A recente liberação do empréstimo consignado para trabalhadores tem gerado discussões sobre seus impactos na economia e nas finanças familiares. Para entender melhor essa medida, o Semanário ouviu Mosár Leandro Ness, Doutor em Economia Internacional e Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica e Social da Universidade de Caxias do Sul, que oferece uma análise detalhada sobre o tema.
A liberação do empréstimo consignado para o trabalhador significa um alívio para quem possui problemas para fechar as contas, já que oferece uma alternativa com juros menores que os empréstimos convencionais. Entretanto, as famílias precisam estar conscientes que de que o empréstimo significará uma diminuição da renda nos meses seguintes. “ A renda da família permanece a mesma. O que vai acontecer é que quando contraído o empréstimo consignado, você vai antecipar uma renda do futuro para o presente. Então, no primeiro momento, você pode então consumir ou quitar uma dívida, caso você tenha alguma dívida em que os juros sejam mais elevados do que aqueles propósitos para o empréstimo consignado, você vai quitar essa situação. A partir do mês seguinte, é que o impacto vai ser sentido como uma redução da tua renda do mês. Você vai ter um decréscimo da ordem de 30% que é a parcela que você tem que saudar do empréstimo consignado”, explica Ness.
Segundo dados da Confederação Nacional de dirigentes lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 41,5% da população adulta brasileira está inadimplente, totalizando 68,76 milhões de pessoas. O número é 3,22% maior em relação ao período do ano passado.
Expectativas da medida

Sobre o potencial do empréstimo para impulsionar o consumo ou aumentar o risco de endividamento, Ness explica que o principal foco é auxiliar as pessoas que já estão endividadas. Para estes, o recurso pode ser utilizado para adquirir bens ou até mesmo trocar um veículo por um de menor valor. “As pessoas que são devedores contumazes já estão contraindo empréstimos e se tornando mais endividados e o pior, no próximo mês, eles vão ter uma renda menor. Dessa forma vai ocorrer um decréscimo na renda, porque o 30% já vai ficar retido na fonte do teu salário”, alerta Ness, que complementa a necessidade de analisar profundamente a decisão. Nesse caso o empréstimo consignado se justificaria para trocar uma taxa mais alta por uma taxa mais baixa de juros, por exemplo, quitar uma dívida de cartão de crédito.
Segundo os dados do CNDL e do SPC a população entre 30 e 39 anos representa 23,81% dos inadimplentes, cerca de 17 milhões de pessoas negativadas, representando 50,13% dos brasileiros deste grupo. Para o presidente do CNDL, José César da Costa, as altas taxas de juros e a inflação dos alimentos é o principal causador das dívidas entre a população de baixa renda.
Nesse cenário, Ness salienta também que o empréstimo não deve aumentar o crescimento econômico nem o poder de compra do trabalhador. Tratando-se de uma medida emergencial, e que seu caráter de endividamento não deve ser ignorado.
Para pessoas que não possuem dívidas preexistentes, o economista orienta que seja feito um empréstimo normal, com a empresa de venda, principalmente para bens que possuem maior valor agregado. Como, por exemplo, para a compra de um carro, já que nesses casos o próprio bem é utilizado como garantia, não comprometendo assim a renda diária. “Só é vantajoso quando você já está endividado e tem que fazer a troca de taxas mais altas por taxas mais baixas”, afirma Ness.
Impactos locais
“Momentaneamente, o benefício é que você injetaria uma parcela no consumo local de forma mais rápida. Você teria aí um uma um novo Dia das Mães, um 13º antecipado, então o beneficio seria a antecipação da renda. Entretanto, eu não vejo como beneficio, pois o empréstimo significa uma redução da renda durante 48 meses”, explica Ness a respeito da expectativa de maior poder de compra para a população.
O economista também levanta a questão da segurança do trabalhador. “Eu não vejo como um benefício para o empregado, porque um trabalhador que, tendo contraído um empréstimo, e após ocorra a demissão, ele perde parte do seu benefício de FGTS. Nessa situação, ele está utilizando uma garantia trabalhista com a qual não poderá contar futuramente”, afirma Ness.
Ainda segundo os dados do CNDL e do SPC, o maior percentual de inadimplentes encontra-se na região Centro-oeste, com 43,80% da população adulta, equivalente a 29,72 milhões de pessoas, seguido pelo Nordeste com 40,38% da população, cerca de 18,22 milhões de pessoas, e pela região Sul com 35,70% da população adulta endividada, 8,92 milhões de pessoas.
Quanto às taxas de juros, Ness explica que elas vão depender da instituição financeira e também das condições de crédito do contratante, no caso do trabalhador. Fatores como tempo de trabalho na empresa influenciam a avaliação de risco e, consequentemente, a taxa oferecida. Ele cita variações de 1,6% a 3,17%, com algumas instituições chegando a 4,5%. “Os bancos vão sempre trabalhar neste alinhamento. Ou seja, não vão variar muito a taxa. Não vai haver grandes saltos para mais e para menos entre os bancos. Tradicionalmente, isso é o que ocorre”, explica Ness, que aponta ainda a necessidade de educação financeira da população. “A maioria da população brasileira não tem uma educação financeira, não tem o planejamento com os gastos básicos e com o quanto pode comprometer dessa renda. Além disso, a população não corta a fonte de endividamento, que é o cartão de crédito. Ao quitar a dívida deve-se cortar também a raiz da dívida e planejar como viver com o que é recebido”, pontua.
Impactos no âmbito nacional
Quando um consumidor compromete mais de 100% de sua renda, não contribui para o crescimento da economia. “A formulação de um programa de empréstimos de larga escala. Com o objetivo de promover o crescimento da economia não resolve. O que resolve para o crescimento sustentável da economia a longo prazo é a poupança. Poupar resolve. Se, vamos começar pelo seguinte, se as famílias poupam, se as firmas poupam e se o governo poupa, obviamente você vai ter mais dinheiro para emprestar para quem necessita, há uma taxa de juros muito menor”, explica Ness.
Na década de 60 até 70, quando foi resolvido a questão da inflação por meio da indexação das dívidas, o Brasil teve uma taxa de crescimento de mais de 10%. “Isso ocorreu porque o Brasil estava alicerçado na poupança. Na identidade macroeconômica, ela tem que ser igual ao investimento”, esclarece.
Para evitar que o crédito consignado se torne um ciclo de dependência, Ness enfatiza a importância da educação financeira. “A principal medida seria disseminar entre os trabalhadores a ideia da educação financeira para que ele não contrate mais empréstimos do que ele de fato pode”, enfatiza. Porque o empréstimo consignado reduz o risco para o devedor, no caso para o devedor não, para quem emprestou o dinheiro”, podenera.
A garantia do desconto em folha diminui o risco de inadimplência para o banco.
Entre os negativados, a maioria das dívidas foram contraídas com bancos, segundo dados do CNDL e do SPC, e, em média, a soma das dívidas representa R$4492,09 por pessoa.
Ao abordar a situação dos trabalhadores de baixa renda, Ness enfatiza sua maior fragilidade, porque há um gasto maior do que sua renda permite. “É necessário orientar o trabalhador a respeito do uso dos empréstimos. Porque existem situações que são danosas, como simplesmente comprar uma televisão. Já que serão 48 meses em que haverá um comprometimento da renda em prol da televisão”, orienta.
Ao analisar uma perspectiva futura do empréstimo consignado para trabalhadores, Mosár Leandro Ness, acredita que esta deverá ser uma medida fixa. Entretanto, se esta situação levar a uma condição de endividamento extremo e uma recessão econômica muito alta, pode ser considerado novas estratégias ou até mesmo um cancelamento. Ele adverte ainda que, como toda medida que leva ao endividamento coletivo, deve ser avaliada com cautela. “Pois pode aprisionar o trabalhador na condição de um ciclo de vida perverso e vicioso. Porque não consegue mais realizar uma troca de emprego devido a dívida”. Ele defende que o crescimento econômico sustentável se baseia na poupança, e não no endividamento.