Na segunda-feira, 19, foi comemorado o Dia do Teatro. A história dessa arte no Brasil tem início no século XVI, quando o país passou a ser colônia de Portugal. Com a chegada dos padres jesuítas ao território nacional, os índios começaram a ser catequizados. Os jesuítas trouxeram, junto à catequização, influências culturais, como a literatura e o teatro.
Às vezes a vida segue um caminho que surge ao acaso. Assim foi para a atriz e diretora teatral, Måhrcia Carraro, que teve seu amor pelo teatro despertado ainda na infância, após uma visita escolar. “Quando eu tinha seis anos, ia na Biblioteca Pública Castro Alves, e lá havia uma professora que fazia contação de histórias com fantoches. Existia uma caixa com esses bonecos, eu brincava com eles junto às minhas amigas. Um dia, uma colega faltou e eu fui apresentar o teatro, pois já havia visto ela fazer aquilo várias vezes e sabia as falas decor. Fiz tudo sem precisar ler o roteiro e ainda acrescentei mais coisas, achei aquilo muito mágico e sempre que podia, ia lá para brincar e inventar histórias”, recorda.
Aos nove anos, participou de oficina de teatro na biblioteca com a professora Ivone. “Ali, descobri que amava estar no palco. E o teatro sempre esteve presente em momentos muito especiais para mim, normalmente relacionado aos livros, às vivências, às histórias e as coisas que penso sobre o mundo”, conta.
Em 2010, surgiu a oportunidade de Måhrcia fazer licenciatura em teatro na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), em Montenegro. Formou-se em 2017, e, desde os 25 anos, trabalha somente com o teatro. Além disso, a atriz fez alguns cursos e oficinas com Carlos Simioni do Lumi Teatro e Ana Woolf, artistas renomados que ela leva como inspiração. “Ele é fantástico e o instituto faz pesquisas voltadas ao teatro há muitos anos. A Ana tem uma energia de cena muito forte e visceral, o que gosto muito. No teatro gaúcho tem o Marcelo Adams, pois ele faz produções incríveis e suas peças estão sempre em cartaz”, indica.
Quando começou a estudar teatro, tinha como maior referência artística o espetáculo “O Realejo”, do Grupo Bagaceira. “É algo que me toca muito, ainda lembro de algumas cenas e formação dos atores no palco. O show misturava teatro e algumas adaptações de artes visuais, que achei fantásticas”, lembra.
De acordo com Måhrcia, viver de teatro em Bento Gonçalves não é fácil. “Não temos um teatro, somente o anfiteatro da Casa das Artes, mas o custo é muito elevado. No teatro do Sesc temos que trabalhar com estruturas adaptadas para se apresentar. Precisamos de um espaço físico para contemplar o teatro. Logo também não temos formação de plateia, é quase inexistente as pessoas com esse vínculo com o teatro, o que torna difícil fazer venda e de viver somente da arte”, lamenta.
Iniciou como professora após uma pessoa assistir sua peça e lhe procurar para dar aulas de teatro. “Até então eu nunca havia atuado nesse sentido, somente feito alguns cursos. Ela insistiu comigo por mais de um ano, que queria muito que eu desse aulas no local e acabei aceitando. Busquei me aprimorar, pois quando se ministra é bem diferente do que vivenciar no palco. A busca pela minha graduação também foi para auxiliar na minha carreira como educadora teatral”, comenta.
Para ela, é sempre desafiador atuar como professora. A artista ressalta que suas maiores conquistas estão ligadas com as pessoas que convive e quem ela ajudou a semear o futuro. “Temos muitos talentos em Bento Gonçalves e região, é maravilhoso ver o potencial deles. Além de possibilitar momentos em que eles possam crescer como seres humanos e, principalmente, como artista. Minha maior conquista são os meus alunos, alguns são colegas de teatro. É maravilhoso ver as pessoas que me assistiam e depois iniciaram aulas comigo, se formando como atores”, considera.
Além disso, orgulha-se de ter inaugurado a primeira escola de teatro da cidade, de ter produzido a peça ‘O menino que virou história’, que ficou em cartaz por cinco anos, e de trabalhar com aquilo que realmente ama. “É a única forma de eu existir e respirar, eu não consigo viver fora do teatro. É através dele que eu vivo, emociono a mim e aos outros, que tenho as minhas relações de amizade, de companheirismo e muito do que vivo, depende dele. Eu preciso dele para ter a liberdade de ser quem eu sou”, conclui.
Dedicada a ensinar
A atriz e professora, Marina Tronco Martins da Silva, 24 anos, participava, desde criança, de aulas de teatro no educandário em que estudava em Porto Alegre. Lá, havia um espetáculo de final de ano que envolvia todas as turmas com dança e teatro, onde a artista tinha aulas voltadas para isso dentro do currículo escolar. “Minha primeira apresentação teatral foi nesta escola, apresentei duas peças estando no elenco e duas com dança. Me sentia muito bem e me divertia muito fazendo isso”, recorda. Depois de alguns anos, em 2012, começou a fazer aulas em uma escola de teatro em Bento Gonçalves. “Desde então nunca parei, vi essa arte como possibilidade de profissão e mergulhei neste universo. Sempre me senti bem, acolhida e livre como atriz. Isso me cativou”, completa.
Durante os próximos anos, apresentou-se em diversas peças e participou de várias oficinas com diferentes linguagens e técnicas. Em 2016, ingressou na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), em Montenegro, no curso de teatro, e formou-se após cinco anos. Durante a graduação, recebeu uma Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid), programa que a colocou em sala de aula com orientação e em dupla, em que pode experimentar de modo tranquilo e efetivo o trabalho como professora, principalmente na educação infantil. “A UERGS trabalha com o conceito de professor-artista, sendo assim, me identifico igualmente com estas duas trajetórias. Através disso, hoje fazem cinco anos que atuo como educadora”, conta.
Além disso, neste mesmo ano, a atriz começou a fazer aulas de técnica vocal para o canto e, atualmente, atua em um musical pela Cia Teatral Acto, de Garibaldi. “Também trabalhei durante sete anos como atriz no passeio de Maria Fumaça. Já me apresentei em São Paulo com a peça ‘Nosso Estado de Sítio’, criada em um componente curricular da faculdade, esta mesma peça entrou em temporada em Porto Alegre pelo projeto Novas Caras. Essas duas experiências foram realizações de sonhos para mim”, informa.
Em 2019, lecionou uma oficina de teatro sozinha no contra turno escolar, pela primeira vez. De acordo com Marina, foram essas experiências que construíram sua metodologia, possibilitaram ampliar seus horizontes e criar autonomia. “Não é fácil, é um trabalho que demanda muita energia e planejamento. No entanto, enxergar as criações coletivas e o amor dos alunos pelas aulas é uma grande recompensa”, fala.
Durante o período pandêmico, não conseguiu ter turmas de teatro ou participar de encontros presenciais. Por conta disso, a artista fez parte de um grupo de experimentações em teatro virtual. “Foi um momento muito importante de troca e de companheirismo, que me deu suporte ao realizar o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) durante este período difícil e incerto. Nessa época, trabalhei na Maria Fumaça com EPIs e distância dos espectadores. No início era assustador e sufocante, depois as coisas foram se tornando normais e rotineiras”, recorda.
Ainda dentro desse conceito, lecionou artes em 2021 e as aulas virtuais foram um dos maiores desafios para a professora. “Na verdade, foi um período cheio de incertezas e medos, onde nós do teatro tentamos nos adaptar e reinventar nossos meios. Espero que no próximo ano abram mais editais, que mais peças possam circular, que nossas turmas de teatro estejam cheias de alunos e que possamos ter recursos financeiros para todos os processos criativos que idealizamos no ano em que tudo estava confuso”, frisa.
Como educadora teatral, percebe que é tendência a individualidade e ressalta a dificuldade dos alunos para trabalhar em grupo, de ter empatia e de criar relações de afeto. “Principalmente em um contexto pós-pandêmico. Antes de trabalhar qualquer noção e conceito teatral, a necessidade de trabalhar o coletivo urge”, sublinha.
De acordo com Marina, um dos maiores desafios para o artista é a estabilidade, pois, a maioria das pessoas dentro do teatro se emprega através de editais. “Nem sempre qualidade e competência são suficientes para conseguir lugar para si no meio, é necessário ter contatos. Não é um mercado fácil, mas com certeza todo trabalho é compensado. Além disso, sinto falta de editais mais completos, de recurso e de menos burocracia dentro dos processos seletivos de projetos”, considera.
A cena teatral no município é algo que ela não vê se desenvolver. “Não vejo mais peças de fora entrando em cartaz na cidade, a necessidade de formação de plateia é evidente também. Gostaria muito que existisse um festival de artes cênicas, uma mostra de teatro de Bento Gonçalves. É importante abrir espaço para as produções locais e regionais, trazendo pessoas para a cidade e proporcionando trocas entre a comunidade e a cultura’, aponta.
Segundo Marina, suas maiores conquistas, no momento, são ter várias turmas e poder exercer o fazer teatral com pessoas de diversos perfis e realidades, possibilitando o contato com a cultura e a arte. “Outra destas conquistas é poder exercer a profissão de artista dentro da cidade e nos arredores, tenho muito orgulho das produções que faço parte. O teatro é um meio de transformação social, de criação de vínculos, de autoconhecimento. Ele cria afetos de muitas maneiras e dá voz, corpo e palco às coisas que queremos dizer ao mundo”, pondera.
Ao poder agir dentro do que acredita, entretendo, comunicando e fazendo o público pensar, a atriz conta que está realizada com a possibilidade de transformar nos espaços em que atua e convida a comunidade bento-gonçalvense a participar mais das ações artísticas do município. “Gostaria de convidar os leitores a prestigiar as apresentações teatrais de nossa cidade e região. Já deixo avisado que no dia 8 de outubro estarei com outras duas mulheres artistas, Mônica Blume e Raquel Peres, apresentando a peça Fragmentos D’Elas, durante a 37ª Feira do Livro de Bento Gonçalves”, finaliza.
Fotos: Divulgação