Sábado pela manhã… Acordo mais cedo do que de costume. Espreguiço-me três vezes e pulo da cama. Afasto ligeiramente uma haste da cortina do quarto. As luzes tímidas mais se parecem com as do interior de um templo.
O dia está clareando.

Visto uma velha bermuda, camiseta e um par de tênis que já viram dias melhores. Lavo o rosto com a ponta dos dedos. Construo uma concha com a palma da mão, debaixo da torneira aberta, sorvo tudo em um só gole.
Decido ir caminhar para explorar o mundo matutino.

A intenção inicial é a de não me afastar mais do que cinco quarteirões da minha casa. Aos poucos, porém, a preguiça vai sendo pisoteada e a minha mente manda as pernas imprimirem um ritmo mais acelerado.
Dez minutos depois de ter deixado os lençóis macios, alcanço o centro da cidade.

Logo, seres de outro planeta surgem na minha frente. Seres estranhos como o senhor todo de branco que sai pela porta dos fundos de um prédio, arrastando atrás de si um cheiro encorpado de pão quente. Duas senhoras de preto, curvadas como um grão de feijão, aparecem do nada. Suspeito que estivessem disfarçadas de arbusto.
O taxista cochila no ponto, atrás do vidro mole do carro.

O mendigo assobia, enquanto arruma sua tralha.

Pardais fazem suas primeiras necessidades do dia na cabeça de pedra de São Pedro.

O moço do jornal aponta sua bicicleta contra as árvores da calçada que se esquivam, dançando uma tarantela.
Um velho corcundo, levando um saco de ráfia nas costas, cabelo medonho e barba maometana, cruza por mim:
– Por favor, que horas são – pergunto-lhe, só para ter certeza de que não estou ainda sonhando.
Sequer reduz o passo ou volta-se para trás. Balbucia apenas:
– Não uso relógio.
Então é isso, penso em voz alta:
– Os seres madrugadores são desorientados em matéria de tempo. Não medem o dia pelas horas. Não parecem estar fugindo de alguma coisa, varados de urgências.

Meia hora depois de eu ter saído de casa, o sol enfia um dedo no meu olho. A sensação que tenho é que estou acordado há séculos. Sento no banco da praça. A meu lado, um senhor lê as páginas iniciais de um livro tão grosso que chega a me doer a cabeça só de pensar na luta que terá para vencê-lo.

Agora o mundo já me é familiar: a cidade já iniciou a produção de neuroses em escala e as lojas atraem os potenciais clientes com seus poderosos imãs promocionais.

Nas ruas, os carros se dão bom-dia estridentes. Braços, pernas, bocas, peitos, bundas, sexos se confundem. Uma senhora de meia idade engancha o braço no braço involuntário do marido. Um grupo de meninas, com a pele toda picada de desejo, usam a calçada como passarela.

Perto das oito e meia da manhã, o dia começa a tornar-se sudoríparo e musculoso. O sol está afiado como uma faca, própria para estripar peixes.

Começo a entender como funciona o mundo dos madrugadores.
Volto para casa, com a clara impressão de que estou sendo perseguido pelo velho corcundo com o saco nas costas.