Em 2021, de janeiro a agosto, 36 crianças ficaram sem a paternidade em seu documento. Em 2022, no mesmo período, número saltou para 60. Com isso, em média, a cada 18 bebês, um fica sem o nome do genitor
A condição de nascer e ser registrado com os nomes de seu pai e sua mãe é, aparentemente, algo corriqueiro – um direito no qual todos os brasileiros estão expostos ao serem concebidos no mundo. Apesar disso, essa circunstância não incide sobre todos. No Brasil, de janeiro a agosto deste ano, 115.342 recém-nascidos não tiveram o registro paterno em suas certidões. Em Bento Gonçalves, o ritmo dessa atitude parece crescer, já que de 2021 para cá, crianças sem o nome do genitor são 66% mais comuns.
Na Capital Nacional do Vinho, em média, a cada 18 bebês, um entra nessa condição. Somente em 2022, de janeiro a agosto, dos 1.015 recém-nascidos na cidade, 60 possuem o pai ausente no registro. Esse dado se torna mais alarmante ao comparar com o ano passado, pois, durante o mesmo período, houve 1.071 nascimentos, mas 36 sem o devido registro dos genitores. Portanto, a atitude paterna de não registrar a própria criança está em ascensão, se aproximando da duplicação de casos.
Considerando os meses do ano, não é possível estabelecer um padrão de porquê um período específico pode ser mais sucessível a essa falta de registro. Todavia, em Bento, abril e agosto foram os que mais acumularam episódios de pais ausentes, com 11 incidências cada. A média, para o ano, até agora, se fixou em 7,5 bebês sem paternidade reconhecida. Ainda em termos comparativos, a média de 2021 foi abaixo, 3,5, ressaltando, novamente, o patamar para o qual o problema se dirige.
Todo os dados, avaliados pelo Jornal Semanário, se originam do Portal de Transparência dos Cartórios de Registro Civil. A seção de “pais ausentes”, dentro da plataforma, foi disponibilizada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Os números servem como um lembrete das responsabilidades que necessitam ser compartilhadas, segundo enfatiza o presidente do órgão, Gustavo Renato Fiscarelli. Por conta disso, registradores estimulam o reconhecimento da paternidade a partir de divulgação, programas, ações e mutirões.
Como registrar?
Desde 2012, o processo para registrar um filho pode ser feito diretamente em qualquer Cartório de Registro Civil, a qualquer hora, não sendo mais necessária a decisão judicial. Basta que a mãe consinta com a ação, no caso de a criança ainda ter menos de 18 anos. Se o filho chegou a maior idade, então basta que ele aceite a condição. Desde 2017 também é possível realizar o reconhecimento de paternidade socioafetiva, para aqueles que criam a criança, mesmo sem vínculo biológico.
O representante do Cartório de Registro Civil de Bento Gonçalves, Gerson Tadeu Astolfi Vivan, além de ressaltar a facilidade de se registrar o genitor, atualmente, também reforça outra possibilidade de fazer isso acontecer. “Orientamos a mãe para que indique o pai e, se ele não comparecer no dia do registro, ou posteriormente, nós remetemos à direção do foro. Lá, esse homem vai ser chamado, e aí vai reconhecer ou não a paternidade. Há um procedimento que segue, sendo a instalação de um processo, com as provas e testes de DNA, por exemplo”, explica.
Sendo mãe e representando um pai
Como visto nos dados, a realidade de uma mãe que precisa lidar com a ausência do pai da criança, até no registro, não é incomum em Bento Gonçalves. O Jornal Semanário conseguiu entrevistar uma mulher que vive essa situação, de ser mãe e representar também o papel de pai. Maria (nome fictício), de 22 anos, tem uma filha de sete meses de idade, que não teve a paternidade reconhecida até agora.
Segundo Maria, desde que a pequena nasceu, o homem passou a desconfiar se a bebê era, de fato, sua filha. Sem querer prestar os devidos registros, ele memo solicitou um exame de DNA, para se certificar da paternidade. “Feito isso, saiu o resultado, dizendo que [a criança] era dele, como de fato eu já sabia. Porém, só fiz [o teste] porque ele insistiu”, lembra.
Foto: Reprodução
Mesmo com a confirmação, o rapaz não foi atrás de registrar a bebê, que permaneceu somente com o nome da mãe. Apesar disso, com a certificação de DNA, Maria conseguiu entrar com processo para pedir pensão alimentícia, na qual ele foi obrigado a pagar. Durante o procedimento jurídico, o indivíduo chegou a mencionar que iria registrar a filha em cartório.
Meses se passaram e a situação não mudou, pois Maria segue prestando todos os cuidados necessários à filha, sozinha. O pai da bebê, além da pensão, passou a cuidar da criança durante três horas aos sábados, único momento em que fica sozinho com ela. “Esse processo [de criação] foi complicado, pois gostaria de ter o parceiro ao meu lado, mas como nada disso aconteceu, devido às divergências do nosso relacionamento, eu aguentei firme, digamos assim. Tive apoio de amigos e familiares e tenho até hoje esse suporte”, declara.
Atualmente, o homem relatou a ela que abriu o processo para que pudesse reconhecer a paternidade, e pediu para que Maria seguisse aguardando. “Particularmente não faz diferença se ele registrar ou não, pois quando preciso de algo não posso contar com a ajuda dele, então ele seria apenas pai de papel, porque de verdade, não é”, pontua.