Doença é um dos assuntos da campanha Fevereiro Roxo e acomete mais de um milhão de brasileiros. Perda de memória recente, alterações comportamentais e cognitivas são os principais sintomas
A campanha Fevereiro Roxo visa trazer conscientização sobre a prevenção, diagnóstico e combate de três doenças crônicas que não têm cura: a fibromialgia, o lúpus e a Doença de Alzheimer. Na última edição do Semanário, lúpus e fibromialgia estiveram em pauta.
A Doença de Alzheimer é um tipo de demência, que se caracteriza como transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal que se manifesta pela deterioração cognitiva e da memória, comprometimento progressivo das atividades de vida diária e uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e de alterações comportamentais.
De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 1,2 milhão de pessoas vivem com alguma forma de demência e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano no Brasil. Em todo o mundo, o número chega a 50 milhões de pessoas. Segundo estimativas da Alzheimer’s Disease International, os números poderão chegar a 74,7 milhões em 2030 e 131,5 milhões em 2050, devido ao envelhecimento da população. Esse cenário mostra que a doença caracteriza uma crise global de saúde que deve ser enfrentada.
A neurologista Natalia Dressler Camillo esclarece que os principais sintomas da doença são a perda de memória recente, alterações comportamentais, disfunção executiva (desaprender atividades), problemas de cognição, linguagem, aprendizado e sistema motor comprometido. “O risco de desenvolver a doença aumenta com o envelhecimento. Não existe uma idade específica para que o distúrbio se manifeste, mas é mais comum que se desenvolva a partir dos 65 anos”, informa.
Existem estágios de evolução da Doença de Alzheimer. Na forma inicial, ocorrem alterações na memória, personalidade e nas habilidades visuais e espaciais. Nessa fase, a pessoa começa a ter leves esquecimentos e apresenta certo prejuízo funcional. “Existe uma escala clínica médica para medir a progressão da patologia. Geralmente, é nessa fase inicial que os acometidos ou a família procuram atendimento médico”, ressalta a neurologista.
No estágio moderado, ocorre dificuldade de manejo do doente, alterações do ciclo circadiano, principalmente insônia e sono de má qualidade, além de mudanças comportamentais, somados aos os sintomas da fase leve. O paciente apresenta agitação, dificuldade para falar e realizar tarefas simples.
Nas fases mais avançadas, o paciente fica acamado e totalmente dependente. Ocorre distúrbio de deglutição, mutismo, incontinência e deficiência motora progressiva. “Não existe cura para o Alzheimer, então necessariamente a doença vai ter esse curso, mas existem medicações para aliviar esses sintomas e retardar a velocidade da evolução”, orienta Natalia.
Pessoas que possuem parentes de primeiro grau com Alzheimer têm maiores chances de apresentarem a condição conforme envelhecem. Isso não significa que, obrigatoriamente, ela vá se manifestar. “Existem exames genéticos para a identificação de uma possível predisposição a Doença de Alzheimer. Porém, não testamos pessoas assintomáticas, justamente porque o início e a evolução do quadro não dependem unicamente do fator genético”, alerta.
Conforme a neurologista, o que mais importa, principalmente quando há manifestação tardia da enfermidade, são as influências ambientais, ou seja, a forma como se leva a vida ao longo do tempo. Fatores como tabagismo, alcoolismo, sedentarismo, alimentação pouco saudável, risco cardiovascular não controlado, doenças mentais, depressão e baixa escolaridade são bastante prejudiciais e podem contribuir para desencadear a enfermidade. Por isso, mesmo quando há predisposição genética, pode ser que o Alzheimer nunca se manifeste, no caso de pessoas que tiveram hábitos saudáveis por toda vida.
A Doença de Alzheimer não possui cura, mas existe tratamento para o alívio dos sintomas. No Brasil, centros de referência do Sistema Único de Saúde (SUS) oferecem tratamento multidisciplinar integral e gratuito para pacientes com Alzheimer, além de medicamentos que ajudam a retardar a evolução dos sintomas. Os cuidados dedicados às pessoas com Alzheimer, porém, devem ocorrer em tempo integral. “É importante ter uma avaliação médica adequada. A Doença de Alzheimer é a mais comum, mas existem outros tipos de demências, além dos casos que se manifestam de formas atípicas, que necessitam de abordagens médicas diferentes. Basicamente, demência é o termo utilizado para determinar alteração cognitiva que causa perda de funcionalidade, e cada demência tem características distintas”, completa.
O cuidador precisa ser cuidado
Segundo a médica, é fundamental que exista uma rede de apoio grande, com atuação multidisciplinar, juntamente com a presença da família e pessoas queridas. Além da orientação médica, também se faz necessária a intervenção de um fisioterapeuta, para manter a mobilidade do paciente, bem como um fonoaudiólogo, para manter a linguagem e evitar o distúrbio de deglutição. “O cuidador também é essencial na vida de um paciente diagnosticado com Alzheimer. A pessoa precisa de um cuidado com gentileza e carinho. É preciso entender que há dias mais difíceis, e que ela não está fazendo nada de propósito, é a doença se manifestando. Também é interessante estimular esse paciente com coisas que ele já gostava anteriormente, como música, por exemplo. O cuidador tem que estar preparado para lidar com situações difíceis, e pode ficar sobrecarregado”, finaliza a profissional da saúde.
Trabalhando há um ano e quatro meses na função, Andrea Cesa Boeira, 53 anos, cuida de uma senhora de 83 anos. Dona Maria Helena, como é conhecida, começou com os primeiros sintomas de demência há três anos. Mãe de uma grande amiga de Andrea, a idosa tem supervisão 24 horas por dia, pois perdeu totalmente sua autonomia, e não tem condições de ficar sozinha. A equipe de cuidados da paciente é grande e completa e a família é bastante atuante, não medindo esforços para o tratamento e conforto da paciente.
Segundo Andrea, Maria Helena era muito ativa, gostava de teatro, shows, viagens e era quem organizava tudo e cuidava de todos da família. Após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC), passou a apresentar os primeiros sinais de demência. Como sequela do AVC, a senhora de 83 anos perdeu sua autonomia, o que gera muita irritação, agressividade e a deixa confusa. “Uma vez ela começou a recolher todos os quadros das paredes e disse que queria levar de volta para sua casa. O problema é que ela já estava em casa, só que já não reconhecia mais. Aprendemos a lidar com as chamadas ‘mentiras terapêuticas’. Não batemos de frente e dissemos que a mudança iria acontecer no dia seguinte, então ela se acalmou. Depois, ela não lembrava mais, e desistiu da ideia”, relembra.
A cuidadora de idosos faz parte de um grupo de mensagens com a família e os outros profissionais que auxiliam Dona Maria Helena, onde montam estratégias de manejo e acompanham a rotina da senhora. “O apoio e cuidado da família fazem toda diferença. A doença vai progredindo, então é importante que a família passe por uma fase de aceitação e aprenda a lidar com a situação”, destaca Andrea.
A profissional comenta que é preciso ter cuidado para não adoecer junto com o paciente, pois é algo pesado, difícil. “É uma doença triste, na qual temos que lidar com questões fortes e intensas. Estabelecer um vínculo é complicado, nem sempre ela se lembra de mim. Isso acaba gerando desconfiança e desconforto da parte dela, mas tenho que compreender. Nos momentos em que não estou trabalhando, tento desligar completamente, me forço a fazer coisas que me fazem bem, pois muitas vezes chego em casa exaurida e só tenho vontade de dormir. Tento manter a disciplina para não me entregar e acabar adoecendo mentalmente também”, finaliza.