Bento Gonçalves, assim como inúmeras outras cidades ao redor do globo, abriga em seu tecido social uma miríade de indivíduos movidos por um impulso fascinante: o colecionismo. Longe de ser um mero passatempo, a prática de reunir objetos, sejam eles moedas antigas, selos raros, bonecas de porcelana ou até mesmo rolhas de vinho, revela uma complexidade que se estende por séculos e mergulha nas profundezas da psique humana. É uma atividade que transcende o valor monetário dos itens, transformando-os em testemunhas silenciosas de histórias, paixões e, muitas vezes, de um profundo senso de identidade.

Histórico

A origem do colecionismo remonta há tempos imemoriais, com os primeiros indícios dessa prática sendo encontrados em civilizações antigas. Embora seja desafiador apontar com exatidão o “primeiro colecionador” da história, a busca por artefatos únicos e a preservação de bens valiosos são comportamentos intrínsecos à evolução humana. As câmaras mortuárias de faraós egípcios, repletas de tesouros e objetos pessoais, podem ser vistas como as precursoras das modernas coleções. No entanto, é durante o Renascimento, com o surgimento dos ‘cabinets de curiosités’ ou gabinetes de curiosidades, que o colecionismo se estrutura de forma mais próxima ao que conhecemos hoje. Esses espaços, mantidos por nobres e intelectuais, eram verdadeiros microcosmos do mundo, abrigando desde fósseis e minerais exóticos até obras de arte e artefatos etnográficos, demonstrando o desejo humano de compreender e organizar o vasto e desconhecido.

Em um olhar contemporâneo, a diversidade de objetos colecionáveis é quase ilimitada. Moedas e selos continuam a figurar entre os mais populares, atraindo entusiastas pela sua história numismática e filatélica, pela raridade e pelo valor intrínseco. 

A psicologia por trás do ato de colecionar é um campo vasto e intrigante. Entre as motivações mais populares estão a busca por conhecimento e domínio sobre um determinado assunto, preservação da memória e a nostalgia.

Há também o prazer da organização e da completude, a satisfação de preencher lacunas em uma série ou de ter uma coleção bem categorizada e exposta. O senso de realização e conquista ao adquirir uma peça rara ou aguardada por muito tempo também é um fator relevante. Além disso, o colecionismo pode ser uma fonte de conexão social, unindo indivíduos com interesses semelhantes em clubes, feiras e comunidades online, onde trocam conhecimentos, experiências e, é claro, objetos. Para alguns, é até mesmo um investimento, com a expectativa de que o valor dos itens aumente com o tempo.

Coleção de bicchierini

Em um mundo onde as coleções frequentemente se ligam a itens grandiosos e de alto valor, Euclides Longhi, empresário e sócio-diretor da Multimóveis, revela uma paixão singular que o acompanha há mais de duas décadas: a coleção de “tiquins” ou “bicchierini”, como são conhecidos os pequenos copinhos de cachaça ou shot na Itália. Com mais de 400 exemplares, cada um com um design único, a coleção de Longhi transforma-se em um fascinante registro de viagens, culturas e a própria evolução do design.

A origem desse hobby inusitado remonta a 23 anos, quando Longhi iniciou suas viagens de comércio exterior pela Multimóveis. “Comecei a trazer um, dois, como recordações”, relata. O que inicialmente era um simples souvenir rapidamente ganhou um novo significado. Acostumado a lidar com o design complexo de móveis, o empresário foi surpreendido pela riqueza de detalhes e criatividade encontrada nos minúsculos copinhos. “Como é que pode ter tanto design num copinho que é tão pequeno e num móvel grande é mais difícil para conseguir?”, questiona, revelando a epifania que logo se tornou um hobby. Essa percepção do design em um objeto tão modesto, segundo Longhi, trouxe uma nova perspectiva sobre a aplicação da criatividade, independentemente do tamanho da peça.

As viagens a trabalho, que o levaram a mais de 30 países, tornaram-se oportunidades para expandir a coleção. Cada nação visitada apresentava seus próprios designs, enriquecendo o acervo de Longhi com uma diversidade impressionante. “Cada país tem seu design de copinhos. E eu comecei a trazer copinhos diferentes”, explica. Hoje, ele possui mais de 400 peças, praticamente todas distintas entre si. A paixão é tamanha que amigos e familiares, cientes de seu gosto, já trazem presentes de suas próprias viagens, como um copinho da Capadócia, trazido pelo cunhado, outro da Rússia, presente de um colega, países que Longhi ainda não teve a oportunidade de visitar. “Eu tenho praticamente [peças] de todo o mundo”, afirma com orgulho.

Apesar da imponência da coleção, que já exige a construção de uma nova prateleira – um projeto que Longhi, devido às suas responsabilidades como presidente da FIMMA e da Movergs, ainda não conseguiu executar –, a organização das peças ainda é um desafio. “Eu já tenho o projeto feito. Eu só não tive tempo ainda”, admite, mencionando que a futura organização deve considerar o design como critério principal, buscando agrupar peças com características estéticas semelhantes, bem como oferecer uma melhor proteção à coleção.

Entre os mais de quatrocentos copinhos, alguns se destacam por sua história ou peculiaridade. Longhi recorda com carinho os primeiros copinhos que realmente chamaram sua atenção, adquiridos no Peru. No entanto, o exemplar mais inusitado em sua coleção é um copinho feito de osso de baleia, trazido do Uruguai. Apesar da diversidade, ele ressalta a beleza e a qualidade dos designs italianos. “Os italianos são os mais bonitos. Tem até da torre de Pisa, que é um copinho torto”, descreve, evidenciando a riqueza cultural de cada peça. Essa vasta gama de exemplares de diferentes partes do globo, para Longhi, é um testemunho da universalidade da criatividade e da capacidade humana de criar beleza em objetos cotidianos, bem como agregar planejamento de desenvolvimento de peças tão singulares.

A preservação da coleção é levada a sério por Longhi, que mantém os copinhos protegidos em um móvel com vidro. O cuidado é tão meticuloso que nem mesmo a funcionária responsável pela limpeza da casa tem permissão para manuseá-los. “Ela está proibida de tirar o pó dos copinhos. Ela não pode botar a mão. Porque eu sou mais ciumento nos copinhos que com a minha esposa e com os meus filhos”, brinca o empresário, revelando o apego emocional aos seus “tiquins”.

A reação das pessoas ao se depararem com a coleção é sempre um ponto de alegria para o empresário. “Quando as pessoas vão na minha casa, pela primeira vez, a primeira coisa é eu mostrar os copinhos”, conta. A satisfação em compartilhar sua paixão é evidente: “Me encho de alegria e as pessoas falam, ‘ah, que lindo!’, mesmo não gostando, mas eles me alegram, né? Porque é um hobby muito bacana que a gente tem”, afirma.

Questionado sobre uma meta para o número de copinhos, Longhi é enfático: “Coleção em crescimento”. A paixão é contínua, e ele já planeja trazer mais exemplares em sua próxima viagem ao exterior. A coleção de Longhi é um testemunho de como um simples hobby pode se transformar em um legado de memórias e histórias, encapsuladas em objetos de tamanhos modestos, mas de imenso valor sentimental e cultural.