O médico e pesquisador de vacinas contra a Covid-19, Jorge Kalil, fala sobre o rápido progresso nas pesquisas e até arrisca uma previsão sobre o início do período de imunização da população

Desde os primeiros casos da Covid-19 no mundo, procura-se uma solução para o problema. O uso de máscaras e as regras de distanciamento social são apenas cuidados paliativos. O que a população realmente espera é a chegada de uma vacina que auxilie na volta à normalidade.

O médico e pesquisador de vacinas contra a Covid-19, Jorge Kalil, explica que no início da pandemia, um grande número de grupos em todo o mundo se dedicou ao desenvolvimento de vacinas. Por isso, o resultado que vemos hoje é o mais rápido da história da humanidade. “Eu diria que talvez na metade do ano que vem tenha alguma aprovada e daí começaria toda a distribuição e os sistemas de vacinação”, afirma.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), no mundo, existem 180 vacinas em desenvolvimento, sendo que 35 delas já estão nas fases de teste em humanos. Kalil elenca dois fatores fundamentais para que uma pesquisa possa dar certo e receba o aval para ser distribuída à população. “É analisado se ela é tóxica ou imunogênica e se desencadeia uma resposta forte de proteção. Isso é acompanhado em todas as diferentes fases, nas pré-clínicas e, depois, nos ensaios clínicos”, aponta o médico.

Das que estão em período de ensaios clínicos, nove já se encontram na fase três. Nesse estágio de teste em seres humanos, é necessário analisar os efeitos colaterais que a vacina pode causar. No caso da Vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford e AstraZeneca, uma reação adversa séria fez pausar os testes. Uma paciente do Reino Unido foi diagnosticada com mielite transversa, um distúrbio neurológico que afeta nervos da coluna.

Segundo Kalil, normalmente são vacinados um grande número de pessoas que não têm problema algum, ou reações adversas que são facilmente contornadas. “Mas, sempre existe algum risco em qualquer experimento, isso é bem explicado para as pessoas”, garante.

Jorge Kalil

JORNAL SEMANÁRIO – A rapidez na produção das vacinas indica, necessariamente, que elas vão ser eficazes?
JORGE KALIL – No início dessa pandemia, um grande número de grupos em todo o mundo se dedicou ao desenvolvimento de vacinas. Mas não é só uma produção, você tem que, primeiro, descobrir a vacina, depois desenvolver para só então produzi-la. Há questões fundamentais, porque para o desenvolvimento de uma vacina você tem que inferir ou saber qual é a resposta imune que efetivamente destrói o vírus. Normalmente esse processo leva de 10 a 15 anos. Agora, em menos de seis meses, nós temos um grande número já na última fase do teste para aprovação, a fase três dos ensaios clínicos. Não sabemos se alguma delas vai funcionar. As que estão em teste, atualmente, se baseiam em dois princípios fundamentais: no primeiro é o vírus inativado; no segundo, de alguma forma é apresentado ao sistema imune a proteína do vírus, que é a proteína da espícula, que fica na superfície. Essas são as duas apostas que existem, que estão sendo testadas. Se nenhuma delas funcionar direito, nós vamos ter que fazer outras. Existem vacinas que estão sendo pesquisadas com outro tipo de abordagem, só que demoram mais tempo para serem desenvolvidas e, no futuro, elas virão para ensaios. Agora, será que todas vão ser eficazes? Provavelmente não. Das 300 vacinas em testes, algumas serão eficazes, outras nem um pouco, muito provavelmente algumas serão mais eficazes (ou seja, o número de pessoas que vão estar protegidas da doença é maior) e também a questão da memória, o tempo que as pessoas vão estar protegidas. Tudo isso depende da última fase de testes, a fase três.

JS – A produção de tantas vacinas significa que a imunização está próxima?
KALIL – Apesar de ter muitas vacinas em teste clínico, não sabemos ainda quando essas vão ser liberadas para serem produzidas em larga escala e distribuídas para a população. Nós realmente precisamos saber se são eficazes e não tóxicas quando testadas na população em geral. Nos estudos, por exemplo, da vacina da AstraZeneca, feita com a Universidade de Oxford, a proposta era que fossem incluídos no estudo até 50 mil pessoas entre Brasil, África do Sul, Inglaterra e Estados Unidos. Agora houve uma parada nesses estudos por causa de um efeito adverso grave. O Board (Data and Safety Monitoring Board), que faz toda a parte de monitoramento dos dados e de segurança, vai analisar todas as informações desse paciente para ver se a vacina pode continuar a ser testada ou se esse efeito adverso grave poderia inviabilizar completamente o estudo.

JS – A fase final, quando os testes são feitos em humanos, pode ser perigosa para os voluntários?
KALIL – Os testes são feitos em seres humanos depois de exaustivos testes em animais. Eles começam em humanos no que a gente chama de fase um. Essa fase tem um número restrito de pessoas e se observa todas as questões relativas à segurança e alteração que pode ter em qualquer sistema: respiratório, digestivo, circulatório, urinário, neurológico, etc.
Na fase dois, o que se testa é a imunogenicidade, ou seja, a capacidade que uma vacina tem de desencadear uma boa resposta imune. Se estuda também qual o melhor esquema de imunização, qual é a quantidade de vacina que se dá de indivíduo para indivíduo e em quantas doses. É um número maior de pessoas e se faz uma série de testes também de segurança, mas, sobretudo, testes imunológicos para ver se a vacina realmente desenvolveu anticorpos e células que podem deter o vírus. Já a fase três é mais ampla. Vai ser um estudo duplo cego, ou seja, é disponibilizado tanto o placebo quanto a vacina, e as pessoas que recebem e injetam não sabem qual das opções foi aplicada. Essas pessoas vão para a vida normal e são observados os casos de Covid-19. Existe um comitê que tem isso aberto e vê se os casos de Covid estão no grupo dos vacinados ou dos que receberam placebo. Se faz vários estudos estatísticos e depois de um certo momento, pode-se dizer se a vacina funciona e com que grau de proteção. Ou seja, qual percentual de pessoas ela protege. Nesses estudos da fase três, eles também estudam mais uma vez a segurança e a toxicidade, porque o número de pessoas é bem maior e pode ter a observação.

JS – Qual o tempo médio de fabricação de uma vacina?
KALIL – A vacina mais rápida de distribuição para a população foi a da caxumba, quatro anos. Normalmente leva de 10 a 15 anos, até 20 para desenvolver uma vacina, porque normalmente ela é precedida por um grande estudo da resposta imune para eliminar esse agente infeccioso, só depois é que ela pode ser desenvolvida, testada nas diferentes fases para chegar no público. O que tem é por causa da premência e a necessidade de ter essa vacina contra a Covid-19, tudo foi apressado, foi colocado muito recurso, e também existiam vários grupos que tinham plataformas para desenvolvimento de vacinas. São sistemas que poderiam ser utilizados, em princípio, para qualquer virose. Por exemplo, na vacina de Oxford eles usam o adenovírus do chimpanzé, que causa o resfriado no animal, e que é inserido o gene que codifica para uma proteína do vírus. Estavam testando com o Mers, com o Zika, com o Ebola, e quando chegou a Covid-19, eles inseriram um gene específico do vírus Sars-Cov-2 e rapidamente a vacina ficou pronta para testar. Os testes foram feitos, primeiramente, em animais, para ver se realmente são imunogênicos, para depois chegar nos testes humanos. O tempo de desenvolvimento de uma vacina é muito longo, e a fabricação depende muito do método, mas é rápida.

JS – Como funcionam as fases de testes 1 a 4?
KALIL – Na fase um, pequeno número de pessoas, por volta de 50 a 100 pessoas para se ver a toxicidade, confiabilidade e segurança da vacina. Depois, a fase dois é com um número maior de pessoas. Na Covid estão testando por volta de 400 a 500 pessoas. O que se testa é a imunogenicidade, ou seja, se desencadeia uma resposta imunológica que pode ser protetora.
A fase três conta com um grande número de pessoas que é calculado dependendo do ataque da doença, o quão intensa está na população que vai ser testada. Têm indivíduos que recebem a vacina, outros que recebem placebo, isso é duplo cego, é aleatório. O tempo varia de um, dois ou três anos, porque não apenas se acompanha a toxicidade, mas a proteção e quanto tempo dura, para que se tenha uma real ideia de como a vacina funciona.A fase quatro é depois que ela já foi liberada para uso e está sendo utilizada na população. Se estuda se aparecem efeitos secundários, novamente, na vacina.

JS – Caso haja resultado negativo para alguma das fases, perde-se todo o estudo?
KALIL – Cada teste que é feito nessas vacinas é eliminatório, então se a vacina em animais não funciona é descartada e, depois, quando ela chega na fase um, se é tóxica, é descartada. Se ela não é imunogênica, é descartada. E se na fase três, a mais importante, não funciona, sem dúvida é descartada. A vacina tem que funcionar em todas as fases. Mesmo porque o investimento é muito grande, a cada vez que passa por uma etapa. As etapas em animais são mais baratas, já com animais mais sofisticados, para ver a toxicidade em várias espécies, vai começando a ficar mais caro.
Sem dúvida, a produção que é feita antes de chegar nas fases clínicas (humanas), o escalonamento industrial, os testes que envolvem um grande número de pessoas, uma equipe médica muito grande e laboratórios são itens muito caros.Cada vez vai aumentando muito, por isso sempre tem que ter o que em inglês se diz “go” e “don’t go”, quer dizer, se continua ou interrompe um determinado estudo.

Kalil é professor adjunto nas faculdades de Medicina da George Washington University, DC, e da Case Western Reserve University, Cleveland, Ohio, ambas nos EUA
Foto: Arquivo pessoal

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