Sócio e diretor administrativo e comercial da Anderle Transportes conta sobre sua trajetória de vida e da empresa, além de vivências na sociedade bento-gonçalvense

César Anderle é um bento-gonçalvense que iniciou sua carreira cedo, ajudando no empreendimento da família. Hoje, aos 53 anos, casado com Simone Anderle e pai de Mateus e Clara, ele é um dos sócios e diretor administrativo e comercial da Anderle Transportes, que atua especificamente no transporte de granéis sólidos e no formato terceirizado. Além disso, participa de forma ativa de entidades, causas sociais e religiosas.
Nasceu no interior de Bento Gonçalves, mais precisamente em São Valentim, filho de Luiz Anderle e Fiorinda Ficagna Anderle e irmão de Carlos, Celso, Carmen, Claudemir e Claudete. Viveu naquela localidade até os três anos, quando seu pai, após desapropriação da área onde residiam pelo Daer para a construção do trevo de acesso a Faria Lemos, comprou uma casa na cidade, mais precisamente no bairro Cidade Alta. Foi aí que ele cresceu, brincou, estudou, mas, acima de tudo, foi naquela casa que começou a ser construído o negócio da família.

As origens

Sou bento-gonçalvense, de São Valentim. Estudei na minha juventude na Escola Irmão Egídio Fabris. Me formei aos 20 anos Técnico em Contabilidade, no Colégio Marista. Depois parei, pois a empresa me tomava muito tempo, tanto é que para essa formação eu estudava de noite e ao retornar do colégio tinha que ir ao escritório, pois não tínhamos colaboradores. Nós temos quase seis décadas de empresa, ela começou com o transporte de madeiras e progrediu nos novos tempos, porém, o mercado competitivo fez com que a Anderle perdesse muito mercado.
Foi aí que resolvi voltar aos bancos escolares. Foi na sala de aula que obtive conhecimento, como as novas regras de mercado, olhar para a questão jurídica, de RH, entender mais a pessoa, saber conduzir os negócios. Claro que tudo tem a ver com relacionamento, pois os contatos nos fazem criar vínculos. Me formei em Processos Gerenciais na Ftec em 2012, conclui a pós-graduação em Gestão de Negócios, pela FDC, em 2018, e após realizar alguns cursos foi possível implantar uma nova sistemática na empresa. Gosto muito de ler e tenho isso como hábito. Procuro ter uma vida regrada, por isso curto caminhar, fazer academia e ter uma alimentação equilibrada.

A empresa

A Anderle Transportes nasceu em 2 de janeiro de 1963 com a visão empreendedora do meu pai, Luiz Anderle. No início transportava madeiras, com destino a Porto Alegre, com apenas um veículo – que foi adquirido com o auxílio de minha mãe Fiorinda – e meu pai sendo motorista. Entramos no segmento de grãos por volta da década de 70. Esse transporte era realizado por caminhões próprios e contratávamos também terceiros, pois o volume era muito elevado e os investimentos para termos apenas veículos próprios não suportava tamanho volume. Assim, fomos formando autônomos parceiros e dando oportunidade de negócios para os motoristas da cidade e região.
Com o passar dos tempos, a competitividade entre as transportadoras nos fez perder mercado, pois atendíamos somente dois clientes de forma exclusiva e os custos fixos já não eram suportados pelo faturamento baixo, principalmente na entressafra. Assim, tivemos de nos remodelar e buscar alternativas comerciais. Por isso, investimos em pessoas específicas para dar conta da nova estratégia da empresa. Hoje alçamos voos mais longos e estamos presentes, além do solo gaúcho, em SC, PR e MS. Ao todo, são 61 unidades distribuídas nestes quatro estados. Em nossa sede, contamos com 54 colaboradores: trinta e quatro na área administrativa, um menor aprendiz e dezenove motoristas de estrada. Atualmente, somos em três sócios, além de mim, meu irmão, Celso Anderle, e meu tio, José Anderle, fazem parte do quadro societário.

Transporte de grãos

Hoje, em nosso leque de mercadorias transportadas, 80% são grãos. Temos também os fertilizantes, em torno de 15%, e o restante são estruturas metálicas, algumas madeiras, betoneiras e máquinas, em parcela menor. Somos especialistas em granéis sólidos (soja, milho, trigo, farelos e fertilizantes). Os grãos advêm dos quatro estados que possuímos unidades, e são transportados para os portos de Rio Grande – RS, Paranaguá – PR e São Francisco – SC, bem como cerealistas e as indústrias de processamento de soja, inclusive moinhos de trigo, distribuídos em diversos locais do País.
Em nosso banco de dados encontram-se 848 clientes ativos mensais, portanto, minha equipe, principalmente de faturamento, tem que estar muito bem sintonizada e isso o sistema oportuniza. A agilidade, essa inovação, foi um dos elos que fez a Anderle crescer em torno de 22% ao ano nestes últimos 15 anos. O principal segredo é que a gente vai criando relacionamentos, laços e, com isso, ganhando visibilidade e credibilidade do mercado. Outro dado interessante é que movimento quatro navios mensais, contendo cada um deles 60 mil toneladas. Isso significa que necessito em torno de 1.600 caminhões para cada um deles. Como faço todo esse volume? Não é mágica, é contratação de terceiros. Por isso digo que sou essencialmente terceirizado, foi nisso que me especializei. A frota eu tenho, ela é importante, temos a mecânica que é necessária para atender algumas demandas, mas o que entrego mesmo e satisfaço meus clientes são os parceiros terceirizados.

Dificuldade de mão de obra

Como sou essencialmente terceirizado, temos um banco de dados muito grande, com motoristas de diversas regiões do estado, com cerca de 40 mil cadastros. Justamente deste número, tenho que selecionar em torno de 400 ao dia, em média, para suprir a demanda existente no mercado. Falando de mão de obra própria, aí sim existem dificuldades. Hoje, nos caminhões da empresa, que são 20, tenho apenas quatro motoristas que são de Bento, os demais são de outros municípios. A mão de obra na cidade está escassa, de fato. Caminhoneiros específicos como o carreteiro, que é o meu caso, hoje aqui no município não consigo contratar. Se tratando de mão de obra administrativa contratamos a grande maioria de Bento, mas temos uma dificuldade de conseguir pessoas técnicas, por isso, muitas vezes a gente qualifica, ‘cria’ o colaborador. Então, nós oportunizamos às pessoas a crescerem conosco, desde que tenham atitudes, sejam proativas e comprometidas.

Sindicato e reivindicações

Quando nos reunimos no SindiBento, uma das principais reivindicações é o equilíbrio de custos. A concorrência é sempre positiva, pois diminui o preço final para nós, consumidores. Porém, existe no mercado, e talvez o consumidor no final não consiga enxergar essa situação, os custos trabalhistas, de impostos e administrativos também. Todos eles vêm aumentando, isso é notório, só que na hora de você repassar um aumento de frete, as indústrias não absorvem, não gostam, por que elas vão ter que repassar também.
Outras pautas são questões jurídicas. Temos um advogado que trabalha conosco para estar por dentro das novas leis que estão surgindo, então é interessante. Mais uma questão que a gente busca é quanto à infraestrutura dos modais. Estamos sempre conectados com os deputados, o ministro da infraestrutura, e o próprio secretário do estado para que dê uma infraestrutura melhor para o nosso município e região, tanto que agora o que está em destaque é a continuidade da federalização da BR 470. Somos totalmente a favor, tem que continuar federal. Se a gente quiser investimento nessa rodovia que corta Bento, que é um dos elos para o centro do país, temos de continuar com a BR. Então são essas pautas, além da questão de aumentos de frete, de ter mais união nesse sentido.

Logística em Bento

Primeiramente que a nossa cidade não foi projetada, por ali só você já percebe que tem um gargalo no trânsito que, infelizmente, não é tão fácil de solucionar. Não quero tirar o dever dos nossos políticos, do prefeito e sua equipe de que eles têm que pensar uma Bento melhor, assim como está sendo feito no Bento + 20. O que poderia ser feito, para começar, é a questão da BR 470 que tem que ser duplicada. Um quarto trevo, onde tem nas cercanias a indústria da Todeschini, onde já está projetado um viaduto, elimina 30% do fluxo de veículos, principalmente caminhões que se deslocam para as empresas do Santa Helena, Santa Marta e Santo Antão.
Outra ideia que o município precisaria pensar é num grande pátio para os motoristas de caminhões que vêm a Bento descarregar, com banheiros, cozinha comunitária. No mais, me parece que não tem outra questão a não ser tirar os estacionamentos públicos para melhorar a circulação de veículos. A ideia seria verificar onde tem maior fluxo de carros e retirar totalmente o estacionamento dos dois lados. Melhorando isso, também influenciaria o nosso segmento. Além disso, em uma palestra no CIC, o prefeito nos informou de que está em estudo uma terceira pista no Barracão.

Visão da classe empresarial

Percebo muito empenho por grande parte do empresariado – o querer bem para a nossa sociedade. Fazemos acontecer nossas estruturas empresariais e dedicamos muita energia para um melhor aproveitamento da nossa principal força motora, as pessoas e sua inteligência. O empreendedorismo do povo está latente e existe muita oportunidade no nosso meio. Percebo também que poderíamos nos unir mais entre os setores, encontrar caminhos para um melhor desenvolvimento da coletividade. Quando não fazemos parte de uma entidade, não compreendemos os problemas da mesma, nem das diversas situações de cada setor econômico. Alguns empresários têm uma tendência de olhar somente para si e se esquecem de que unindo forças, o setor se fortalecerá e alcançará o sucesso de forma mais rápida e coesa. Possuímos muitos talentos com visão de futuro e que não desanimam, mesmo com as dificuldades do dia a dia. Nós devemos nos ajudar, andar juntos, de mãos dadas, para fazer com que o empresário de Bento se dê bem.

União para melhorar

Precisamos muito do empresário para a continuidade da economia, sem eles, a máquina para, literalmente; e isso não pode acontecer, pois, todos dependemos do esforço e motivação do dono do negócio para continuar acreditando num ambiente de negócios saudável e que garanta sustentabilidade para as empresas. O nosso lema é transportando confiança, mas a frase mais impactante que usamos é “juntos somos cada vez mais fortes”, a sociedade sempre será forte se entendermos o conceito desta frase, isso vale para o setor privado, mas muito mais para o público, eu sempre argumento em minhas falas que se faz necessário olhar para o umbigo do outro e não somente para o nosso.

Visão de Bento

Bento, falando em política, está carente, no sentido de pessoas que nos representem. Temos o Paulo Caleffi que está nos representando por alguns meses, e é isso que falo nessa questão de desunião, de que não se consegue eleger um deputado federal e um estadual, então politicamente falando, me parece que existem muitas divergências. Economicamente, é uma cidade pujante que tem tudo para continuar crescendo. Porém, é necessário que o Poder Público faça políticas melhores para atrair empreendimentos novos, de grande e médio porte. Além disso, é preciso pensar em estratégias para não perder empresas. Por exemplo, no meu setor teve empreendimentos que foram para Garibaldi, então, o ICMS que essas transportadoras arrecadam para o município vizinho, que é bem considerável, poderia estar aqui na cidade para criar, por exemplo, um novo colégio. A questão social me parece que é algo que passa despercebida pelo Poder Público. Na área de segurança, não enxergo a cidade como muito violenta. Nos últimos anos vemos que quem está morrendo são pessoas com passagem pela polícia. Entretanto, deveria ser feita, sim, uma ampla abordagem e parcerias que tenham efetividade no combate à criminalidade.

Mudanças e futuro

Alguns aspectos podem ser alterados e melhorados com a união dos empresários e de toda a comunidade. Muitas vezes a gente não reclama, não faz o nosso papel como cidadão. Se queremos uma cidade melhor, precisa se envolver mais, de uma forma geral. Temos que ser questionadores. Esse foi um dos aprendizados que tive no Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC). A tendência é de crescimento, em todos os setores. Enxergo bem positivamente o nosso futuro, desde que a gente comece a se engajar mais, pessoas físicas e jurídicas, principalmente na política, e na criação de políticas públicas adequadas. As entidades e pessoas físicas têm de ter voz mais ativa. Temos que perder o receio de questionar.

Evolução por meio da espiritualidade

Aprendi muito na espiritualidade. No meu caso, quem plantou a semente da fé foi minha mãe, mas quem regou foi meu pai. Minha mãe é uma pessoa totalmente devota de alguns santos e reza muito, praticamente todos os dias, com seus 92 anos. Já o meu pai ia para a missa todos os domingos, quando eu era jovem, me dizia para ir, eu não gostava, mas esse exemplo dele é que me fez hoje, aos 53 anos, sentir o gosto em ir para a igreja. Essa questão da espiritualidade, fé católica, para mim, é fundamental. Isso é o que me faz acreditar num amanhã melhor, me dá uma força interna. Converso com Deus todos os dias, ele é nosso grande amigo. Nesse caso falo em Jesus Cristo, pois sou cristão, mas cada um tem a sua fé e temos que ter respeito, independente de etnia, religião ou de política.
Muitas vezes a gente percebe que algo errado aconteceu, ou não ocorreu da forma que queríamos, mas temos de refletir qual é o aprendizado que tiramos desse acontecimento, pois é ali que Deus está querendo nos mostrar alguma coisa. Hoje, faço aquilo que meu pai fazia e estou com conceito aprimorado de fé e ensinando aos meus filhos através do meu exemplo. A espiritualidade é um dos elos que faz com que nos sintamos mais humanos, é trazer para dentro de si aquilo que você não está enxergando. Com esse pensamento, atuo de forma voluntária na Abraçaí – Associação Bentogonçalvense de Convivência e Apoio a Infância e Juventude desde 2016. Atendemos cerca de 250 crianças e adolescentes, entre cinco e 17 anos, em vulnerabilidade social e familiar. As crianças que ali ingressam são selecionadas preferencialmente da região de abrangência da Abraçaí – Santa Marta, Santa Helena e arredores – bem como de escolas cadastradas. Lembro que o trabalho da Abraçaí não é corretivo e sim preventivo.