Fomos obrigados.
A diminuir o ritmo dos nossos dias.
Home office, compras pela internet, delivery. Casa, sofá, Netflix, doses alcoólicas e amargas de solidão.
Não nos foram dadas muitas opções, a não ser pijamas quentinhos e qual a estampa da sua máscara hoje? Estamos impedidos de afogar as mágoas, de fingir alegria enquanto a música toca, de fugir dos problemas na sexta e voltar para eles na segunda-feira.
Fomos obrigados.
A exercitar a paciência, a simplicidade, a resiliência, a bondade. Estamos até fazendo campanhas e doações para quem já precisava antes! A diferença é que agora o buraco é mais em baixo, aliás, o buraco também está no nosso bolso e bem que Roberto Justus poderia repartir o pão com a gente. Se ele pode compartilhar, porque a gente não pode? E assim nasce o “faça o que gostaria que fizessem com você”.
Fomos obrigados.
A ficar cara a cara com a gente mesmo, não tem para onde fugir, é da sala para o quarto, do quarto para a cozinha, e aonde eu vou eu estou, não é um saco?
Nos acostumamos a dar atenção para qualquer malabarismo de rua a fim de não enfrentar. É como tomar remédio para dor de cabeça, afinal, não é a cabeça que dói, ela está emitindo um alerta. Mas bora calar o alerta, deixa que os órgãos definhem em silêncio.
E agora, estamos sem remédio para dor de cabeça, descobrindo porque o sistema nervoso parassimpático está entrando em parafuso.
Fomos obrigados.
A tentar driblar o tédio usando o cérebro, a descobrir que o outro é um ser humano com falhas assim como você, a descobrir que não era da pessoa que você gostava e sim do que ela podia te proporcionar.
Em contrapartida, mergulhamos mais fundo e enxergamos o que não se via da margem. Deixamos o “e se” de lado, e incluímos o “vamos ver no que dá” sem muita fé, achando que a quarentena vai ser deletada do calendário. Mas e as consequências do que você viveu nela? Serão deletadas também?
Fomos obrigados.
A ter um ano sabático.
Reclamar não vai ajudar. Lembrar das aglomerações também não. Sentir saudades menos ainda. Não que não possam, porém, como diria o filósofo, é tão eficaz quanto mascar chiclete para resolver uma equação de álgebra.
Não é fácil estar em quarentena sem ter a casa do Rodrigo Faro, nem a academia do Lucas Pinheiro, nem a conta bancária do Jeff Bezos, nem o Rodrigo Hilbert criando seus rebentos à base do é assim que se faz uma casa na árvore depois de um almoço com o bacon que eu mesmo defumei. Mas se não acharem que tudo isso é um sinal, então desisto de vocês.