Tratamento com donanemabe promete desacelerar a doença em estágios iniciais, mas aplicação depende de exames caros e estrutura especializada
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou em 21 de abril o uso do donanemabe, comercializado sob o nome Kisunla, para o tratamento de pacientes com Alzheimer em estágios iniciais. Desenvolvido pela farmacêutica Eli Lilly, o medicamento é indicado para pessoas com comprometimento cognitivo leve ou demência em estágio inicial associada à doença de Alzheimer sintomática inicial.
Para o psiquiatra Dr. Eduardo Hostyn Sabbi, diretor científico da Associação Brasileira de Alzheimer do Rio Grande do Sul (ABRAz RS), a aprovação representa um marco no enfrentamento da doença. “Avaliamos de forma muito positiva, pois não só amplia as opções terapêuticas como também fomenta discussões importantes sobre a Doença de Alzheimer no meio científico, nas políticas públicas e na sociedade em geral”, afirma.
Segundo ele, os números mostram a urgência da atenção ao tema: atualmente, cerca de 8,5% da população idosa brasileira , o que representa aproximadamente 2,71 milhões de pessoas, vivem com Alzheimer. As projeções indicam que, até 2050, o Brasil poderá ter 5,6 milhões de casos diagnosticados. “Precisamos sim, e muito, falar sobre isso”, reforça Sabbi.
Mecanismo de ação inovador
O donanemabe é um anticorpo monoclonal que atua na remoção das placas de beta-amiloide no cérebro, uma das principais características patológicas do Alzheimer. Essas placas são depósitos tóxicos que prejudicam a comunicação entre os neurônios, contribuindo para o declínio cognitivo. Ao eliminar essas placas, o medicamento busca retardar a progressão da doença. “Diferentemente dos medicamentos anteriores, que auxiliam nos sintomas, o donanemabe atua diretamente na proteína alterada no processo da doença. Mas ele só é eficaz nas fases iniciais, quando ainda não há grandes danos instalados”, explica o psiquiatra.
O tratamento, no entanto, se aplica a uma parcela restrita dos pacientes: menos de 10% do total de casos, especificamente aqueles com comprometimento cognitivo leve ou demência leve e que apresentem a presença comprovada da alteração. Nos estudos realizados, observou-se uma redução de até 35% na progressão dos sintomas ao longo de 18 meses.
Administração, custo e riscos
O Kisunla é administrado por infusão intravenosa mensal. Nos Estados Unidos, o custo estimado é de aproximadamente $275 mil para 18 meses de tratamento. No Brasil, o valor por aplicação pode chegar a R$35 mil, totalizando R$630 mil para o ciclo completo. “Esse é um ponto crucial: o custo é extremamente elevado, e no momento a única via de acesso é via importação, o que reduz ainda mais o número de pacientes que podem se beneficiar de imediato”, alerta Sabbi.
O uso do medicamento também apresenta riscos. Cerca de 24% dos pacientes apresentaram efeitos colaterais como inchaço ou sangramento cerebral. “É por isso que sempre reforçamos: muita calma nessa hora. Nem todos são elegíveis, e os critérios clínicos devem ser respeitados com muito rigor”, diz o diretor científico da ABRAz RS.
Acesso ainda é limitado e desigual
Com a aprovação da Anvisa, o medicamento poderá ser comercializado no Brasil, mas a disponibilidade imediata nas farmácias ainda não é uma realidade. “Temos um longo caminho pela frente. A aprovação não significa acesso imediato. Haverá trâmites regulatórios, negociações com o SUS e convênios, definição de equipes e locais para aplicação, já que é uma medicação injetável e com riscos importantes”, detalha Sabbi.
Ele alerta que, provavelmente, o medicamento chegará primeiro às capitais, com posterior expansão para o interior.
Na Serra Gaúcha, apoio já existe e deve crescer
Na região da Serra, a ABRAz RS já mantém atividades de apoio e informação para familiares e cuidadores. “Em Caxias do Sul, realizamos mensalmente encontros gratuitos com foco emocional e informativo. A agenda está disponível em nosso Instagram @abrazrs”, explica Sabbi.
Além disso, há grupos de apoio também em cidades como Canoas, Guaíba, Novo Hamburgo, Porto Alegre, Santa Maria, São Leopoldo e Cachoeira do Sul. Em Bento Gonçalves, a associação realizou um importante evento em 2018, e há planos de expansão para Pelotas e Taquara. Interessados podem solicitar acesso a um grupo de WhatsApp pelo número +55 51 9660-6946.
O papel da ABRAz e os desafios das políticas públicas
A Associação participa ativamente de conselhos ligados aos direitos do idoso, saúde e assistência social. “Contribuímos diretamente na criação da Política Nacional de Cuidado Integral às Pessoas com Doença de Alzheimer e Outras Demências e seguimos empenhados para que seus benefícios cheguem na prática”, destaca o psiquiatra.
Segundo Sabbi, ainda é urgente avançar na criação de políticas públicas que combatam o desconhecimento e o preconceito. Dados da Associação Internacional de Alzheimer mostram que 80% das pessoas acreditam, equivocadamente, que a demência faz parte do envelhecimento normal — entre profissionais de saúde, o índice chega a 65%.
Ele também aponta que é necessário ampliar o acesso a exames de biomarcadores, como PET-CT e análise do líquor, que são pré-requisitos para o uso do donanemabe. “São procedimentos caros e ainda pouco acessíveis. Precisamos investir na criação de centros especializados, com equipes treinadas, capazes de administrar e monitorar esse tipo de tratamento”, conclui.