Sobre não ter e perder

Sei o que é não ter, assim como sei o que é perder. Entre as coisas que não tive, marcou o fato de eu ter que dormir no chão, sem colchão e sem coberta. Foi não ter, absurdo falar disso, um lanche como meus colegas do Aparecida tinham, o meu era pão com marmelada mesmo e ninguém queria permutar meu lanche. Foi não ter, no Aparecida, um uniforme novo, o meu era de segunda mão e as mangas vinham até o cotovelo só, assim eu as escondia, de vergonha, debaixo do banco e era punido com reguadas pelo “Marista mau”. Foi não ter quem me ensinasse os temas de aula e, sendo assim, não os fazia e era punido por isso ficando a aula toda de castigo atrás do quadro negro. Foi não ter, quando aos 8 anos e morava no Barracão e estudava no Colégio Marista, dinheiro para vir e voltar de ônibus, tendo assim um transporte condicionado a parar caminhões a beira da estrada para pedir carona, eu “cuspia tijolos” de tanto pó acumulado na minha garganta. Ao morar com minha avó materna lá no Bairro Botafogo, para estar livre do meu desconfortável e inconstante transporte para o Colégio, vivi o que era não ter. Na mesa da minha avó, não tinha alimentação básica a não ser a derivada do leite da cabra que ela criava. Tanto nós, ela mais ainda, éramos de origem humilde cercada de muito sacrifício e necessidades, suportável pelo sacrifício de meus pais para que eu frequentasse o melhor Colégio e Faculdade, e tivesse um futuro promissor, sim, meus pais lutavam e se sacrificavam para que eu tivesse um FUTURO.

Sobre o que eu perdi

Perdi muitas coisas na vida. Uma irmã, que se chamaria Neusa, que faleceu aos dois anos de idade. Uma filha nascitura. Perdi meus pais, dor ainda não superada porque não pude lhes dar, por impossibilidade, inconsciência, ou imaturidade, a retribuição proporcional ao que eles me deram com muito sacrifício. Perdi também ao ver minha empresa em condições de falência por duas vezes. Por ter sido, em outras vezes, roubado. Perdi também ao ser perseguido politicamente diante do meu direito de exercer plenamente a democracia, o direito de ser e de opinião. Perdi também diante do desamor, das brigas familiares, da inveja, do ciúme, que não me diminuíram nem me desacalentaram, mas sim forjaram um novo querer, uma nova construção, um novo ser humano com novas conquistas, mesmo diante de um passado machucado que deixou sequelas. PERDI TANTAS COISAS, MAS ACHO QUE DIANTE DO QUE AS VÍTIMAS DA TRAGÉDIA NÃO TINHAM OU PERDERAM, EU CHEGO À CONCLUSÃO DE QUE TIVE TUDO, NÃO PERDI NADA E NÃO SOFRI. Porque diante do cenário eu estou sofrendo, solidário que estou, como nunca sofri e por compreender este sofrimento. Estou como o Prefeito Diogo, e tantas outras lideranças, sangrando por dentro, sufocado pela solidariedade e compaixão.

O desastre ambiental

Milhares de pessoas foram vítimas. Umas perderam tudo, casa, bens, familiares, amigos, eu diria que perderam até a dignidade, a fé. Outras não perderam a fé, buscam a proteção e força de Deus, tem esperança. Outras tantas perderam o emprego ou a sustentação econômica, as empresas. Como reconstruir ou resgatar tudo isso? Onde buscar forças, espiritualidade, o amparo? As forças na solidariedade humana, a espiritualidade em Deus, na força da oração, o amparo nos governantes e forças comunitárias. Eu tenho saudade dos meus aconchegos, como eles não vão sentir a falta de seus aconchegos, das lambidas de seus animaizinhos, de seus vizinhos, de seus amigos? Como será seu novo lar, quando e como virá? Como curar sua dor mental, não haverá psicólogos, psiquiatras, apenas assistentes sociais, de todas as formas e de todos os recursos possíveis. E os amigos, aqueles do jogo de cartas, das chácolas, do trabalho, das confidências, dos amparos? Onde estarão, para onde foram? Triste, muito triste, a solidariedade é o que resta como muleta da locomoção, do recomeço.

Os gestos que marcam

TAMO JUNTO! Quantas vezes eu ouvi isso, de amigos diante de um agradecimento. Mas agora TAMO JUNTO tem um significado maior, está diante da dor. O mundo inteiro está dizendo “tamo junto povo Gaúcho”. Em Madrid, na semifinal de competição europeia, no CAMP NOU, estádio do REAL, mais de cem mil pessoas fizeram manifesto de solidariedade. NUM TREINO do Atlético Mineiro 30 mil pessoas foram ao estádio e cantaram o Hino Riograndense. Um grande exemplo de solidariedade, do TAMO JUNTO a nível nacional e outro a nível internacional. E a ajuda humanitária por parte dos artistas, intelectualidades, empresários, a nível nacional sensibilizaram os riograndenses no entanto, lá na base, nos desabrigados, o sentimento é do “quero minha casa, quero minha cama, quero meu colchão, quero meu fogão, quero meu cachorrinho, quero minhas galinhas, quero meu gatinho, meus amigos, meus familiares”. Gratidão de estar vivo e com Deus e, o reconhecimento, é com os homens, para os socorristas, para as pessoas solidárias, para os bombeiros, para os soldados, todos eles passaram a ser as pessoas do bem, a benção enviada por Deus, as figuras presentes nas orações. Os políticos? Bem, sobre as promessas ver para crer, vamos ver quando, para onde e como os recursos vão se fazer presentes.

A organização da ajuda

Vem ajuda de tudo que é forma, de todos os lados e de todos os continentes. Ajuda incansável, exaustiva, é organizar os donativos, vem de tudo, roupa velha, suja, “descartes” e não donativos. A logística de seu destino é outro problema. No que diz respeito a recursos o Governo Federal nomeou como Secretário, com status de Ministro, para gerir a aplicação de recursos, nada extraordinário não fosse o Secretário nomeado candidato nas eleições para o Governo do estado. O Governador constituiu um fundo de assistência que será alimentado pelos 11 milhões que o Governo Federal abonou de pagamento de dívida que o estado tem com ele. Para alimentar este fundo virão também contribuições de emendas parlamentares, contribuições de empresas e lideranças. O Governador nomeou Secretário para gerir o fundo e leva fé que as relações do fundo Estadual com o fundo Federal sejam cordiais em favor dos necessitados. Situação peculiar. Por aqui o Prefeito Diogo lidera um fundo para dar plenas condições de tráfego a BR470 “precisamos demais dela” disse o Prefeito emocionado. O DNIT refez a pista mas não deu condições de tráfego “vai levar tempo, precisamos segurança e avaliações” disse um Diretor. Do outro lado, a ligação de Bento com Cotiporã se foi, a ponte está destruída, isso era previsto de acontecer. O Deputado Pasin já reuniu Prefeitos da região e lideranças, vai ser criado um fundo para a reconstrução. Bento não quer esperar por ações futuras, o exemplo da ação comunitária de Nova Roma, deixou exemplos marcantes.

O que vem agora

Temos um saldo catastrófico. Mais de 90% dos municípios do estado foram vítimas da enchente e desmoronamentos. Cento e cinquenta mortos e mais de cem desaparecidos. Com a baixa dos rios, Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo viraram “pântanos do fedor”, centenas de animais mortos, lixo, detritos, tudo para ser removido, com os locais sendo, inclusive, higienizados para evitar doenças. Depois, o recomeço, penoso e demorado. Uma reconstrução que vai demorar meses num ano com disputas políticas e num estado que estava dando sinais de recomposição. Vamos torcer para que a dor seja a menor possível.

Curtas e Poderosas

  • Com a inundação perdemos 500 hectares de pereirais disse a EMATER.
  • É fake a notícia de que a MADONNA ajudou o RS com 10 milhões de reais.
  • Prefeito de Imbé está “escondido até hoje” depois de ter revogado decreto que declarava estado de emergência porque cinco mil pessoas fugiram de Porto Alegre para Imbé e “a infraestrutura do município não comporta a “invasão””.
  • Prefeito de Farroupilha foi declarado “persona não grata” pelo Governo LULA depois da briga que ele teve com o Ministro Pimenta que acabou sendo “pimenta nos olhos de Farroupilha”.
  • Vamos ter quatro aeroportos alternativos enquanto não voltar o SALGADO FILHO, daqui a 3 meses. Base aérea de Canoas, em fase de preparativos finais; Caxias do Sul, de 20 a 30 voos diários; aeroporto de Canela, pequeno, mas eficiente; e, aeroporto de Passo Fundo.
  • Segundo o IBGE mais de 18% dos brasileiros sofrem de deficiência alimentar.
  • Governo investiu 7 vezes mais na recuperação do que na prevenção.
  • Nas dependências da ULBRA, em Canoas, tem 6 mil desabrigados. São Leopoldo tem cerca de 180 mil desalojados, 80% da população.
  • Para 64% da população, a tragédia está ligada a mudanças climáticas. Para 68% o Governo do RS tem responsabilidade. Para 59% o Governo Federal tem muita responsabilidade. Para 70% investimentos em infraestrutura poderiam ter evitado a tragédia.
  • Para o ecólogo Marcelo Silva cidades inteiras terão que mudar de lugar.
  • Em 10 anos foram eliminadas 1 milhão de vagas de chefes nas empresas do país.
  • O 13 de maio foi marcado pela presença de 250 mil pessoas na procissão das velas no SANTUÁRIO DE FÁTIMA em Portugal.
  • O rico empresário e ativista Pablo Marçal está em guerra com a Rede Globo.
  • Silvio Santos causou espanto. Abandonou seu pijama listrado de aposentado e invadiu a sede do SBT, em meio a aplausos.
  • Depois de 10 dias hospitalizado, Bolsonaro voltou para casa. É a facada ainda produzindo seus efeitos.