Não gosto de ir dar adeus às pessoas que nos deixam, fico deprimido, angustiado, faço questionamentos. Conheci muita gente, amigos, conhecidos, que passaram a vida toda trabalhando, se sacrificando para criar, orientar, educar os filhos e, na hora de curtir o sonho vê-los formados em faculdade, de curtir os netos, de curtir a estabilidade emocional, o equilíbrio econômico, se vão, vitimados por doenças precoces. Isso dói mais quando vejo lideres que trabalharam pela comunidade, que foram referências inesquecíveis. Fui me despedir de Soly Pompermayer e de Da. Helena Raja Delving Koff, sepultados no mesmo dia 31. E ai desce tudo na minha cabeça. A lembrança de Darwin Geremia, de Armando Piletti, partidas mais recentes, de lideres que não se limitavam apenas a ser cidadãos exemplares, mas também corretos profissionais e cidadãos de exercício de espírito comunitário. Neste cenário de lembranças não há dia em que não elevo meu pensamento ao ex-prefeito Darcy Pozza, político de essência, com quem mantive estreitos vínculos de amizade, por vezes conturbada, e que está em casa passando pela adversidade a que todos nós estamos sujeitos, saúde debilitada. Fiquei alegre ao saber que a família o assiste de forma exemplar e carinhosa, que ele até passeia pela cidade numa camionete adaptada, que não lhe falta nada, nem o calor humano dos amigos que ele observa, demonstra que ele entende, mas está incapaz de se comunicar. Isso me deixa confortado, ficaram em mim as marcas do que se foi, cenário que deixou um bem querer. Ele está fazendo falta no cenário político também, principalmente ao Prefeito Pasin. Ao me aproximar de Soly e contemplar seu semblante sério, focado com era, retilíneo, cordial, sempre com um sorriso entre os lábios, lembrei que ele foi fundamental na vida do Clube Esportivo e era pessoa lembrada para consultas, conselhos, auxilio e, na condução de importantes assuntos comunitários. Sobre ele deitavam a bandeira do Clube Esportivo e uma flâmula do Clube Juvenil, de quem eu também era atleta, reserva é verdade, mas era atleta. O Juvenil era o Clube da juventude do centro da cidade, o chamavam de o “clube dos bundinhas da cidade”. Muitos atletas que passaram pelo juvenil seguiram a carreira profissional passando pelo Esportivo. Quem depositou a flâmula junto ao Soly foi o Dolmires Vicentin (Menin), que sabe tudo sobre o clube inclusive onde está guardado o acervo do Clube. Quando eu presidi o Esportivo em meio a tempestade eu procurava o Soly, vinham dele palavras de estimulo e conforto.

A DESPEDIDA II
Na sala ao lado, no mesmo instante, estava sendo velada Dona Raja, nos seus 94 anos. Estava linda, qual uma deusa grega, ao chegar à empresa e ler o obituário vi que seu primeiro nome era Helena, tudo a ver pensei. Mas, diante de todos e de si própria era Da. Raja, esposa do também falecido Willy Koff, homem simples, de olhar profundo e rigoroso sem nunca perder a cordialidade. Gerou muitos empregos, presidiu o Movimento Democrático Brasileiro, estabeleceu uma profícua gestão política ao lado de Aristides Bertuol, Milton Rosa e Ervalino Bozzeto. Tinha carisma, sabia o que dizer para cativar votos e prestigio político. O atual Secretário da Cultura, Jovino Nolasco, era um dos seus colaboradores preferidos, era tarefa dele a ornamentação das vitrines, atração a parte na Casa Koff. Eu era Secretário Municipal do Governo e Willy o Presidente do partido. A Secretaria de Obras era atrás da Prefeitura, eu havia recebido denuncias de que peças, motores e outros materiais eram roubados, investiguei, com ajuda de pessoa de confiança, armamos um flagrante e ai colocamos uma Guarita, com guarda, o problema acabou, mas eu criei um problemão. O acesso para a garagem dos carros do Willy e carga e descarga da Loja, só podia ser feito através do pátio da Prefeitura. E eu esquecera de dar uma chave ao Willy, presidente do partido. O mundo caiu em cima de mim. Em carta ao Prefeito Fialho ele exigiu a minha demissão. Ouvidas as partes, o Prefeito resolveu me manter no cargo, errar é humano, mas não foi erro, foi esquecimento. Um pouco mais adiante um amplo relatório ao Prefeito sobre os gastos de horas extras na Prefeitura, assim como Sartori fez no estado. O Prefeito baixou um decreto (ordem de serviço), acabando com as horas extras. Na sexta, o motorista da Rural Willys azul e branca, que fez sucesso na prefeitura, todo mundo a requisitava, o Flávio, entrou no meu gabinete e perguntou “doutor, o corte das horas extras atinge meu trabalho também? ” e eu respondi” sim Flávio, é geral, a ordem de serviço foi assinada pelo Prefeito”. O que foi que aconteceu? O Flávio, que levava juízes do futebol amador para apitar partidas no interior, não foi levar o juiz e o jogo marcado para Pinto Bandeira não saiu. E quem era o Presidente da Liga Bentogonçalvense de Futebol Amador? O Willy. Quem disse que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar? Novo pedido de demissão do Secretário, desta vez feito pessoalmente. Nova justificativa de minha parte. O que fez o Prefeito? Me manteve no cargo. O que fez o Willy? Renunciou a presidência do partido, rompeu relações comigo, somente cerca de quinze anos depois eu reconquistei a amizade do Willy, me senti honrado e gratificado. Eu não devia, porque deveria temer? Tomei o acontecido como exemplo de vida. Hoje, aqui na empresa, quando alguém fala “fulano quer falar com o Senhor” eu indago, “onde, no telefone ou, está aqui no jornal?”. Passei a detestar coisas ditas pela metade. E quando alguém fala de alguém, faço uma micro-reunião, assim evito mal entendidos, palavras mal colocadas ou recados incompletos. Voltando ao Willy, comerciante conceituado, muitos empregos gerados, muito trabalho de ação comunitária, muita ajuda, especialmente no esporte, muita contribuição na geração de impostos. Enquanto isso, Da. Raja, como era comum da época, cuidava do lar, da formação dos filhos, das relações sociais. Deu no que deu: duas filhas médicas, Claudia e Elisabeth, mais a Elionora e um empresário, André.

Bem, vou encerrar, o espaço acabou, volto a falar sobre despedidas mais adiante. Nesse momento a sociedade de Bento reaparece, para se despedir, homenagear e referenciar, não há mais os bailes do Clube Aliança, os encontros sociais, as “passeggiatas” nos domingos à noite, das 10 às 24 horas, após o cinema, na Mal. Deodoro. Não há mais encontros, a não ser em “petit comité”, encontros sociais amplos só nas despedidas. Ao encerrar não deixo de pensar cá com meus botões: onde a memória de Bento está depositada? Onde está nosso museu da imagem e do som? Daqui uns dias não vamos mais saber quem fomos e nem tampouco compreender o que somos e porque somos. Se quisermos ter gerações seguras, sábias, consistentes, é preciso que se estruturem com exemplos e história. Quais são os livros de maior sucesso de vendas atualmente? As biografias de pessoas que fizeram a diferença.