Sobre os que se foram

Foram embora do nosso meio o “Nelo” Giordani, o Pe. Izidoro Bigolin, e, o também distante, mas sempre tão presente, Arnaldo Jabour.

Nelo Giordani: um figuraço, antes de te cumprimentar lançava sobre ti um sorriso largo, natural, cordial e afetivo. Forjou-se na dificuldade, não tinha tempo feio, apesar da idade estava sempre na frente, se meu avô estivesse ao seu lado jamais teria a oportunidade de dizer “esmicie-te” (te mexe!). Numa viagem que fizemos juntos, à espera de familiares, sentamos num banco de um Shopping e, por quatro horas fizemos um raio x da vida familiar e da nossa Bento. Em determinado momento ele disparou: “bah Caprara, eu tenho que comprar uma bolsa para levar para minha mulher, mas ninguém me ajuda, eu não sei o que fazer”. Posso te ajudar, vem comigo, o Shopping era tão grande que tinha até a “rua das bolsas”.

Entramos numa das lojas e perguntei “quanto tu quer gastar”? E ele respondeu “não é uma questão de preço, o negócio é acertar na escolha de tal forma que a Da. Paulina goste”. Dei uma olhada ao redor e disse “é esta, ela vai gostar”. E ele “embrulha”! E saiu com o pacote de presente debaixo do braço, todo contentão, quando a “gurizada” apareceu, “filhos, netos, genro”, tava todo mundo lá “a caravana dos Giordani”, ele disse “consegui”! E ele, todo contentão como aquele cobrador de ônibus que olha o passageiro depois de pagar a passagem disparou: “a bolsa da mamãe”! E, felizes, ficamos todos. Três coisas contentavam o Nelo: a família, o Inter e os ônibus da sua Santo Antônio, mesmo o primeiro “cacareco”, que ainda anda por aí bem conservado.

NELO e seu largo e simpático sorriso

O Padre Izidoro

Um dia ele me disse: “bah Henrique, tá difícil ser Padre na Paróquia, somos em três, precisava dez e, de vez em quando os três não viram quatro, viram dois”. “Ma, vamo levando”, ele dizia. Não dá pra conceber que os Padres tenham “os estresses” mas tem! Todo mundo queria o Pe. Chico, depois todo mundo queria o Pe. Izidoro e, até recentemente, todo mundo queria o Pe. Ricardo. Para benção dos doentes, para casar os filhos, para batizar os netos, para “abençoar as galinhas poedeiras”, quando se gosta de um Padre é assim “Padre para toda obra”! Tamanho era o sucesso do Pe. Bigolin, que quando ele emitia um “rugido” de cansaço eu cantava “no, no, no, no cosi non dá, el vecho Bigolin (Trivelin) romai le mal chapa”. Um dia eu lancei ele “candidato a Bispo”, a gente tava cansado do Bispo Don Paulo Moretto. Seria um sarro o Bigolin Bispo”! “Capaz”! Diriam as devotas. Um dia um caminhão “passou por cima” do Don Paulo, ele ficou 6 meses na UTI, depois mais um ano no Hospital. Se alguém perguntasse por ele, alguém responderia: “foi falar com Deus! E não é que o Don Paulo voltou a vida todo reformado pelos médicos, biônico, ai a campanha do Bigolin a Bispo perdeu “consistência”. E o Don Paulo, feito “Cyborg”, andou por aí mais um tempo. Perdemos o Bigolin, 69 anos, 25 anos de Paróquia Santo Antônio, 43 anos de vida sacerdotal. Será impossível esquecê-lo.

Pe. Izidoro vai ficar no rol dos Padres amados por Bento

O desejo da morte

“Le belque hora”, se ouve da boca daqueles que acham que está na hora de partir. A justificativa é de que “som drio sofrir”, ou “me fa mal la squena”. A partida as vezes alivia o sofrimento, é uma espécie de libertação. No entanto, uma razão inusitada de querer ir embora é a de LUCILE RANDON, francesa de 118 anos que sobreviveu inclusive ao COVID e a GRIPE ESPANHOLA. Ela não enxerga mais e precisa ser amparada em sua cadeira de rodas. Ela reclama que estão “enchendo o saco dela” e que deseja “morrer logo”. Olhem o que ela disse: “Deus deve estar surdo, não me escuta”. Pode uma coisa dessas?
A propósito, no sul da França, em Nice, vive André Boite, que tem 110 anos. Segundo a ONU em 2015 havia em torno de 500 mil centenários no mundo, número que pode chegar a 25 milhões em 2100.

Lucile Randon

Arnaldo Jabour

Um gênio da comunicação, uma mente brilhante, um cineasta que encantava, uma referência que dizia o que todos nós queríamos dizer e da forma com que diríamos. Ele, Boechat e Boris Casoy, este ainda está entre nós, mas teve seu brilhantismo ofuscado, são os últimos dos moicanos da comunicação altamente qualificada. Estou reproduzindo artigo que ele redigiu e publicou sobre OS GAÚCHOS, que dá uma ideia de quem era JABOUR. Entristeci com sua morte. No entanto a vida me trouxe privilégios que as gerações futuras não vão usufruir, um deles foi ver, diante da televisão, esse trio ícone do jornalismo.

O cineasta, escritor, crítico e colunista Arnaldo

Gaúchos – Arnaldo Jabour

O Rio Grande do Sul é como aquele filho que sai muito diferente do resto da família. A gente gosta, mas estranha. O Rio Grande do Sul entrou tarde no mapa do Brasil. Até o começo do século XIX, espanhóis e portugueses ainda se esfolavam para saber quem era o dono da terra gaúcha. Talvez por ter chegado depois, o Estado ficou com um jeito diferente de ser.

Começa que diverge no clima: um Brasil onde faz frio e venta, com pinheiros em vez de coqueiros, é tão fora do padrão quanto um Canadá que fosse à praia. Depois, tem a mania de tocar sanfona, que lá no RS chamam de gaita, e de tomar mate em vez de café. Mas o mais original de tudo é a personalidade forte do gaúcho. A gente rigorosa do sul não sabe nada do riso fácil e da fala mansa dos brasileiros do litoral, como cariocas e baianos. Em lugar do calorzinho da praia, o gaúcho tem o vazio e o silêncio do pampa, que precisou ser conquistado à unha dos espanhóis.

Há quem interprete que foi o desamparo diante desses abismos horizontais de espaço que gerou, como reação, o famoso temperamento belicoso dos sulinos.

É uma teoria – mas conta com o precioso aval de um certo Analista de Bagé, personagem de Luís Fernando Veríssimo que recebia seus pacientes de bombacha e esporas, berrando: “Mas que frescura é essa de neurose, tchê?”

Todo gaúcho ama sua terra acima de tudo e está sempre a postos para defendê-la. Mesmo que tenha de pagar o preço em sangue e luta.

Gaúcho que se preze já nasce montado no bagual (cavalo bravo). E, antes de trocar os dentes de leite, já é especialista em dar tiros de laço. Ou seja, saber laçar novilhos à moda gaúcha, que é diferente do jeito americano, porque laço é de couro trançado em vez de corda, e o tamanho da laçada, ou armada, é bem maior, com oito metros de diâmetro, em vez de dois ou três.

Mas por baixo do poncho bate um coração capaz de se emocionar até as lágrimas em uma reunião de um Centro de Tradições Gaúchas, o CTG, criados para preservar os usos e costumes locais. Neles, os durões se derretem: cantam, dançam e até declamam versinhos em honra da garrucha, da erva-mate e outros gauchismos. Um dos poemas prediletos é “Chimarrão”, do tradicionalista Glauco Saraiva, que tem estrofes como: “E a cuia, seio moreno/que passa de mão em mão/traduz no meu chimarrão/a velha hospitalidade da gente do meu rincão.” (bem, tirando o machismo do seio moreno, passando de mão em mão, até que é bonito).

Esse regionalismo exacerbado costuma criar problemas de imagem para os gaúchos, sempre acusados de se sentir superiores ao resto do País.

Não é verdade – mas poderia ser, a julgar por alguns dados e estatísticas.

O Rio Grande do Sul é possuidor do melhor índice de desenvolvimento humano do Brasil, de acordo com a ONU, do menor índice de analfabetismo do País, segundo o IBGE e o da população mais longeva da América Latina, (tendo Veranópolis a terceira cidade do mundo em longevidade), segundo a Organização Mundial da Saúde. E ainda tem as mulheres mais bonitas do País, segundo a Agência Ford Models. (eu já sabia!!! rss) Além do gaúcho, chamado de machista”, qual outro povo que valoriza a mulher a ponto de chamá-la de prenda (que quer dizer algo de muito valor)?

Macanudo, tchê. Ou, como se diz em outras praças: “legal às pampas”, uma expressão que, por sinal, veio de lá.
Aos meus amigos gaúchos e não gaúchos, um forte abraço!