Propriedades no interior diminuem, ao passo que a população do campo envelhece e os jovens partem para a cidade

Compenetrado, Guilherme Mejolaro, 26, pensa e enumera com cuidado, na tentativa de não esquecer ninguém: “Tem cinco com uns 30 e poucos anos. Mas na minha idade, só sei de um amigo”, responde acerca da quantidade de jovens agricultores que conhece na Linha Eulália, onde vive. A situação não é fato isolado, já que de acordo com o Censo 2017, além dele e do amigo só existem outros 15 produtores rurais com menos de 30 anos em toda a cidade.

Embora, devido à recente municipalização de Pinto Bandeira, antes distrito pertencente a Bento Gonçalves, seja complicado comparar os dados dos Censos de 2006 e 2017, a percepção das entidades e dos moradores do interior é de que o envelhecimento da população e o êxodo rural são realidades palpáveis. Se em 2006 existiam 1.673 estabelecimentos agropecuários na cidade, hoje, o número caiu para 1.133. Desta forma, ao percorrer as estradas do interior, é mais fácil encontrar propriedades abandonadas do que jovens como Mejolaro trabalhando.

 

O envelhecimento da população rural

“Antigamente tinha família com seis, sete filhos, se um ficasse já tinha um para continuar, mas hoje, se os pais tem só um filho e ele vai embora, não tem ninguém para tocar a propriedade”, comenta Cedenir Postal, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, acerca do esvaziamento do campo. “Há muitos casais com 70 ou 80 anos que quando não tiverem mais força de trabalhar não terão com quem deixar suas terras”, complementa.

Rudimar Menegotto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caxias do Sul, corrobora com o discurso. Segundo ele, 20% das propriedades rurais na região foram extintas por falta de sucessão familiar na última década, e outras 30% estão em processo de extinção.

“Casais com 70 ou 80 anos que não tiverem mais força de trabalhar não terão com quem deixar suas terras”

Mais que um sinal de alerta, os números refletem a falta de políticas públicas que incentivem a permanência dos jovens no campo. Para Thompson Didoné, responsável pelo escritório da Emater na cidade, grande parte do problema se resolve com questões básicas de infraestrutura. “Hoje em dia, não se pode admitir que nos meios rurais não exista o acesso à televisão, internet, sinal de telefone. Isso é o básico para que haja igualdade no campo e na cidade”, protesta. Comenta ainda que além de serviços de comunicação, o saneamento básico e a condição das estradas são fatores essenciais para garantir a qualidade de vida de quem mora no interior.

Além dos cuidados de infraestrutura designados aos poderes públicos nos âmbitos municipal, estadual e federal, iniciativas como a da Efaserra e da Emater, atentas ao perigo da evasão do jovem do campo e a falta de sucessão familiar, buscam minimizar o êxodo rural proporcionando conhecimento técnico aos mais jovens, ou mesmo desenvolvendo tecnologias para amenizar a falta da mão de obra na lavoura.

 

Efaserra: a a especialização para conter o êxodo

Ensino médio complementado com teorias e práticas do campo. É com esta fórmula que funciona a Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (Efaserra). Fundada por um grupo de pais agricultores em parceria com os poderes públicos federal, estadual e municipal, e com associações, cooperativas e instituições da região, a instituição fica na Terceira Légua, em Caxias do Sul, e atende, atualmente, 79 jovens de 14 municípios da Serra Gaúcha.

Atividades técnicas fazem parte da grade curricular da escola (Foto: divulgação)

Ciente do esvaziamento da população jovem do meio rural, o objetivo maior da Efaserra é combater o êxodo por meio da educação e da especialização dos filhos dos produtores, os incentivando a seguir em suas propriedades. “A gente precisa do agricultor pelo menos três vezes por dia: no café da manhã, no almoço e na janta. Hoje, a produção familiar corresponde a 70% do que vai para a mesa da população. Renovar a faixa etária da zona rural e evitar o abandono das terras é, portanto, primordial”, destaca o diretor da entidade, Israel Matté. Animado, ele conta que dos 24 alunos que a instituição já formou, 20 seguem em suas propriedades, e outros três ingressaram na faculdade em áreas como agronomia.

“A gente precisa do agricultor pelo menos três vezes por dia: no café da manhã, no almoço e na janta.”

É justamente no sentido de valorizar o trabalho rural e criar vínculos entre os alunos e a propriedade onde vivem, que a Efaserra pensou numa metodologia que se difere do ensino médio convencional: a pedagogia da alternância. Nesse modelo, os alunos passam uma semana inteira na escola, com aulas de manhã à noite, aliando matérias convencionais com outras voltadas a agropecuária (como zootecnia, finanças e cooperativismo), e na semana seguinte voltam para suas comunidades, onde utilizam os novos conhecimentos. Formado na instituição, o bento-gonçalvense, Gustavo Cavalet, aprova o sistema: “Foi bem importante, porque ia aprendendo na escola e aplicando em casa. E é mais fácil de absorver o que se aprende se vai se fazendo na prática”, comenta. Com 20 anos, o jovem, agora técnico, segue no campo, onde auxilia a família na produção de uva para suco.

Com 15 anos, o barbosense Gabriel Lorenzon, matriculado no 1º ano do Ensino Médio, também avalia positivamente o método da escola. “O corporativismo é uma das matérias que mais me chamou a atenção. Achei importante para saber como ter uma conta numa cooperativa de crédito”, destaca. O adolescente ainda não sabe exatamente que faculdade fará depois do curso técnico, mas tem a certeza de uma coisa: quer seguir tocando o negócio da família, uma queijaria que existe desde 1926.

 

Embrapa: a tecnologia para aumentar a produção

Pesquisador Dimas em trabalho inicial de cruzamento de uvas

Uma conta que não fecha: de um lado, uma taxa populacional em ascendência; do outro, uma queda vertiginosa no número de produtores responsáveis pelos alimentos que chegam à mesa dessas pessoas. Dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estimam que a população mundial chegue a 9 bilhões em 30 anos, desta forma, a agricultura precisará produzir 50% mais. É no intuito de resolver essa complicada equação que a tecnologia surge como aliada.

Para além de técnicas de plantio e fertilização, tratores e equipamentos, a ciência, por vezes, começa alguns passos antes: no aprimoramento genético de mudas e frutos. E é desta forma que, há 40 anos, a Embrapa tem direcionado seus trabalhos.
A empresa trabalha no desenvolvimento de variedades de uvas para suco, vinho de mesa e fino, consumo em natura, e também para processamento.

 

Para o pesquisador da Embrapa João Dimas, o objetivo maior de todo esse processo tecnológico é desenvolver um produto que agrade não só ao consumidor final, mas que facilite a vida dos produtores, que contam cada vez mais com menos mão de obra. “A gente quer uma variedade de cacho solto, que não precise de raleio, que dê o mínimo de trabalho possível, que seja resistente a doenças, que seja produtiva, e que não precise ficar usando muito hormônio e fungicida”, destaca.

Os perfis da nova geração no interior de Bento Gonçalves

Guilherme Mejolaro, 26

Morador da Linha Eulália, Guilherme Mejolaro, 26, junto aos pais e ao irmão, é proprietário de 20 hectares de parreiral que se dividem entre suas terras na Eulália, em Tuiuty, e em Muçum, onde a família é responsável pela produção de 30% de toda a uva local. Além do trabalho com a viticultura, eles também possuem um aviário, como renda secundária.

Com gosto pelo campo, Mejolaro chegou a cursar Zootecnia no Instituto Federal, mas largou o curso, atendendo ao pedido do pai para ajudar na propriedade. Ele destaca que muitos jovens deixam o campo pela seguridade de um trabalho regularizado, com direitos como 13º e horário fixo. No entanto, ele não se arrepende da escolha que fez: “Hoje, em questão de remuneração, eu tenho amigos com duas faculdades, que estudaram comigo, e que não conseguem a remuneração que eu tenho”, destaca.

Para Mejolaro, o perfil do jovem do campo não é o mesmo de outros tempos. Acredita que o espírito de empreender e a facilidade de acesso à informação, por meio de cursos, transformou o modo de trabalhar. “Hoje se tem mais conhecimento, mais tecnologia, tentamos fazer tudo na ponta da caneta”, assinala. “Eu gosto de trabalhar na terra, e tento ser o melhor no que faço. Quero ser o maior produtor, em número e em qualidade. É isso que me dá satisfação”, finaliza.

 

Margot Perin, 32

Muitas das propriedades que passaram de pais para filhos acabaram sendo abandonadas quando os descendentes de alguma das gerações decidiram deixar o meio rural. Esse problema quase aconteceu com os Perin, da Linha Alcântara. Antes mesmo de completar o ensino médio, uma das filhas de Ildo e Analice Perin, Marlove, foi para a cidade. A história do local ganhou uma sobrevida, no entanto, quando a outra filha, Margot, 32, resolveu permanecer em sua terra. “As famílias eram grandes. Agora, a cada sucessão o número de filhos vai diminuindo, e a mão de obra também”, destaca Ildo.

Margot ajuda a cuidar de 10 hectares de uva, das quais 90% são viníferas. Conta que os pais a incentivaram a seguir o caminho tomado pela irmã, mas que preferiu ficar em casa. “Nunca quis ir pra cidade, gosto do sossego e da calma, e de trabalhar com a terra”, explica.

Para Margot e seu pai Ildo, embora o número de jovens produtores esteja minguando, a tecnologia é um fator que tem auxiliado a manter a produção em boa escala. “Logo que os imigrantes chegaram, eles não tinham muito dinheiro, então foram só comprando terra. Trator faz pouco mais de 20 anos que começou a ser usado por aqui”, relembra Ildo. “Antes se fazia tudo na mão. Hoje, tem tesoura pra poda, máquina pra amarrar enxerto, trator. O conforto é bem maior”, opina a filha. Muito além da tecnologia, Margot explica que para permanecer no campo só há um caminho: “É gostar do que faz!”, exclama.