Especialistas apontam a urgência de políticas mais inclusivas para mães no mercado de trabalho e reforçam a necessidade de mudanças na legislação

A realidade das mulheres que são mães no mercado de trabalho ainda está longe de ser justa e inclusiva. A pesquisa “Mães 2024”, realizada pela Catho, plataforma gratuita de empregos, trouxe à tona dados preocupantes sobre as dificuldades que mães e gestantes enfrentam para se manter e crescer profissionalmente. O levantamento foi feito com empresas, sendo a maioria localizada no estado de São Paulo (89%), e atuantes nos setores de prestação de serviços, indústria e comércio.

Falta de inclusão e resistência à contratação de mães

Segundo os dados da pesquisa, 69% das empresas ainda não possuem programas de inclusão, reconhecimento ou capacitação para mães e gestantes. Isso significa que benefícios como apoio psicológico, licença-maternidade estendida e oportunidades iguais de promoção são raros no ambiente corporativo. Além disso, 17% dos empregadores relataram resistência por parte das lideranças na contratação ou desenvolvimento de mulheres com filhos.

A falta de representatividade de mães nas empresas também chama atenção. Em 42% das organizações consultadas, menos de 10% dos funcionários são mães ou gestantes. Além disso, 14% das empresas afirmaram não ter nenhuma colaboradora nesse perfil. Esse cenário contrasta com a realidade nacional, onde 69% das mulheres brasileiras são mães, conforme dados do Datafolha, evidenciando a exclusão materna no ambiente corporativo.

Em Bento Gonçalves, essa realidade também se reflete no mercado de trabalho local. “Muitas empresas ainda não possuem políticas claras de inclusão para mães, o que leva a um certo desconforto durante os processos seletivos e até resistência na contratação”, destaca a psicóloga organizacional Tatiana Medina, da Tomasi RH.

Jacyara Coronel Flain com as filhas Mikaela, Francesca e Lorenza Flain Nardi

Discriminação no processo seletivo e barreiras para o crescimento

Outro dado relevante da pesquisa aponta que 86% das mulheres já foram questionadas sobre terem filhos durante entrevistas de emprego, e 75% precisaram responder sobre com quem as crianças ficariam enquanto trabalhavam. Essas perguntas reforçam um estereótipo social que associa a maternidade exclusivamente à responsabilidade da mulher, desconsiderando a corresponsabilidade paterna.

Mesmo aquelas que já estão no mercado de trabalho enfrentam desafios para crescer na carreira. Segundo a pesquisa, 40% das mulheres acreditam que perderam oportunidades de promoção por serem mães, enquanto 52% deixaram de exercer alguma atividade com os filhos por medo de perderem o emprego. A discriminação, no entanto, começa antes mesmo da maternidade: mais de 50% das participantes relataram ter sido questionadas se tinham planos de ter filhos em processos seletivos.

Jéssica Konzen Bageston, do setor de marketing da Tomasi RH, reforça que a conciliação dos horários é um dos maiores desafios. “Os horários das escolas e creches nem sempre coincidem com os das empresas, dificultando as escolhas das oportunidades de trabalho”, aponta. Segundo ela, isso pode ser um fator decisivo para muitas empresas na hora da contratação.

Relatos de mães sobre os desafios enfrentados

Para as mães que já atuam no mercado, a realidade também pode ser desafiadora. Sandra Rosolen, Coordenadora de Operações da Anderle Transportes, conta que precisou deixar o emprego por nove anos para se dedicar integralmente à maternidade. “A decisão foi difícil, mas necessária para minha família. Retornei ao mercado de trabalho quando meu filho completou oito anos”, diz. Atualmente, ela afirma conseguir equilibrar a rotina profissional e pessoal com organização e apoio familiar.

Jacyara Coronel Flain, assistente de gerenciamento de risco da Anderle Transportes, também relata desafios na contratação. “Já vi empresas optarem por contratar pessoas com menos estudo, mas sem filhos, devido à suposta disponibilidade de tempo”, comenta. Segundo ela, o preconceito contra mães é evidente, especialmente em relação às mães solteiras. “Sempre parece haver uma barreira para a evolução profissional na região”, afirma.

Sandra Rosolen com o filho Iago

A dificuldade de conciliar a maternidade com a vida profissional faz com que muitas mulheres desistam de buscar emprego. “Infelizmente, muitas mães acabam deixando de procurar trabalho porque sentem que a carga de responsabilidades familiares não combina com as exigências de um trabalho convencional”, comenta a psicóloga Tatiana. Ela acrescenta que isso faz com que muitas optem pelo empreendedorismo ou busquem trabalhos autônomos, contudo, é observado também, que o número de mães em busca de emprego tem crescido nos últimos anos, muitas vezes por necessidade financeira ou pelo desejo de retomar a carreira.

Direitos trabalhistas no Brasil

  • A legislação trabalhista garante diversos direitos essenciais às mães, como:
  • Licença-maternidade de 120 dias (podendo ser ampliada para 180 dias para empresas no Programa Empresa Cidadã);
  • Estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto;
  • Intervalos para amamentação até o bebê completar seis meses;
  • Direito de transferência para função adequada em caso de riscos à saúde;
  • Prioridade na alocação em creches conveniadas, quando oferecidas pela empresa.

A advogada Hellen Waskievicz Locatelli, especialista em Direito do Trabalho e mãe de dois meninos, destaca que questionamentos sobre filhos durante entrevistas de emprego são ilegais. “Essa prática pode ser considerada discriminatória e resultar em ações judiciais contra a empresa”, alerta. Ela ainda recomenda que, caso uma mulher sinta que foi discriminada, busque um advogado de confiança ou denuncie ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e à Superintendência Regional do Trabalho.

Além disso, a CLT prevê direitos específicos para mães que precisam de flexibilidade de horários ou licença para cuidar dos filhos. “A legislação permite licença-maternidade e intervalos para amamentação, e empresas que adotam teletrabalho ou jornadas flexíveis podem proporcionar melhores condições para mães. Para funcionárias públicas, a Lei 8.112/1990 permite a redução de jornada sem prejuízo salarial em casos específicos”, explica Hellen.

Embora algumas empresas tenham começado a adotar medidas como home office e horários flexíveis, muitas ainda negligenciam essas políticas. “Em Bento Gonçalves, isso ainda não é comum, especialmente entre as empresas menores”, ressalta Tatiana.

Para Sandra, a solução está na implementação de políticas que contemplem as necessidades das mães. “Flexibilidade de horários, plano de saúde, auxílio-creche e apoio psicológico são fundamentais”, sugere. Jacyara reforça que o suporte estrutural e financeiro é essencial. “Quando uma família está bem, uma mãe está bem, e o restante flui melhor”, conclui.

A advogada Hellen Waskievicz Locatelli é mãe dos pequenos Augusto e Heloísa foto: Andréia D. fotografia

A advogada Hellen reforça: “políticas de incentivo, como o Programa Empresa Cidadã, podem ser um caminho para garantir melhores condições às mães no mercado de trabalho”, pontua. Ela destaca: “uma mudança cultural e legislativa é necessária para garantir um ambiente mais justo para as mulheres”, afirma.

Além disso, Hellen aponta que o assédio moral relacionado à maternidade ainda é uma realidade, manifestando-se em cobranças excessivas, negação de promoções e pressão psicológica. “Muitas mães acabam se sentindo forçadas a aceitar condições de trabalho inadequadas por medo de represálias”, explica.

O que pode melhorar na legislação para as mães trabalhadoras

Hellen também destaca que, apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para garantir equidade no mercado de trabalho para as mães. Entre as mudanças que poderiam ser implementadas, ela sugere:

  • Ampliação do tempo de estabilidade para um ano após o parto;
    Incentivos fiscais para empresas que adotam políticas de flexibilidade;
  • Expansão da oferta de creches públicas e privadas conveniadas;
  • Regulamentação mais clara do teletrabalho para mães;
  • Penalizações mais rigorosas para discriminação e assédio moral.
    A advogada finaliza: “a legislação precisa evoluir para acompanhar a realidade das mulheres no mercado de trabalho. Muitas mães são penalizadas por exercerem um papel essencial na sociedade, e isso precisa mudar”, conclui.