Animais são treinados para alertar portadores de alguma deficiência por meio de contato físico e levá-los até a fonte do som
Muito se fala no trabalho de cães que ajudam deficientes visuais, procuram drogas ou pessoas soterradas e perdidas. Mas existem outras funções que esses animais podem desempenhar, fazendo a diferença na vida de muita gente, como, por exemplo, contribuir para a locomoção e atividades em casa, de deficientes auditivos, alertar quando a campainha da casa estiver tocando ou até mesmo quando alguma coisa está sendo preparada no fogão. Essas são as funções dos cães ouvintes, treinados para auxiliar pessoas que possuem alguma limitação. A preparação inicia ainda na infância do animal e os resultados, segundo adestradores e proprietários, são surpreendentes.
Em recente reportagem do Semanário, foi possível entender que cães são companhias saudáveis para o tratamento de pessoas com autismo, afinal, eles estimulam a comunicação e o relacionamento interpessoal, e até protegem seus donos nas crises. Em hospitais e asilos, cachorros levam alegria e conforto para pacientes e idosos, contribuindo até mesmo para que aceitem melhor o tratamento. Em Farroupilha, no Centro de Adestramento Canino Vale da Neblina, foi possível formar o primeiro cão ouvinte do Brasil. A ideia surgiu em 2016, quando profissionais da Escola Canina Balto, de Mar Del Plata, na Argentina, vieram para a região afim de passar orientações sobre treinos e quais os principais obstáculos que poderiam surgir durante a preparação. Conforme os adestradores Janaina Ganzer e Cesar Augusto Beux, a partir de 2017, o projeto saiu do papel e equipe foi em busca do animal ideal para a execução da atividade. Leona, como é chamada, em referência ao espanhol Pedro Ponce de León, o primeiro professor de surdos, é da raça Terrier Brasileiro que permaneceu no Centro de Treinamento por meses, onde aprendeu alguns comandos básicos, a fazer suas necessidades no lugar correto e avisar todas as manhãs quanto ao som do despertador e do telefone. “Após este trabalho contínuo, compreendemos que estava pronta para desempenhar seu papel e lançamos nova campanha no Facebook para que pessoas surdas pudessem se candidatar a serem assistidos pelos cuidados dela”, explica.
Em 2018, a cachorra ganhou um lar definitivo. O casal de surdos, Natasha Soares Perazzolo, 44, e Gustavo Perazzolo, 39, teve a oportunidade de receber o animal que hoje atua como cão ouvinte, auxiliando quando sons de despertador, campainha e apito da chaleira (água fervente) estiverem ecoando pela casa. “Temos orgulho em proporcionar melhoria na qualidade de vida deste casal, através de nosso trabalho. Sentimos ainda mais felicidade em saber que nossa pequena Leona, a qual é tão feliz em seu novo lar, é capaz de desempenhar tal função melhor que qualquer um e ser essencial nessa nova etapa da vida deles”, afirma Janaina. A função de Leona, ao ouvir o toque da campainha na casa, por exemplo, é de correr para próximo e tocar no corpo de seus donos, de maneira insistente com a pata, informando o ocorrido.
Para o casal, que tem filhos ouvintes, a chegada de Leona diminuiu a responsabilidade no cuidado da casa, que antes era exclusividade das crianças.
Treinamento de cães
Atualmente, um segundo cão ouvinte está sendo preparado e treinado pela equipe Vale da Neblina. Dessa vez, uma labradora, de sete meses de idade, chamada Formiga. Ela passa por todas as etapas para entender os processos, a fim de facilitar a vida de quem possui a limitação de ouvir. Conforme Janaina, quando o cão está pronto para exercer a função, ele é encaminhado à uma família, que passa por um processo de seleção, afinal, o animal é doado, sem custo algum.
A equipe coordenada por Janaina e Cesar trabalha com o adestramento de mais um cão. Dessa vez, Hope, como é chamada, deverá auxiliar um adolescente com diagnóstico de baixa visão. A adestradora salienta que o animal não será um cão guia, mas sim um facilitador social. “Uma companheira que lhe trará muitas alegrias e que também terá algumas habilidades a mais como busca de objetos e abrir e fechar porta e armários. Seu treino hoje acontece com a presença de seu dono, adaptação de sua bengala, execução de comandos e vínculo”, detalha.
Um novo companheiro na busca da independência
Além de deficiência auditiva, situações com deficientes visuais, cadeirantes e autistas também são foco do trabalho do cão assistente. Tommy, um filhote da raça Labrador de 7 meses, está em treinamento para auxiliar uma criança com Autismo. O objetivo é que o animal auxilie a pessoa autista em situações cotidianas, além do acompanhamento em algumas atividades como terapias e passeios. Conforme Janaina, o animal terá a função de ser um facilitador social, um motivador para atividades de sua rotina e irá prevenir fugas em passeios e nos deslocamentos da escola. “Hoje ele vai toda semana na Clínica Jeito de Ser, onde participa de sessões de terapias, chamadas Intervenções Assistidas por Cães. Nestas, o Tommy o estimula nas atividades pedagógicas. Já estamos realizando um pré acoplamento de Tommy a sua nova família. Isso tudo para que ele se adapte, bem como as pessoas envolvidas no processo. Tudo isso para que seja criado um vínculo”, explica.
O pai de Paulo Cezar Maia Madeira de Souza, Paulo Cezar Madeira, explica que a decisão em adotar um cão assistente mudou completamente a rotina e a vida da família. Hoje, com a vinda do animal, o filho poderá melhorar a qualidade de vida. “Temos em mente que a presença do Tommy, além trazer mais uma companhia a nossa família, irá ajudar no desenvolvimento cognitivo, afetividade, desinibição e autoestima do Paulinho”, acredita.
A chegada de Tina na vida de Gabriel Borsoi De Nale, que nasceu com paralisia cerebral de tetraplegia e que impossibilita o menino de realizar alguns movimentos também mudou a rotina. Conforme sua mãe, Camila Borsoi De Nale, foi através de um pedido do filho que a família decidiu por receber Tina, uma labradora, para ser um cão assistente. “Após conhecer o trabalho do Centro de Adestramento Canino Vale da Neblina conversamos. E a Janaina junto de nós acreditou na ideia”, afirma.
Segundo Camila, o objetivo é que a cachorra auxilie Gabriel em suas tarefas diárias, como, por exemplo abrir uma porta, uma gaveta, pegar objetos e alcançar para ele e o que ela conseguir para auxiliá-lo. ”Através das atividades, que para a Tina são brincadeiras, para o Gabriel tratam-se de exercícios motores como jogar a bola, movimento de mão para alcançar a recompensa ou escovar a Tina força de pescoço para manter a cabeça ereta ajudando na postura de sua coluna cervical”, aponta. “É gratificante ver a evolução da Tina e do Gabriel juntos. A sintonia e o carinho entre eles”, destaca a mãe.