bento-gonçalvenses vão poder prestigiar o primeiro Encontro de Kimbandeiros de Bento Gonçalves.

Inédito na cidade, o evento surge como uma conquista dos praticantes de religiões de matriz africana. Anahí Cardoso de Miranda, a Mãe Anahí de Oxum, diz que o encontro tem como principal objetivo mostrar a força dos kimbandeiros. “Queremos mostrar a verdade sobre a nossa religião, permitir que a sociedade tenha a oportunidade ver com seus próprios olhos o nosso culto, quebrando tabus e preconceitos ainda muito presentes em nosso município”, destaca.

Ela salienta que a partir da criação do Conselho dos Povos de Matriz Africana eles estão conseguindo mais espaço. “Após este feito histórico, estamos em um trabalho constante em busca de reconhecimento perante a sociedade civil. Hoje temos a oportunidade de mostrar a nossa versão da história. Antes quase não se ouvia falar das memórias do povo negro com seu credo e cultura. Agora temos a nossa voz”, afirma.

O evento também é uma maneira para que a população tenha contato com a doutrina e desmistifique alguns preconceitos que se solidificaram quando se fala em religiões de matriz afro, como explica Rafael Gorga, o Pai Rafael do Cigano Ramires. “Ainda dizem que somos adoradores do diabo, uma seita satânica, mas é tudo ao contrário. Cultuamos a paz e o amor. É a nossa bandeira. Queremos quebrar esse paradigma que fazemos maldade para os outros”, afirma.

João Alberto Alberto Ramos, o Pai Beto do Oxalá Talajó, diz que, mesmo com as dificuldades, hoje os povos de matriz africana estão conseguindo ampliar o espaço na sociedade. “A gente vem galgando isso há muito tempo. O encontro vem para a gente desmistificar essas coisas negativas que falam sobre nós e convidar toda a sociedade de Bento para se fazer presente. É um ritual religioso. A gente contempla a alegria, as cores, musicalidade”, destaca.

Para ele, esse é o momento de mostrar a diversidade das religiões existentes no município. “Não queremos ficar escondidos, porque não estamos fazendo nada de errado. É um culto religioso que vamos trazer para o público. O evangélico vai para a rua com o microfone, a igreja católica tem as procissões e seus santos. Estamos indo para mostrar nossa expressão. Cumprimos horário, regras. Temos direitos e deveres”, salienta.

Para ele, há esperança na quebra desses paradigmas, já que estão conseguindo avançar. “A gente está discutindo com a sociedade essa situação, esse preconceito que existe. Vamos debater o assunto, trazer a inquietação. Muitas vezes somos representados por outras pessoas, alguém que leu sobre o assunto. Nós vivemos isso no dia a dia e queremos mostrar para a sociedade como é”, aponta Pai Beto.

O que é a kimbanda

A religião é uma derivação da umbanda, que é conhecida como a linha branca, pela cor das vestes dos praticantes. “Na kimbanda a gente se veste de vermelho, preto, colorido. Trabalhamos com espíritos que voltaram e têm essa oportunidade de vir resgatar algo do passado. São seres muitos mais próximos da gente porque viveram aqui. Estamos trazendo para rua para mostrar o que é essa linha preta, como muitos conhecem. As pessoas vão ver mulheres com vestidos, saias de armação, pintadas, arrumadas. Queremos mostrar o quanto é belo o dançar o movimento, a alegria. Kimbanda é isso”, afirma Pai Beto.

Segundo ele, como na umbanda, também são feitos rituais, oferendas e aberturas de caminho. “A gente é muito ligado à naturez. A chuva, o vento, o trovão, o fogo, o ar, tudo é de suma importância. Esses elementos nos ajudam. Estamos fortalecendo uma consciência ambiental de não fazer despacho na rua, pois agride o olhar do outro, que não entende, e também o meio ambiente. Temos que ir para um lugar específico, que é mato, enterrar o despacho para não deixar ali se deteriorando. Estamos trabalhando muito isso entre os irmãos. A gente quer viver em uma sociedade de paz, democrática”, completa.

Mãe Anahi explica que a Kimbanda é um culto aos ancestrais, espíritos desencarnados que hoje se encontram em processo de evolução espiritual, vindo ao campo terrestre para trazer ensinamentos aos encarnados. “Ao contrário do que falam, Exu e Pomba Gira não são demônios, bem pelo contrário, são espíritos de muita força e verdade, que nos aconselham e nos protegem. Eles representam a força, o movimento, a verdade”, esclarece.
Segundo o Pai Rafael, os kimbandeiros trabalham com a parte negativa do ser humano. “Hoje temos a raiva, inveja, ira. Esses Exus vêm para limpar o ser humano dessa maldade. A gente vem tirar a negatividade do mundo. Acreditamos que a maior doença do mundo é espiritual”, salienta.