Entidades regionais defendem a derrubada do veto à isenção do IPI, apontando benefícios para a recuperação econômica e social no RS

A recente decisão do governo federal de vetar o projeto de lei que isentaria o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de móveis e eletrodomésticos por famílias afetadas pelas enchentes do Rio Grande do Sul, gera debate entre economistas, representantes de entidades empresariais e a população. A medida, que poderia aliviar o fardo financeiro dessas famílias, foi bloqueada sob a justificativa de manutenção do equilíbrio fiscal, mas enfrenta críticas de diversos setores.

Impacto econômico geral

Para a professora e economista Monica Beatriz Mattia, o impacto da isenção do IPI, tanto no curto quanto no longo prazo, seria significativo para as famílias que perderam suas residências e pertences. “A isenção do IPI beneficiaria essas famílias ao permitir que destinassem menos recursos financeiros para recompor seus lares, possibilitando a aquisição de mais produtos essenciais”, explica. Cerca de 420,1 mil residências foram afetadas pelas enchentes no estado, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e muitas tiveram sua mobília completamente destruída.

Em termos de arrecadação, Monica argumenta que o impacto seria pequeno em comparação ao montante total da receita federal. “O governo deixaria de arrecadar menos de R$2 milhões no Rio Grande do Sul, um valor ínfimo frente à arrecadação anual de mais de R$3,5 trilhões”, calcula. Esse dado coloca em questão o argumento do governo de que a isenção poderia comprometer o equilíbrio fiscal.
A principal justificativa do Governo Federal para o veto é a necessidade de garantir responsabilidade tributária e evitar a renúncia fiscal em larga escala. “O governo argumenta que, se o benefício fosse concedido para o RS, ele deveria ser estendido para todo o país em casos semelhantes, o que poderia causar desequilíbrio fiscal”, destaca a economista. Além disso, há a preocupação de que o auxílio não se refletiria diretamente no consumidor final, com as reduções de imposto não sendo totalmente repassadas.

Efeitos regionais

Entidades locais, como o Sindilojas Regional Bento e a Câmara de Dirigentes Lojistas de Bento Gonçalves (CDL-BG), criticam a decisão federal, apontando os efeitos negativos para a economia regional. “O veto desfavorece quem deveria ser atendido pelo governo federal, as vítimas da enchente”, declara Daniel Amadio, presidente do Sindilojas Regional Bento. Segundo ele, em situações de calamidade pública, as regras fiscais deveriam ser flexibilizadas para ajudar a recuperação mais rápida das regiões afetadas.
Marcos Carbone, presidente da CDL-BG, reforça a crítica, destacando o impacto na dignidade das pessoas afetadas: “A isenção de impostos na compra de itens fundamentais é também uma forma de reparação por tudo que aconteceu em nosso Estado. O veto prejudica quem mais necessita neste momento de reconstrução”, enfatiza.

Alternativas ao IPI

Monica aponta que, em vez de isentar o IPI, o país deveria buscar soluções mais amplas e sustentáveis para lidar com os danos causados por desastres naturais. “A mudança climática já é uma realidade. Precisamos criar um fundo financeiro robusto, com recursos nacionais e internacionais, para compensar as famílias e regiões afetadas”, sugere a economista.

Sobre a possível influência da isenção do IPI na inflação, a especialista acredita que o impacto seria localizado e não teria grandes repercussões no índice de preços ao consumidor. “O aumento das vendas seria regionalizado, não causando efeitos inflacionários em todo o país”, avalia.

Impacto social e indústrias

O impacto social da medida também foi amplamente discutido. Para a economista, haveria um sentimento maior de apoio, acolhimento e solidariedade com a isenção do imposto. Famílias que perderam tudo em meio à tragédia se sentiriam mais amparadas pelo Estado, aliviando, mesmo que temporariamente, sua situação de vulnerabilidade.

No que tange à competitividade da indústria nacional, o setor moveleiro de Bento Gonçalves também se posiciona. A Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul (MOVERGS), associação que representa as indústrias de móveis, reconhece que o argumento técnico do governo tem validade, mas acredita que a aposta em margens no curto prazo não seria o melhor caminho. “As indústrias buscam, no médio e longo prazo, a saúde financeira de toda a comunidade”, afirma a entidade. Já o Sindmóveis destaca que o impacto seria temporário, com um possível aumento nas vendas de móveis em regiões como Bento Gonçalves, mas sem efeitos duradouros.

Outros países já adotam políticas fiscais diferenciadas em situações de calamidade, oferecendo incentivos temporários para a reconstrução de áreas afetadas. No Brasil, entretanto, o debate se concentra em como balancear as finanças públicas com a necessidade de ajuda emergencial às populações vulneráveis.

Perspectivas de longo prazo

Para Monica, a melhor estratégia seria fortalecer uma política fiscal mais abrangente e sustentável para ajudar populações vulneráveis, em vez de depender de incentivos temporários. “As populações vulneráveis no Brasil são muito expressivas, com mais de 70 milhões de pessoas vivendo na pobreza. Precisamos de soluções estratégicas que envolvam uma gestão responsável das demandas climáticas e sociais”, conclui.

A pressão para a derrubada do veto agora recai sobre o Congresso Nacional, que deverá decidir se o benefício será reintroduzido ou se o veto será mantido, afetando diretamente a vida de milhares de famílias no Rio Grande do Sul.