No meu giro solitário pela quadra – sempre atenta ao caminhão cata-véio – me deparo com a presença explícita do outono, que chegou sem nenhum alarde, simplesmente pousando na copa das árvores e assoprando as folhas dos cinamomos com tanta delicadeza que elas dançam antes de dourarem o chão. É um espetáculo de encher os olhos. E os ouvidos também – que os passarinhos ficam twittando a pleno pulmões, nos telhados, cercas e plantas.

Só os cachorros presos parecem se incomodar comigo. Eles extravasam, aos uivos, sua inveja da minha liberdade vigiada. Eu tento puxar conversa, mas eles não me ouvem, obcecados que estão em me afrontar. Ficam latindo grosso nas redes sociais caninas aliciando adeptos que compartilham um ódio gratuito. O engraçado é que, quando andam soltos com seus tutores, são tão fofos que dá até vontade de morder.

Numa certa altura do caminho, meus pés se metamorfoseiam entre as folhas dos plátanos derramadas em abundância pelo chão. Acima de mim, um farfalhar… de asas? Imagino os vinhedos nesta época, se travestindo para a dormência hibernal, no sublime ciclo da vida…
O relevo é incrivelmente acidentado. Subo e desço testando minha capacidade respiratória, na tentativa de afastar a ideia de que a Covid19 possa me pegar desprevenida. É preciso estar sempre alerta, com os soldadinhos de plantão armados para eventual guerra.

Ultimamente ando menos seletiva na escolha do roteiro. Me arrisco em ruelas onde o mato disputa espaço com os paralelepípedos e aranhas caranguejeiras.

Costumo ir de celular na mão para capturar imagens ímpares. E pares também, que já filmei casais de quero-queros de penachos pontudos defendendo suas crias ainda em gestação. Mas já conheço a manha das sentinelas dos pampas. Fingem que têm ninhos por todo o território só para despistar eventuais intrusos.

Sou parte da paisagem às voltas com meu próprio outono. Avalio minhas possibilidades de adentrar no inverno imune a pandemias virais e distanciamentos sociais.

Na verdade, tudo anda tão surreal, que me vem à mente uma reflexão de Clarice Lispector: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”.

Tudo bem, eu me rendo, mas que falta me faz a mesa cheia e a louça empilhada na pia…