Receber um diagnóstico irreversível e terminal, mas ter a oportunidade de continuar convivendo no próprio lar, com a família e os amigos, pode ser essencial para os pacientes e um alento para os familiares

Desde 1990, a Organização Mundial de Saúde (OMS), preconiza a importância dos cuidados paliativos, considerando ser esta uma abordagem que melhora a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças) e suas famílias, que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida. Além disso, conforme a própria OMS, a prática previne e alivia o sofrimento, através da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais e espirituais.

O atendimento em cuidados paliativos tem como objetivo principal promover a qualidade de vida dos pacientes, considerando seus valores e sua biografia. Dessa maneira, cada caso é individualizado e as condutas são adequadas conforme a proporcionalidade terapêutica e a necessidade do paciente e sua família.

Desde 2014, Bento Gonçalves atende pacientes através do programa Melhor em Casa, realizado pelo Governo Federal, em parceria com governos municipais. Os atendimentos com ênfase em ações paliativas ocorrem desde 2018, no município.

Conforme a coordenadora do serviço, médica geriatra com área de atuação em Medicina Paliativa, Tamara Zaro Chiele, “o cuidado paliativo deve ser iniciado precocemente, após diagnosticada doença sem possibilidade de cura, objetivando a qualidade de vida do paciente e de seus familiares. É importante lembrar que não somente o câncer é uma doença que pode não ter possibilidade de cura. Doenças cardiovasculares, pulmonares, hepáticas, renais, demências e outras patologias neurológicas também, em determinado estágio, são consideradas terminais e têm indicação de receber cuidado paliativo”, enfatiza.
Os cuidados paliativos são um conjunto de tratamentos, não apenas farmacológicos. Oferecem assistência humana e compassiva para os pacientes em todas as fases de uma doença ameaçadora à vida. “O acompanhamento é multiprofissional, sendo que a equipe básica de cuidado paliativo é composta de médico, enfermeiro, assistente social e psicólogo. O cuidado paliativo tem quatro premissas: comunicação eficaz, controle adequado dos sintomas, apoio ao parentes e trabalho em equipe”, comenta a médica.

O cuidado paliativo entende que a pessoa deve ser cuidada em todas as suas dimensões. Por isso, a equipe multiprofissional atua de forma global, lidando com os sintomas nas esferas biológica, psicológica, social e espiritual do paciente e da família.

A médica acredita que os principais aspectos dos cuidados paliativos envolvem o alívio dos sintomas. “Para o paliativista, o sofrimento é uma urgência tão importante quanto um infarto agudo do miocárdio. Lembrando que esses sintomas não são exclusivamente físicos, como dor ou falta de ar. Podem ser psicológicos, sociais ou espirituais. Muitas vezes a doença causa complexos problemas sociais para a pessoa, sendo que são necessários cuidados práticos em relação ao afastamento do trabalho, à garantia de sustento, ao auxílio no arranjo de familiares e até mesmo auxílio com questões funerais. Outras vezes, a pessoa não apresenta dor física, mas transtorno psicológico importante decorrente da doença, que também necessita de atenção da mesma maneira”, frisa.

“Estar em casa, perto da família, de um espaço pessoal e íntimo faz a diferença para o conforto do paciente. Em casa, você tem o cheiro das suas coisas, suas fotografias, as pessoas que você ama. No hospital, geralmente, é possível ter apenas um familiar presente O principal objetivo no apoio à família é ajudá-la a cumprir a sua função cuidadora, a fim de que a participação no processo de perda que vivenciam seja concluída da forma mais saudável possível”, conclui Tamara.

Política Pública

No Brasil, cerca de 625 mil pessoas precisam de cuidados paliativos. O foco está direcionado ao alívio da dor, controle de sintomas e apoio emocional. Com vistas a este importante processo de acompanhamento médico, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Cuidados Paliativos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). A expectativa é que 1,3 mil equipes sejam implantadas em todo o território nacional.

A política, inédita no país, vai permitir uma assistência mais humanizada, guiada por três eixos: criação de equipes multiprofissionais para disseminar práticas às demais equipes da rede; promoção de informação qualificada e educação em cuidados paliativos; garantia do acesso a medicamentos e insumos necessários a quem está em cuidados paliativos.

Do total de equipes, a estimativa é que a estratégia seja composta por 485 matriciais, que realizarão a gestão dos casos e 836 assistenciais, que prestarão a assistência, ambas formadas por médicos, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos. Também serão criadas equipes com pediatria. Os gestores locais terão autonomia para incorporar outros profissionais de saúde, como fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, dentistas, farmacêuticos, fonoaudiólogos e nutricionistas. Com isso, após habilitação de todas as equipes, o investimento previsto é de R$ 887 milhões por ano.

A história de Rogério e Alessandra

A comunidade de Bento Gonçalves se comove há anos com a história de Rogério Paulino dos Santos e Alessandra da Rocha, a prova de que um raio cai, sim, duas vezes no mesmo lugar.

No início de 2017, Santos foi diagnosticado com um melanoma cutâneo e, devido à demora no início do tratamento, a doença enraizou, causando metástase em ambos os pulmões e no fígado.
Durante meses, Santos foi submetido a sessões de quimioterapia, que não apresentaram o resultado desejado. Desenganado pelos médicos, o paciente chegou a pensar em acabar com a própria vida, o que foi impedido por uma grande corrente realizada por familiares e amigos em busca de sua recuperação.

Foi neste meio tempo que Santos conheceu a Imunoterapia, tratamento de altíssimo custo, conquistado judicialmente, e que o ajudou sobremaneira durante dois anos.

Em meio ao tratamento, o sogro faleceu em outubro de 2019, vítima de câncer no estômago. “Minha esposa, Alessandra, acompanhava a mim e ao pai às sessões de quimioterapia. Ela era nosso alicerce e porto seguro. No dia da missa de 7º dia do pai, ela sofreu o rompimento de um aneurisma”, comenta.

Conforme ele, Alessandra foi entubada e encaminhada para o Hospital Pompéia, referência neurológica. “Ela perdeu metade da massa encefálica e parte da calota craniana. De 2019 até hoje, fez 14 cirurgias na cabeça. Passou por três entubações, seis meses de UTI. Para completar, em 2021 perdemos minha sogra, vítima da Covid-19”, lembra.

Tendo completado 39 anos recentemente, Alessandra recebe todos os cuidados e acompanhamento em casa, sendo assistida pelos profissionais da Secretaria da Saúde. “Somos tratados pelo SUS, e muito bem tratados, diga-se de passagem. A Ale tem tudo o que precisa, como fraldas, exames e medicações”, enfatiza Santos.

Mesmo afirmando que agradece diariamente pela vida e pelos cuidados que a esposa tem, Santos é drástico ao afirmar que não é a doença que mata, e sim a burocracia. “Tudo o que conquistamos foi via judicial. E nada foi fácil. Atualmente moramos de favor na casa da minha mãe. Cuido de mim, da minha mãe, da Ale e da minha filha Raísa de sete anos. E assim seguirei enquanto Deus permitir”, finaliza.