Bento-gonçalvense se dedica a criação de arcos esportivos com excelência

Um trabalho ancestral e ainda pouco comum na história ocidental, a confecção de arcos tradicionais de madeira, está sendo resgatado em Bento Gonçalves por meio das talentosas mãos de Júlio César Pedrassani, 52 anos, o único bowyer —ofício de quem produz arcos — da Serra Gaúcha.

Filho de marceneiro, Padrassani, como ele mesmo destaca, “traz no sangue” o amor pelo trabalho manual com madeira e a possibilidade de, a partir desse material bruto, criar diferentes obras. “Por ser o primogênito, eu tinha uma ligação grande com meu pai e estava sempre ao seu lado. Com ele aprendi a usar formão, serrote, plaina manual, e fui pegando o gosto pela criação”, conta.

Projetista de profissão e artesão de coração, esteve à frente, como sócio, de uma empresa de peças de inox, enquanto como hobby ia dando forma a muitos dos objetos que utiliza em sua casa: a adega, estantes, o assoalho, e até mesmo o quiosque que ocupa o quintal. “Fiz ele praticamente sozinho, tudo com madeira de demolição no mínimo detalhe. As peças que faço tem que encaixar perfeitamente, então lixo e corto até ficar como quero”, conta.

Foi então, ao acaso, em 2009, que descobriu o ofício onde, mais do que nunca, poderia unir o metodismo adquirido com os anos de projetista ao talento e criatividade com o qual ocupava suas horas vagas dando forma a madeira. Ao entrar em uma loja de caça e pesca de Caxias do Sul, viu pela primeira vez um arco de madeira. O objeto lhe chamou tanto a atenção que, ao chegar em casa, resolveu reproduzi-lo. “Era um arco bem simples, de pouca técnica, e pensei comigo que podia fazer igual. Fiz um esboço e comecei a criar. O primeiro que fiz quebrou, assim como o segundo e o terceiro. Então notei que não era algo tão simples”, lembra.

Embora não soubesse, nascia dessa dificuldade o desafio que o levaria a se tornar um bowyer mundialmente reconhecido. “Tinha começado por brincadeira, mas depois que quebrou um, dois, três virou questão de honra conseguir fazer dar certo”, sublinha. Aos poucos, foi testando novos materiais e pesquisando, fabricando arcos para amigos, enquanto aperfeiçoava sua técnica.

Talento internacional

Ainda em 2009, foi voluntário do 35º Campeonato Nacional de Tiro com Arco, onde participou com o objetivo de ter contato com arqueiros e novos materiais. “Até então não tinha pego nenhum arco oficial na mão, só aquele da loja que era bem rústico”, assinala. Foi aí que teve contato com novos materiais e técnicas, até começar a investir em componentes internacionais. A fibra de vidro vem da Alemanha, a cola dos Estados Unidos, a madeira do Paraguai.

A qualidade dos novos produtos seria então, atestada pela Instictive Archery, revista alemã especializada em arcos tradicionais. “Eles entraram em contato pedindo se eu aceitava publicar um artigo na revista sobre meus arcos. Enviei um arco para a Alemanha em 2016 para que eles fizessem os testes e a crítica”, conta. A expectativa pelo artigo levou alguns meses, mas o retorno foi maior que o esperado. Seu arco havia saído vencedor em um comparativo com outros modelos semelhantes fabricados na Europa. O resultado lhe abriria as portas do mercado internacional.

Hoje, após mais de 10 anos produzindo, algumas de suas 270 obras já cruzaram continentes, chegando a Austrália, Itália, Alemanha e Estados Unidos, embora a maioria esteja espalhada pelo Brasil, com maior concentração nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. As mais especiais, no entanto, guarda consigo: o primeiro e o segundo arcos que resistiram sem quebrar e que pertencem a filha Júlia, de 19 anos, os quais mantém com carinho em um museu pessoal.

Júlia também auxiliou na confecção dos arcos que atualmente utiliza, revelando também possuir o gene criativo da família. Diferente do pai, porém, está o talento no tiro, embora só pratique por passatempo. “Ela pratica desde criancinha, quando fiz os primeiros arcos. Participamos recentemente de um campeonato em Alvorada e ela foi a única que acertou o alvo duas vezes. Ficou em segundo na pontuação geral e ganhou o troféu. E eu não ganhei nada”, conta sorrindo.