Assim como a ciência só se consolida quando uma formulação teórica pode ser experimentada por uma prática, para grande parte dos pesquisadores o conhecimento produzido nas universidades ganha sentido quando transpõe salas e laboratórios e se torna algo aplicado e fazendo diferença, direta e efetivamente, na vida das pessoas.

Com uma visão alinhada a essa perspectiva, o estudante de Engenharia Eletrônica da Universidade de Caxias do Sul, Maikon Del Ré Perin, 25 anos, resolveu dedicar seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) ao desenvolvimento de um projeto de tecnologia assistiva, com a finalidade de proporcionar algum nível de autonomia para pessoas com impedimentos físicos para a autolocomoção – como pacientes de Esclerose Lateral Amiotrófica ou tetraplégicos. A iniciativa resultou em um protótipo de cadeira de rodas totalmente controlada por eletro-oculografia (EOG) – ou seja, apenas pelo movimento dos olhos.

Interessado em bioinstrumentação, Maikon inspirou-se para o projeto em um intercâmbio de 13 meses que fez na Universidade de Nevada, em Reno (EUA), entre 2014 e 2015, pelo extinto programa Ciência sem Fronteiras. Ao aprender sobre biossinais, decidiu-se por adaptar um projeto anteriormente executado no Campus Universitário da Região dos Vinhedos (CARVI), onde estuda – em 2014, o então acadêmico Marcos Magnani desenvolvera um sistema de controle cervical (por movimentos com a cabeça) para cadeira de rodas.

De volta a Bento Gonçalves, Maikon trabalhou no modelo de EOG. Primeiro, no TCC1, no sistema que capta os sinais elétricos gerados pela movimentação do globo ocular. Por fim, no TCC 2, que será apresentado em banca no dia 5 de julho, fez a integração com o sistema de controle da cadeira. Além do professor orientador, Angelo Zerbetto Neto, também coordenador do curso de Engenharia Eletrônica, o estudante contou com a colaboração dos professores Alexandre Mesquita e Marilda Machado Spindola, integrantes do grupo de pesquisa em tecnologia assistiva do Carvi.

Funcionamento
O equipamento funciona a partir da utilização, pelo usuário, de uma máscara com eletrodos, que, conforme o direcionamento do olhar, captam o sinal elétrico gerado pelos movimentos musculares que comandam o globo ocular. Como o sinal de EOG tem tensão muito baixa, (de algumas dezenas de microvolts), o circuito também faz sua amplificação, na proporção de 1 para 1 milhão. Isso torna a diferença de potencial elétrico originada no biossinal perceptível para um microcontrolador que vai identificar e ativar os comandos, instituídos da seguinte forma: o olhar para cima faz a cadeira mover-se para a frente; o olhar para baixo, pará-la; e o olhar para os lados gira o equipamento na direção correspondente.

“A possibilidade de controle é a principal vantagem, conferindo autonomia ao usuário”, pontua Zerbetto Neto. Esta autonomia é garantida, inclusive, no uso comum do olhar. “Os comandos de movimento só são acionados na extremidade do movimento ocular. Assim, a pessoa pode olhar para pessoas e objetos normalmente, sem risco de ativar a locomoção da cadeira”, explica Maikon.

O estudante pré-definiu a velocidade do protótipo em 1 km/h, mas o software permite a implantação de um comando de aumento gradual, também por EOG (por exemplo, dois olhares seguidos para determinada direção aumentariam a velocidade em 1 km/h). O circuito é alimentado por uma bateria de 24 volts e os motores por duas baterias de 12 volts, carregáveis na rede elétrica convencional por até três horas. O sistema não sofre qualquer interferência de rede elétrica ou eletromagnética.

Aperfeiçoamentos incluem integração com Internet
A eletro-oculografia é uma tecnologia conhecida, e sua aplicação em cadeira de rodas já existente. Contudo, ao invés de basear-se em algo pronto, Maikon escolheu projetar o próprio circuito de captação e ampliação do biossinal. A proatividade rendeu uma melhoria, referente à uma maior estabilidade do sinal de EOG, e a garantia de 80% a 90% da execução dos comandos.

Desenvolvido com recursos próprios, o projeto conseguiu, agora, aporte de R$ 90 mil do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). De acordo com o professor Angelo Zerbetto Neto, o valor deve ser utilizado para futuros trabalhos acadêmicos que envolvam melhoramentos no equipamento, como a instalação de sistemas de comando híbridos, unindo a EOG, o cervical e a eletromiografia (comandos musculares, como pelo movimento dos ombros).

Outros aperfeiçoamentos cogitados pelos desenvolvedores são a instalação de sensores de objetos e obstáculos, e a integração da máscara com a internet, permitindo ao usuário criar rotas por GPS.

Apresentação internacional
O projeto do circuito de captação de sinais por EOG foi apresentado por Maikon, no final de maio, em Turim, Itália, na Conferência de Tecnologia Internacional de Instrumentação e Medição (I2MTC), promovida anualmente pelo IEEE (Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos).

A entidade reúne pesquisadores e especialistas internacionais em torno dos estudos científicos na área. Para apresentação, os projetos precisam ser aprovados por uma banca de avaliadores do instituto, o que também assegura o registro na publicação final do evento. Neste ano, a conferência contou com a exposição de aproximadamente 150 trabalhos acadêmicos, de todo o mundo.