O culto às tradições ganha evidência no mês de setembro. É neste período que tradicionalistas se reúnem e celebram os feitos dos herois farrapos, como Bento Gonçalves, David Canabarro, Souza Netto, Guiuseppe e Anita Garibaldi, entre outros, personalidades que marcaram a história do Rio Grande do Sul, na luta por liberdade, honra e terra. É inegável e pode ser constatado a cada 20 de setembro, a devoção pela história, com direito a desfiles, acampamentos, o culto às tradições, canto e dança, além da integração. E todos os anos, esse sentimento é renovado, mesmo que a história aponte para uma derrota sangrenta. Porém, o orgulho em ser gaúcho e as lembranças dos feitos, sobressaem qualquer perda nos campos de guerra.
Há pouco mais de uma semana, os bento-gonçalvenses vivenciam momentos alusivos aos festejos farroupilhas, com programação realizada no Parque de Rodeios da Associação Bentogonçalvense de Cultura e Tradição Gaúcha (ABCTG). As atividades que tiveram início no dia 7 de setembro, com a chegada da Chama Crioula, na Via Del Vino, no Centro, se estendem até o dia 20. Nos acampamentos montados em toda a área do parque é possível encontrar famílias, grupos de amigos e entidades tradicionalistas que, diariamente se reúnem para festejar a data. ntre casas de madeira e barracas de lona, o que prevalece é a integração.
Conforme o presidente da ABCTG, Claudiomiro Dias, cerca de 200 casas foram construídas este ano. Tudo, segundo Dias, pela tradição. “Estamos surpresos com o movimento no parque. Isso mostra a importância da data para nós, gaúchos. As atividades que realizamos servem para revivermos a história, as conquistas e fortalecer a nossa tradição gaúcha”, afirma.
O dia a dia de quem está acampado no parque é de tranquilidade. A movimentação mais intensa é percebida nos finais de semana, quando o número de visitantes aumenta consideravelmente. Enquanto isso, tradicionalistas como Leonildo Rodrigues Oliveira, que veio de mudança para o acampamento com a sua família garante que além de festejar diariamente, o evento proporciona o culto ao passado. “Mesmo com as condições climáticas desfavoráveis, o que nos traz aqui é o amor pelas tradições, sem sombra de dúvidas. É um sentimento difícil de explicar”, afirma Oliveira.
No local, podem ser vistos apetrechos ligados a lida, fogão campeiro, churrasqueira e claro, o chimarrão, encontrado nas mãos da jovem Eduarda, de apenas 11 anos, filha de Oliveira. Ela, que é prenda do CTG Laço Velho, cultua as tradições graças ao incentivo dos pais, que também integram as invernadas artísticas da entidade. “Hoje, minha vida se resume a escola e às tradições. Eu gosto muito. Ocupo meu tempo, aprendo os costumes do nosso povo e, acredito que graças a isso, posso ser uma pessoa melhor”, explica.
De acordo com Ana Paula Viviani, esposa de Oliveira, cerca de 40 pessoas convivem diariamente no alojamento. “É uma integração incrível. Não há tempo ruim que nos faça ficar em casa. Estamos envolvidos com tudo. E isso é muito bom, além, é claro de estarmos cultivando a tradição com diversas gerações, desde crianças até adultos”, salienta.
A festa em Bento Gonçalves segue até o dia 20 de setembro, com atrações no Parque Municipal de Rodeios General Bento Gonçalves da Silva e na Rua Coberta.
“A preservação de valores é o essencial no processo”
O Dia do Gaúcho é marcado para lembrar o início da Revolução Farroupilha – guerra contra o Império Brasileiro ocorrida entre os anos de 1935 e 1945. As batalhas, que ficaram no passado, ainda são importantes para compreender a identidade do povo e suas expressões na música, dança, literatura e artes visuais.
O jornalista, historiador e integrante de diversas entidades do tradicionalismo, Rogério Bastos esclarece algumas questões que marcaram o contexto histórico-cultural da Revolução e projeta sobre o futuro do tradicionalismo.
Semanário: Por que celebramos o 20 de setembro e a Semana Farroupilha com tanto fervor, sendo que perdemos uma guerra? Qual era o principal objetivo da revolução farroupilha?
Bastos: O “perdemos” é muito relativo. Quando uma nação perde a guerra o que acontece? São depostas as armas, os lideres presos ou mortos, o perdedor paga a conta da reconstrução. Não é assim? O que aconteceu aqui? Um acordo de paz, os farroupilhas passaram a ocupar os mesmos postos no exército imperial, permaneceram com suas armas e o Império pagou a reconstrução da Província. E, 44 anos depois, o Brasil tornou-se uma República. Ideologicamente quem venceu? Como eu disse, é muito relativo, principalmente aos olhos de quem avalia.
A revolução Farroupilha mexeu muito com a vida das cidades?
Com certeza. No início a felicidade por se desligar de um sistema retrógrado que caia em desuso no mundo. O RS estava na vanguarda dos acontecimentos. Piratini, Jaguarão, entre outras enviaram documentos de suas câmaras municipais reconhecendo a República. Escolas, pontes, estradas construídas, um jornal (O Povo) começavam a fazer a diferença em impostos que, antes iam e não voltavam.
Podemos dizer que alguns episódios da história são esquecidos, como, por exemplo, a questão envolvendo os negros e a traição de Porongos. Por quê?
Não são esquecidos. Em nenhum momento. E nunca deve ser esquecido. Primeiro para que a escravidão nunca mais volte (pois o homem escraviza desde a antiguidade). Segundo, para que possamos rever esta questão, por uma outra visão, pois indícios mostram que não foi bem como a historiografia mostra. A “tal carta combinando a ação”, entre Caxias e Canabarro tem indícios de ter sido forjada para causar um conflito interno entre os farroupilhas. Mas isso merece um estudo. Nem tudo que se lê é uma verdade absoluta.
Como você vê o tradicionalismo nos próximos anos? Acreditas que essas celebrações continuarão com essa intensidade? O acesso à informação pode influenciar no aumento ou diminuição desse culto?
O tradicionalismo é cíclico. Esse trem pessoas entram, pessoas saem. A preservação de valores é o fundamental nesse processo. Sobre a intensidade a cada ciclo ela tem um grau de intensidade, de forma que, não podemos dizer se é mais ou se é menos. De 1954, quando tinham 40 CTGs até a década de 80, quando tinham mais de 800 podemos dizer que foi um “boom”, com um crescimento de 20 vezes. Com os 1750 CTGs de hoje podemos dizer que dobrou (e hoje achamos que é intenso). Por isso é relativo e proporcional ao momento social. Barbosa Lessa já previa, que com a tecnologia que temos em mãos podemos ir mais longe do que o Parthenon Literário foi, que Cezimbra Jacques foi, que o Paixão e o Lessa foram. Basta saber usar. Não adianta ter uma “Ferrari” na garagem e não ter carteira de motorista.