Clacir Rasador

Lá no longínquo 07 de setembro de 1822, o então príncipe regente, D. Pedro de Alcântara – logo mais coroado imperador com o título de D. Pedro I –, com a espada em punho e ao alto, às margens do riacho Ipiranga, declarou a independência do Brasil do poder de Portugal. Transcorridos 199 anos, o Brasil inteiro viu nosso presidente em rede nacional, próximo às margens do lago artificial Paranoá, em Brasília, declarar, no último dia 07 de setembro, a sua independência do STF ao dizer que não cumpriria mais as decisões do ministro Alexandre de Moraes.

Lastreado por uma multidão que foi às ruas, em especial na capital do país, Brasília-DF e no maior centro econômico do país, São Paulo-SP, a carga pesada desta declaração, somada a outras, balançou os poderes da República e foi entendida como excesso do presidente da nação pelos poderes Executivo e Judiciário, podendo lhe custar uma multa elevada, talvez irremediável, senão a última.

Mas não há de se negar que, desta vez, presenciamos o maior espetáculo da democracia sobre rodas, com a intensa participação dos caminhoneiros nos seus pesados caminhões, pois sim, entendo que o ato de manifestar-se livremente e publicamente é a essência da origem histórica da mesma; contudo, também tenho por mim que a forma, em especial o teor de algumas manifestações, teria arrepiado os cabelos – quero imaginar que ele não era careca – do grego ateniense Clístenes, considerado pai da democracia.

Sendo filho de caminhoneiro, com muito orgulho, foi sofrível e penoso ver vídeos ameaçadores de autointitulados líder(es) dos caminhoneiros ameaçando e mandando fechar todas as rodovias, deixando passar apenas ambulâncias, oxigênio e remédios, sob a alegação de estarem, hipocritamente, defendendo a democracia, quando, na verdade, fariam sofrer e minguar o criador, sujeito e verbo dela, o próprio povo que diziam representar.

A propósito dos gritos das manifestações do 07 de setembro, temo, sim, que o país se torne uma Venezuela; temo, sim, que atos tais quais que motivaram a criação da operação Lava-Jato voltem a ocorrer, aliás, cujas condenações foram abrandadas ou anuladas pelo próprio STF. Porém, não podemos exercer a democracia com atos de tirania, aliás, é por isso que existe a democracia, para combater a tirania!

Já escrevi por aqui que tenho profundas críticas a algumas decisões do STF quando, ao interpretar a Constituição Federal, dá igualmente margem à interpretação de que teria deixado cair e escorrer na sentença tintas ideologicamente partidárias, manchando a transparência da JUSTIÇA. Então… fica como está? Continuaremos a relativizar o que entendemos por injustiças, colocando isso na conta da democracia? Por óbvio que não. No entanto, as mudanças dentro da democracia requerem a habilidade da arte de fazer política – não da artimanha – e passam necessariamente pelo Congresso Nacional, pelo legislador, pela regulamentação de, pasmem, ainda parte da Constituição Federal, que fará 33 primaveras no próximo 05 de outubro.

Por fim, por mais que sejam legítimas as bandeiras que forem levantadas no desfile das manifestações democráticas, por maior que seja a esperança depositado pelo voto, por maior que seja a crença no mito e crédito ao atual presidente da República, não podemos deixar que o símbolo maior da identidade de nossa nação seja apropriado por este ou aquele partido, por este ou aquele político de passagem. Nossa bandeira não é e não será vermelha, mas também não tem sobrenome. Nossa bandeira é do BRASIL e de todos os brasileiros! Vamos em frente! Saúde!