Era uma segunda-feira chuvosa em Bento Gonçalves, a temperatura beirava os 10ºC e o tempo não estava convidativo a sair de casa. Mas o ponteiro do relógio marcava 10 horas e a sala que fica localizado aos fundos do Serviço de Atendimento Psicossocial (Caps AD) estava com todas as cadeiras ocupadas e eram de familiares que de dependentes químicos que criaram coragem e estavam em busca de ajuda. Um amparo que eles provaram ser fundamental para a recuperação não só do dependente, mas também da comunidade familiar como um todo.

Atualmente, o Caps AD possui um demanda de 3 mil pacientes ativos. Sendo que 130 são usuários ou familiares que frequentam grupos e palestras. O que significa, para a coordenadora Adriana Baccin Lazzarotto, um alto índice de dependentes. “Lembrando que o parente adoece junto. Sempre!”, salienta.

“Todos morremos juntos… aos poucos”, essa foi uma das frases mais faladas durante uma hora e quinze minutos (tempo que durou a reunião do dia 5 de junho). Eram mães e pais, com lágrimas nos olhos, que lembraram o quanto, o convívio diário com um dependente químico, desestrutura a família e faz com que a rotina familiar se perca aos poucos.

A sensação, segundo relato de um pai que preferiu não se identificar, era como se segurasse um punhado de areia e ele começasse a escorrer pelos dedos, sobrando, apenas, alguns grãos. Os grãos que são a esperança. Aquela, que para muitos, parece já ter desaparecido, mas que são em momentos como o do encontro da segunda-feira, que fazem trazer à tona o porquê de lutar e continuar tentando retirar do fundo do poço o ente querido. “Há dois anos meu filho está limpo. Ele inclusive trabalha na comunidade ajudando os mais novos. Mas digo com propriedade que o início não é fácil e os pais precisam estar preparados”, garante.

Os relatos são muitos e, mesmo que diferentes, acabam tornando-se parecidos, pois fazem parte de histórias que são contadas por pais e mães que sentem o dia a dia do convívio com um dependente químico e da regressão de cada um. “Meu filho é o mais novo na Comunidade Terapêutica, tem 19 anos e e é usuário desde os 14. Doeu muito quando ele pediu para ser internado e dói até hoje ver que não está em casa todos os dias conosco”, lamenta um pai.

A dor de uma mãe

Naquele dia, três mães estavam presentes na reunião do grupo de apoio. A dor e a tristeza eram perceptíveis. O choro vinha fácil e as lágrimas insistiam em correr o rosto.

Sentada próximo as outras duas mães estava uma que há uma semana havia tirado o filho, que ainda é jovem, da Comunidade Terapêutica, após uma semana de internação. “Ele me ligou, pediu e chorou muito no telefone. Queria que eu fosse buscá-lo que ele prometeria continuar a faculdade, terminar os estudos e ser uma boa companhia em casa. Infelizmente, isso só aconteceu no primeiro dia do retorno à nossa residência”, lembra.

Sete dias depois a mãe garante que dessa vez não vai acreditar em promessas e vai aceitar que só há uma maneira de resgar o filho. “Preciso tirar ele dessa vida. Sempre dei tudo do melhor, carreguei em minhas mãos durante toda a vida. Quem sabe o maior problema tenha sido a proteção extrema. Agora só o quero de volta, com aquela ingenuidade e carinho que tinha quando criança”, esclarece.

Logo adiante havia uma avó. Criou o neto desde os três meses. A mãe, sua filha, era ainda adolescente e não tinha condições de cuidar do filho. A senhora, de aproximadamente 70 anos, emocionou-se quando disse que vive dia após dia e nunca consegue descansar a cabeça no travesseiro. “Fico preocupada pensando se ele está bem. Quando mando roupas ou produtos de higiene sempre coloco junto um bombom, ele adora chocolate e assim posso me sentir mais próxima ao meu neto”, conclui.

O trabalho

O Caps AD apoia usuários e famílias na busca de independência e responsabilidade com o tratamento. O Centro dispõe de equipe multiprofissional composta por médico psiquiatra, clínico geral e psicólogos “Oferecemos atendimento na modalidade de porta aberta, o que significa que qualquer pessoa pode buscar auxílio e informações e será acolhido por profissional sem agendamento”, garante a coordenadora.

Adriana lembra da importância da família fazer o tratamento junto. “Temos dois grupos de familiares, um dos critérios de visita pelo familiar é comparecer a pelo menos três grupos, pois entendemos que o familiar também precisa de auxilio. Se a família nao estiver engajada no tratamento, a possibilidade de recaída é bem maior. Não é obrigatório frequentar apenas os grupos do Caps AD, os familiares podem ir a outros como Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos, lar caridade, entre outros”, finaliza.