Situação costuma ocorrer no mesmo período do ano, em que produtores estão tratando as parreiras. Emater esclarece o motivo e pede conscientização

Um morador da comunidade 15 da Graciema, Vale dos Vinhedos, no interior de Bento Gonçalves, está inconformado com uma situação que ocorreu recentemente. Jaime Cassinelli, 59 anos é agricultor, trabalha principalmente com parreiras. Entretanto, também cria e trata abelhas. Há duas semanas, foi surpreendido com a mortandade de aproximadamente 30 colmeias, das quase 50 que possui.

O produtor e apicultor relata que, no dia do fato, quando se deslocava para trabalhar, percebeu que haviam várias abelhas mortas no chão da propriedade. Logo adiante, algumas saiam das outras colmeias, caiam e logo morriam. Contudo, em pouco tempo, a situação se agravou ainda mais. “Um ou dois dias depois, apareceram todas mortas. Os enxames que sobraram ficaram bem fraquinhos”, lamenta.

É o segundo ano que Cassinelli enfrenta o mesmo problema

Essa não é a primeira vez que o agricultor enfrenta a situação. Ano passado, no mesmo período do ano, Cassinelli perdeu oito caixas. Ele desconfia que o motivo é o veneno utilizado para exterminar formigas nas parreiras da região. “Recebemos um fiscal da inspeção veterinária que examinou todas as colmeias e disse que não é doença. Nós abrimos diversas caixas, ele olhou e falou que foi agrotóxico”, afirma.

Embora ainda não consiga mencionar o tamanho do prejuízo, Cassinelli também não tem certeza se vai ser possível recuperar as colmeias. “Perdemos o enxame, o mel e não sabemos se vamos conseguir recuperar as caixas, porque talvez elas fiquem intoxicadas de veneno, comenta.

Cassinelli ainda não sabe o tamanho do prejuízo

A esposa, Maria Tremarin Cassinelli, 52 anos, também está chateada. “A maior riqueza da natureza está sendo destruída pelos agrotóxicos. Todos os anos, após a poda, começa um novo ciclo com o tratamento das videiras e novamente temos o descaso e desconhecimento com a destruição daquelas que têm o dom maior da nossa sobrevivência e de todas as flores e frutos no ambiente em que vivemos, que ao sair das colmeias para fazer o trabalho de polinizar, não retornam e acabam morrendo”, destaca.

Maria pede que as pessoas tenham mais conscientização com o meio ambiente. “Isso é muito triste. Toda natureza que Deus criou foi destruída. Não haverá mais frutos para a humanidade. Respeitem mais esses bichinhos”, pede.

Importância das abelhas

O extensionista rural da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), Neiton Perufo enumera a relevância que as abelhas tem para a agricultura, principalmente para a região da Serra. “São elas que contribuem para a polinização de algumas variedades de plantas frutíferas que precisam de polinização cruzada. Cultivares diferentes de uma mesma espécie muitas vezes não conseguem produzir o próprio fruto e demandam de polinização. Por exemplo, ameixa, abacate, enfim, várias necessitam”, esclarece.

Perufo também destaca a forma exemplar como elas trabalham. “As abelhas são o grupo mais organizado que existe no mundo. Há uma organização hierárquica dentro do exame, com operárias, zangões e rainhas, com suas funções muito bem distribuídas. Tem operárias que vão à campo coletar pólen, as que só cuidam das larvas, as que fazem limpeza do enxame. Além de agregar para a fruticultura, contribui com uma série de funções nutricionais e terapêuticas, como a própria produção do mel, própolis e geleia real”, salienta.

O perigo dos inseticidas

De acordo com Perufo, a ameaça de alguns produtos químicos, principalmente de forma descontrolada, é muito alta para as abelhas. “Muitas vezes os produtores utilizam inseticidas que não são registrados para aquela cultura, como os que são usados em culturas temporárias, anuais, de soja, milho e trazem para usar na fruticultura, um produto que não tem registro para uso em videira, por exemplo. São produtos mais fortes, que deixam resíduo naquele lugar e infelizmente, a abelha tem por hábito, circular até três quilômetros distante da sua colmeia, então o risco é muito alto quando se tem uso indiscriminado de inseticidas”, avalia.

Mortandade na região

Questionado se é comum a morte de abelhas na região, Perufo responde que sim. “Infelizmente, todos os anos recebemos relatos de agricultores que perderam enxames. A gente vai ao local, analisa, verifica e realmente é pela contaminação de agrotóxicos”, aponta.

De acordo com Perufo, a situação ocorre principalmente neste período do ano, em que os produtores realizam os tratamentos de inverno das parreiras para controlar alguns insetos dos pomares. “Então, essa mortalidade aumenta nesse período de inverno, primavera”, explica.

É preciso conscientização

De acordo com Perufo, só existe uma forma dessa situação ser revertida e parar de ocorrer. “Com a própria conscientização do agricultor que aplica, que utiliza inseticidas. Somente ele pode ter essa sensibilidade, empatia pelo vizinho que tem a criação de abelhas”, afirma.

O profissional salienta a importância de usar os produtos adequados. “Usar os tratamentos no momento correto, não aplicar em época que tem incidência alta de ventos, utilizar somente a potência necessária, não trazer produtos irregulares, ter consciência dos grupos químicos de inseticidas que podem ocasionar uma grande mortalidade, ou seja, aqueles extremamente agressivos, que exterminam qualquer tipo de inseto. Essa consciência o produtor tem que ter”, garante.

Além disso, Perufo frisa o prejuízo que os apicultores tem, em situações assim. “Os produtores daqui não têm agroindústria, mas não deixa de ser uma fonte de renda, porque sabemos que eles vendem o excedente. Então, quando ocorrem essas mortalidades, a gente tem relatos de produtores que perderam 30, até 40 caixas de abelha. É um prejuízo altíssimo para quem tem, que produz mel e comercializa de alguma forma. Até conseguir capturar um enxame, formar, criar, fortalecer de forma que consiga produzir, se manter e fazer a coleta do mel, é difícil, trabalhoso, demora muito tempo para recuperar tudo. É triste quando ocorre isso”, comenta.

O que fazer quando isso acontece

Quando um apicultor se deparar com uma situação dessas, pode procurar a Emater. “Vamos ir conferir, embora a gente saiba que 95% ou até mais dos casos de extermínio de enxames, pelos sintomas analisados, são de fato por causa do uso de agrotóxicos. Então, quando ocorre, o produtor deve nos procurar”, finaliza.