Vocês se lembram desta história? Trata-se de uma donzela que prova ter sangue azul ao mostrar sensibilidade a uma ervilha colocada furtivamente embaixo de doze colchões por aquela que se tornaria sua sogra. Depois da noite mal dormida, a menina se encontra com o príncipe, que logo se apaixona por ela (e ela por ele, suponho), num típico caso de amor à primeira vista.  E os dois se unem em matrimônio com a bênção da Coroa e vivem felizes para sempre.      

A troco de que o conto de Anderson me veio à cabeça? Simplesmente porque uma migalhinha de pão ficou me pinicando por baixo da roupa enquanto eu caminhava na rua.

É compreensível que as etiquetas causem incômodo – têm algumas que lixam a pele e atormentam qualquer pescoço, em especial os mais delicados. Meu netinho, por exemplo, não participou de nenhuma atividade na escola, no dia do pijama, porque ficou o tempo todo segurando a etiqueta da camisa, que o espetava. Aliás, ainda segurava ao me contar.  Imediatamente passei a tesoura nela.

Mas uma migalha de pão? Como pode atazanar tanto? E uma minúscula pedrinha dentro do sapato cutucando o calcanhar? Não estou falando de “uma PEDRA no meio do caminho”, nem de “pau, caco de vidro, nó de madeira…”.

 Refiro-me a coisas pequeninas, bobagens, insignificâncias, um sopro qualquer que devasta feito furacão, um pinguinho de chuva que embaça o horizonte, um solzinho de outono que acende fogueiras…  

São miudezas cotidianas passíveis de serem contornadas – é só levantar a blusa e retirar a migalha colada no peito, descalçar o sapato e jogar a pedrinha para longe (se for tênis, vai dar mais trabalho, especialmente se a distância entre os membros superiores e inferiores tiver aumentado), cortar a etiqueta ou dar um puxão nela, que já funciona como descarrego.    

Sobram tantas possibilidades como desligar o telefone na hora do soninho da tarde, trocar o pastel de brócolis com gosto de papelão por um pãozinho de queijo, evitar lives prolixas e vídeos longos que poderiam ser resumidos em meia dúzia de palavras, ignorar comportamentos tóxicos, filtrar notícias apocalípticas…  

E – o mais importante no atual momento – continuar driblando o “coronga”, que, pelo visto, não vai embora tão cedo.

Só não dá para fugir da gente mesmo, não é verdade?!