Levantamento da Agência Pública detectou cinco defensivos proibidos na água não tratada de Bento, fiscais agrônomos do Estado defendem que a presença é meramente residual e que jamais encontraram produtos clandestinos em agropecuárias ou em propriedades rurais, no município

No centésimo dia do governo Bolsonaro, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) autorizou o registro de 31 novos agrotóxicos, totalizando assim 152 liberações no ano, uma média superior a um novo produto por dia.  Segundo dados da própria pasta da Agricultura, no período de 2015 a 2018 a taxa de registros autorizados cresceu 220%. Atualmente, 2.152 produtos elaborados com agrotóxicos estão em circulação

Em Bento Gonçalves, após a recente revelação do levantamento, feito de forma conjunta pelo Repórter Brasil, Agência Pública e pela organização suíça Public Eye, por meio de informações públicas do Ministério da Saúde, que revelou a presença de 13 agrotóxicos na água bruta da cidade (aquela ainda não tratada), o assunto ganhou novos contornos, dividindo opiniões. Entre os químicos encontrados, 11 são considerados altamente ou extremamente tóxicos pela Pesticide Action Network (PAN), grupo que reúne centenas de organizações não governamentais mundiais que trabalham para monitorar os efeitos dos agrotóxicos. Mas esse não é o único número que chama a atenção. Em meio aos defensivos encontrados nas amostras coletadas entre 2014 e 2017 destacou-se a presença de cinco produtos com venda proibida no Brasil: parationa, metamidifós, carbufurano, aldicarbe e o DDT.

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Estudo aponta defensivos ilegais na água de Bento

Segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), em 2015, 20% dos agrotóxicos consumidos no Brasil tinham origem ilegal. O fato inclusive é o argumento principal da ministra Tereza Cristina para defender o registro de novos agrotóxicos. Diante da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento da Câmara, a ministra chegou a apontar a demora na aprovação de defensivos, como fator responsável pela entrada de produtos contrabandeados no país.

A presença de agrotóxicos ilegais nas amostras apontadas pela Agência Pública é tida por ambientalistas como uma amostra dos riscos dos agrotóxicos e da fragilidade da fiscalização. Para o secretário-geral da Associação Ativista Ecológica (Aaeco), Gilnei Rigotto, essa seria a comprovação do descaso dos órgãos responsáveis acerca da procedência do que é utilizado na cidade. “Essa é a prova cabal de que está faltando fiscalização. Não vou entrar no mérito de quem deve fiscalizar, se isso se faz a nível municipal, estadual ou federal, mas a falha existe”, opina.

Ainda segundo ele, seria importante a consolidação de uma força-tarefa para fiscalizar produtores e casas agropecuárias in loco. “Não tem como o colono ir ao Paraguai para buscar agrotóxicos clandestinos, isso está chegando a eles de algum modo. Deveria haver uma reunião entre Emater, Vigilância Sanitária e demais fiscais, para fazer uma ‘batida’ geral em casas agrícolas da região, verificar notas de entrada e saída”, sugere.

A natureza está alertando. Primeiro, foi provado que os agrotóxicos foram responsáveis pela morte das abelhas, agora acharam na água também. Espero, que no futuro, não sejam encontrados nas pessoas. Gilnei Rigotto

Opinião compartilhada também pelo fiscal da Associação Rio Grandense de Proteção ao Meio Ambiente e aos Animais (Arpa) Jorge Acco. Segundo ele, ademais da problemas de fiscalização, percebe-se um aumento na aplicação de fungicidas e pesticidas na região. “Não há um acompanhamento adequado como deveria ter. Tivemos um caso há uns seis anos, de um senhor, produtor de mangueiras, que comprava agrotóxicos em outro país e trazia para cá. Um dia, ele deixou uma carga no sol e isso deixou muitas famílias passando mal. Tivemos que mandar uma análise para a Alemanha, que aqui não tinha quem analisasse. Isso é para ver como estamos atrasados nessa questão toda”, exemplifica.

Segundo o fiscal, porém, a utilização de agrotóxicos ilegais não pode ser diretamente associada aos produtores locais. Segundo ele, muitos produtos são utilizados em outros segmentos. “Esses resíduos nem sempre vêm da agricultura. Muitos defensivos são usados em oficinas, lavagens de carro e frigoríficos para lavar o piso, por exemplo. Muita coisa vem das indústrias”, sublinha.

Enquanto a detecção de produtos proibidos em amostras brutas da água levanta suspeita entre os ambientalistas, alertando inclusive para a possibilidade de outros produtos sem procedência estarem sendo utilizados, o pesquisador de entomologia da Embrapa, Marcos Botton, assinala outra possibilidade. “Pode ser que sejam produtos proibidos que continuam sendo trazidos ilegalmente para cá, mas todos os defensivos encontrados já foram permitidos no país, no passado. Então, uma hipótese é que sejam apenas resíduos, haja vista que eram agrotóxicos resistentes”, destaca.

 

Fiscais Estaduais afirmam que nunca encontraram irregularidades na cidade

Os fiscais agrônomos estaduais alocados em Bento Gonçalves defendem que jamais encontraram presença de agrotóxicos ilegais em agropecuárias ou propriedades rurais de Bento Gonçalves. O município faz parte da Regional Caxias que fiscaliza 44 municípios. No total, 36 mil propriedades são fiscalizadas pelo órgão.

Mais que reforçar a hipótese de que os produtos encontrados na água sejam resíduos, o fiscal Vinicius Grasselli afirma que até hoje não encontrou nenhum defensivo ilegal em posse de produtores ou revendas. “Em 11 anos que trabalho com fiscalização, nunca encontrei um produtor com algo em casa”, sublinha.

Na mesma linha, o fiscal Juliano Schneider comenta que durante os trabalhos de rotina feitos pela Regional, nunca detectou nada ilegal. “Não dá para afirmar que não existam em nenhuma propriedade, mas nas atividades de rotina que fazemos, a gente não tem encontrado. Além dos produtores , também visitamos cada uma das agropecuárias, pelo menos uma vez por ano, e ainda não achamos nada errado nesse sentido”, pontua.

Segundo ele, as únicas práticas irregulares encontradas dizem respeito à defensivos registrados para uma cultura e utilizados em outra.

Fazemos fiscalização em comércios e em propriedade rurais. Na Serra, pela localização, tipos de cultivos e pela assistência técnica, o uso de produtos proibidos não é comum como nas culturas de grão, que ficam mais próximos da fronteira também. Nós nunca achamos nada aqui.

 

Vigilância da Saúde diz que não existem ilegalidades em agropecuárias

Em 2017, o uso de agrotóxicos utilizado em parreirais foi o motivo para a morte de abelhas na região, nas análises foram encontrados produtos proibidos

Se não existem dados contundentes sobre apreensões no município, o trabalho de fiscalização feito nas fronteiras pela Polícia Federal, e ações recentes coordenadas pelo Ibama em outras regiões do Estado, podem dar melhores contornos ao problema. No Rio Grande do Sul, de acordo com levantamento da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação (Seapi), foram registrados 3.077 quilos e 355 litros, entre janeiro e agosto de 2018. Por sua vez, uma única ação no ano passado, nas cidades de Torres, Passo Fundo e Chuí, o Ibama apreendeu 1,8 tonelada de agrotóxicos ilegais.

Em Bento Gonçalves, de acordo com ambientalistas , nunca houve uma força tarefa deste sentido junto aos produtores ou casas agrícolas. Se os produtos ilegais assinalados pela Agência Pública deram um alerta sobre a possibilidade do uso irregular de químicos em nossas lavouras, casos cobertos pelo Semanário revelam que o problema já ocorreu no passado. Entre 2016 e 2017, a reportagem acompanhou a morte de abelhas que prejudicou a produção de apicultores locais. O relatório da Arpa, divulgado em maio de 2017, revelou que os animais morreram por causa de agrotóxicos aplicados em parreirais. O fiscal estadual agropecuário, Willian Augusto Smiderle, chegou a afirmar que produtos ilegais haviam sido detectados. Afirmou ainda, que aquela era a primeira vez que a associação fazia alguma coleta.

Segundo o coordenador de vigilância da saúde, Rafael Vieira, a secretaria municipal da Saúde atua na fiscalização no comércio, verificando desde as casas agrícolas que vendem os defensivos, até nos mercados, onde examinam os alimentos, enquanto a Vigilância Ambiental atua analisando a qualidade da água de abastecimento. Embora a Agência Pública tenha apontado produtos ilegais em amostras de água na cidade, o coordenador de vigilância pontua “desconhecer que a prática da aplicação de agrotóxicos ilegais seja comum em nosso município”, assinala.

Ele garante, ainda, que a venda de produtos ilegais não se dá em estabelecimentos comerciais convencionais, sendo importante, portanto, a denúncia da população para que as irregularidades sejam investigadas. “Se estiver na prateleira, a gente recolhe na hora. O mal do produto sem procedência é que ele não vai estar nos estabelecimentos, mas sim na casa de um fulano que a pessoa vai lá e busca. O ponto de partida é a denúncia, precisamos que nos liguem”, pontua.

O Semanário entrou em contato ainda com a Polícia Federal, para entender como são feitos os controles nas fronteiras, e com o Ibama para saber como são feitas as ações junto à produtores, mas até o fechamento desta edição, não obtivemos respostas.