A bióloga e técnica em enfermagem, Raquel Franzen de Avila, trabalha o uso da fitoterapia no projeto “Farmácia Verde” do IFRS
A fitoterapia, prática que utiliza plantas medicinais para tratamentos complementares, tem se expandido no Brasil, especialmente com o apoio de políticas públicas como a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPM), integrada ao SUS. Raquel Margarete Franzen de Avila, terapeuta holística (ABRATH 11144) e bióloga, é uma das profissionais que promovem essa prática em seu trabalho no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), campus Bento Gonçalves, onde atua como técnica de enfermagem (COREN 107307) e coordenadora de projetos de extensão desde 2013.
A fitoterapia é uma Prática Integrativa e Complementar (PIC), reconhecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Regulamentada pelo Decreto nº 5.813 de 22 de junho de 2006, o programa visa promover a pesquisa, desenvolvimento e acesso a esses recursos no país.
Para Raquel, a fitoterapia não deve ser vista como um substituto aos tratamentos convencionais, mas sim como uma terapia complementar. “A fitoterapia oferece uma recuperação progressiva, colaborando com a qualidade de vida dos pacientes, mas sempre de maneira integrada com os tratamentos alopáticos”, ressalta a profissional, que possui pós-graduação em Fitoterapia e Prescrição de Fitoterápicos.
No entanto, ela enfatiza que o uso de plantas medicinais precisa ser orientado por profissionais qualificados, para garantir segurança e eficácia.
Benefícios e riscos
Quando questionada sobre os principais benefícios da fitoterapia em comparação aos medicamentos convencionais, Raquel destaca a crescente valorização de tratamentos menos invasivos e com menos efeitos colaterais. “Estudos científicos estão validando a eficácia das plantas medicinais, o que torna a fitoterapia uma opção complementar cada vez mais viável”, afirma.
Contudo, ela alerta para os possíveis riscos: “Assim como qualquer fármaco sintético, os fitoterápicos têm indicações, contraindicações e reações adversas. Por isso, é essencial conhecer a Farmacopeia Brasileira de Plantas Medicinais, que regula a segurança no uso dessas plantas. É preciso estudar as monografias que estão compiladas na Farmacopeia”, explica.
Raquel enfatiza a necessidade de uma abordagem integrada. “Os casos clínicos são peculiares a cada paciente e não faço comparações, apenas trabalho de maneira integrada”, afirma.
Projetos e iniciativas
Desde 2014, Raquel coordena projetos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS), entre eles há o projeto “Farmácia Verde”, que alia educação popular e pesquisa sobre o uso de plantas medicinais. O objetivo é resgatar o conhecimento tradicional e promover o uso consciente das plantas para autocuidado. O projeto envolve uma equipe multidisciplinar e promove cursos e estágios sobre o uso seguro da fitoterapia, além de produzir plantas medicinais em pequena escala.
O projeto atende às demandas de saúde da comunidade do campus e da região, em parceria com iniciativas como o Centro de Apoio Psicossocial (CAPS) e a Estratégia de Saúde da Família (ESF). Raquel também reforça a importância do cultivo orgânico e certificado das plantas utilizadas, garantindo a qualidade e a segurança dos fitoterápicos produzidos. “As composições caseiras em que se usa as plantas medicinais são realizadas com a função de resgate cultural da naturologia, previstas nas diretrizes nove e 12 da PNPM. Não são comerciais, são para orientar o uso seguro no auto cuidado primário em saúde”, enfatiza.
O projeto naturista visa além de educar sobre o autocuidado através do uso da fitoterapia, alinhar às políticas públicas em saúde. “Existe como objetivo a manutenção de ações em saúde naturista, que vêm sendo executadas desde 2014, ampliando o conhecimento sobre as plantas medicinais e seus benefícios – que envolvem desde o plantio até o seu uso final de maneira integral”, explica Raquel.
A iniciativa envolve profissionais de diversas áreas e oferece cursos, estágios e capacitações, contribuindo para a disseminação do conhecimento e práticas sustentáveis na área da saúde.
Raquel destaca que o projeto possui diferentes linhas de trabalho. Há um trabalho de farmacotécnica de plantas medicinais, que se se refere ao conjunto de métodos e processos utilizados na preparação e manipulação de plantas medicinais para a produção de fitoterápicos e outros produtos à base de plantas. A farmacotécnica envolve desde a colheita e secagem das plantas até a proteção de princípios ativos, formulação e estabilização dos produtos finais”, comenta.
No projeto também há a linha de trabalho “Sabores da saúde” de cozinha crudivora, que trata de um estilo de culinária que se baseia em alimentos não cozidos e minimamente processados, tais como, doce amigo, que são composições adocicadas com frutas e sementes desidratados que ajudam na redução do consumo de açúcar; e microgreens, frutos jovens de vegetais, ervas ou outras plantas, que são colhidos pouco depois de germinarem, geralmente quando têm entre dois a quatro semanas de idade. Eles são valorizados por seu sabor intenso e alto valor nutricional.
Por último há uma linha de trabalho que trabalha a medicina chinesa e o uso das ervas com base nos meridianos.
Escolha e preparo das plantas medicinais
O processo de seleção e preparo das plantas medicinais é criterioso e deve ser conduzido por profissionais qualificados. “Estamos falando de fitoterapia; a produção de um fitoterápico é de competência do profissional farmacêutico bioquímico”, esclarece Raquel. Ela também destaca a importância da origem das plantas utilizadas. “As plantas com potencial medicinal devem ser de cultivo orgânico, controlado e certificado. Não é recomendado adquirir plantas de qualquer local sem controle adequado de colheita, estocagem e transporte”, afirma.
A perspectiva de uma paciente
Carla Krug, empresária de Ateliê Gastronômico de comidas naturais e paciente de tratamentos de fitoterapia, relata ter começado o tratamento em busca de uma alternativa aos medicamentos sintéticos, que provocavam efeitos colaterais indesejados. Entre as plantas que usa regularmente estão a Cardo Mariano, alecrim, louro, mulungu e valeriana, para diversas finalidades, incluindo alívio de dores e aumento de energia. “Percebi um resultado bem rápido, especialmente nas dores, e também funciona como um energético para mim”, relata a gastróloga.
Além disso, ela faz uso de maca, tribulus terrestris (também conhecida como videira da punctura), baleeira, camomila romana e carqueja.
Complementando a visão profissional, a paciente compartilha sua experiência pessoal com a fitoterapia: “O que me motivou a usar medicamentos a base de plantas foi a necessidade de desintoxicação e o desejo de evitar os efeitos colaterais de medicamentos sintéticos”, ressalta Carla, que adotou a fitoterapia como seu tratamento principal.
Para ela, a fitoterapia se mostrou eficaz desde o início. “Os resultados foram rápidos, especialmente para as dores. Além disso, sinto menos efeitos colaterais do que com os medicamentos convencionais”, conta. Ela destaca que a facilidade de acesso a fitoterápicos em farmácias de manipulação, além do acompanhamento especializado que recebe, foi crucial para o sucesso dos seus tratamentos.
Fitoterapia em condições crônicas e saúde mental
A aplicação da fitoterapia em condições crônicas, como diabetes e hipertensão, é vista como uma opção complementar viável. “Reforço que o trabalho da equipe de saúde precisa ser integrado e regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, pontua.
Quanto à saúde mental, Raquel adota uma postura cautelosa. “Saúde mental é um termo muito amplo, não pode ser avaliado de maneira singular e ser associado à fitoterapia de forma descuidada.”, afirma, destacando a necessidade de avaliação individualizada e profissional.
Entretanto ela destaca sobre as possibilidades do cuidado para a saúde mental com base nas regulamentações da Anvisa. “O órgão disponibiliza uma lista de plantas medicinais para uso domiciliar e de orientação nas ações de educação popular em saúde. Com base na Resolução de Diretoria Colegiada n° 10 (RDC 10), existem 66 plantas medicinais que podem ser usadas e neste documento são apresentadas as possibilidades de uso para vários diagnósticos iniciais”, pontua.
Carla, que é paciente particular de Raquel, enfatiza a importância da orientação profissional no uso de fitoterápicos. “Consulto uma especialista mensalmente e tenho acompanhamento constante”, destaca, acrescentando que não experimentou reações inesperadas desde que iniciou o tratamento.
Acessibilidade e potencial
Tanto Raquel quanto Carla apontam para a crescente acessibilidade da fitoterapia. Carla observa que a expansão de cursos e especializações na área têm facilitado o acesso e a informação sobre esses tratamentos. “Há uma crescente na quantidade de cursos para identificar e saber manipular as plantas, há uma maior especialização dos profissionais e facilidade de informação sobre o assunto”, evidencia.
Raquel reforça o potencial promissor dessa prática na medicina integrativa. “O futuro da fitoterapia na medicina integrativa está se apresentando promissor e tende a se expandir, principalmente com o crescente interesse por abordagens mais naturais e holísticas de tratamento. À medida que mais estudos científicos validam a eficácia de plantas medicinais, a fitoterapia ganha espaço como uma opção complementar viável, devido à sua capacidade de oferecer tratamentos menos invasivos, com menos efeitos colaterais, e que podem ser personalizados”, comenta.
Desafios e esforços
Apesar dos avanços, ainda existem desafios a serem superados, incluindo a necessidade de mais pesquisas científicas, regulamentações claras e maior conscientização pública sobre o uso seguro e eficaz das plantas medicinais.
Como um dos grandes esforços do projeto está a divulgação dentro do Instituto. “É possível ver as nossas produções somente na Mostra Técnico Científica do Campus Bento Gonçalves do IFRS, que acontecerá em novembro. Nosso grupo é composto de Drs. Engenheiros Agrônomos, Drª Enfermeira, Biólogos e Gestores ambientais, somados a 17 bolsistas das áreas de informática, administração, viticultura e enologia, meio ambiente e agropecuária”, salienta Raquel.
A bióloga e técnica em enfermagem frisa que os atendimentos são focados para a comunidade do campus. “Só o Campus de Bento tem 1700 pessoas sobre o cuidado da nossa equipe de saúde, que está inserida na Coordenadoria de Assuntos Estudantis (CAE). O projeto possui uma área de cultivo pequena, 30 m² e a equipe de saúde é composta por uma enfermeira e duas técnicas em enfermagem”, conta.
Também há um empenho da equipe em trabalhos externos, apesar do fornecimento dos produtos ficarem reduzidos ao campus do IFRS. “Neste ano, trabalhamos com a E.M.E.F. Nossa Senhora Aparecida, em Carlos Barbosa e estamos realizando capacitações pedagógicas para aplicação nos projetos de ciência na E.M.E.F Santa Helena. Já foram realizados os cursos junto ao CAPS AD e CAPS 2. No próprio Campus, o projeto oferece estágio curriculares para os alunos do médio Técnico em agropecuária. Não dá tempo para atender todo mundo, mas vamos fazendo aos poucos à medida que as demandas aparecem”, explica.
Diferença dos sintéticos e fitoterápicos
Medicamentos sintéticos:
São produzidos em laboratório a partir da manipulação química de substâncias.
Medicamentos fitoterápicos:
São obtidos a partir de plantas, que passam por um processo de industrialização para padronizar a quantidade e a forma de uso. Os fitoterápicos são menos tóxicos que os medicamentos sintéticos, mas podem causar reações adversas, principalmente se não forem tomados com orientação médica.